Acórdão nº 488/19.6T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I- Relatório Identificação do processo: --- Autores: Fisio..., Lda., H. P.

, M. C.

, J. B.

e T. P.

--- Intervenientes principais ativos e reconvindos: --- F. R., C. F., R. M. e mulher R. O., M. F., J. C. e mulher M. M., M. E., S. F. e mulher M. V., M. G., M. R., M. B., P. C. – Imobiliária, S.A.

Autos de: apelação em ação declarativa com processo comum Petição inicial Os Autores, na petição inicial, pediram a condenação da Ré a reconhecer o direito de servidão de passagem sobre a parcela de terreno identificada em 8.º desse articulado e a abstrair-se de praticar qualquer ato que impeça ou obstrua a sua utilização.

Subsidiariamente peticionaram que se reconheça como caminho público a parcela de terreno identificada em 8.º da petição e se condene a ré abster-se de praticar qualquer ato que impeça ou obstrua a sua utilização.

Alegaram, em síntese, que existe um caminho que constitui o único meio de acesso à via pública dos prédios que agora são dos Autores, há bem mais de 70 anos, o qual foi sempre utilizado pelos anteriores proprietários dos prédios “encravados” como forma de acesso aos mesmos e foi usado pelo público que ali pretendia passar desde tempos imemoriais, mas que a Ré afirma que é sua propriedade, ali mantendo ramadas que impedem a sua franca utilização.

Contestação A Ré apresentou contestação, na qual deduziu reconvenção e incidente de intervenção principal provocada, peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio serviente, a declaração da constituição de servidão de passagem que onera tal prédio a favor dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ..03, ..04, ..05, ..06 e ..07, o reconhecimento do direito de preferência na aquisição dos prédios dominantes e o consequente cancelamento dos registos de aquisição dos mesmos prédios a favor dos adquirentes.

réplica Os Autores defenderam que a reconvenção era inadmissível, negando a propriedade da ré sobre o dito caminho, mais afirmando que a servidão de passagem constituída por usucapião não constitui uma servidão legal e, consequentemente, não confere ao proprietário do prédio onerado o direito de preferência da venda dos prédios encravados. A final, pugnaram pela improcedência do pedido reconvencional, bem como do pedido de intervenção principal provocada deduzido pela ré.

Sentença Após despacho de aperfeiçoamento, saneamento dos autos, com a admissão da reconvenção e da realização de audiência final, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “Julga-se a presente ação totalmente procedente por provada e, em consequência: a) condena-se a ré M. D. a reconhecer o direito de servidão de passagem sobre a parcela de terreno identificada no ponto 8. dos factos provados; b) condena-se a ré M. D. a abster-se de praticar quaisquer atos que impeça ou obstrua a utilização do caminho identificado em 8.º dos factos provados.

  1. Pelo exposto, julga-se ainda parcialmente procedente a reconvenção formulada pela ré e, consequentemente, condenam-se os autores a reconhecerem que a ré é dona e possuidora do prédio identificado no ponto 7.º dos factos provados e que o mencionado caminho se situa na estrema norte do referido prédio da ré.

    Mais absolvem-se os autores do restante peticionado pela ré.” recurso É desta decisão que a Ré apela, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: “1- A.- A Recorrente entende que a decisão da matéria de facto é incorrecta quanto aos pontos: 13 uma vez que apenas foi provado que actualmente o acesso é feito por veículos ligeiros, para uso do parque de estacionamento existente num dos prédios, tratores e alfais agrícolas, 14 e 18 da matéria de facto provada; que deverão ser NÃO PROVADOS.

    B.- É também incorrecta a decisão do Ponto b) da matéria de facto não provada; que deverá ser PROVADO Que em Agosto de 2011, a Ré/ Reconvinte mandou colocar calceta no início deste caminho, junto à Estrada Nacional..

    C.- Esta alteração deverá ser feita com base nos depoimentos das testemunhas transcritos no corpo das alegações e de acordo com o disposto no art. 607º nº 4 do Código de Processo Civil e no art. 347º do Código Civil “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos: se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” D.- A Ré, ora Recorrente, tem direito de preferir na compra e venda efetuada entre os autores e os intervenientes, nos termos do disposto no artigo 1555.,º, n.º 1 do C.C. Quer a jurisprudência, quer a doutrina largamente dominantes não colocam presentemente qualquer dificuldade ou objecção a tal respeito.

    E.- De acordo com o disposto no art. 1555º do C. Civil o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem tem direito de preferência na venda do prédio dominante: F.- São pressupostos essenciais: 1) que o prédio do proprietário preferente esteja onerado com servidão legal de passagem, ou seja, sujeito ao regime de servidão imposta por lei, ao abrigo do regime do art.º 1550.º do Cód. Civil; e 2) que a servidão de passagem esteja constituída, isto é, não bastará a situação de encrave e a possibilidade de exercício do direito de exigir a passagem; tem de haver já um título que legitima a passagem sobre o prédio do preferente para acesso ao prédio alienado.

    G.- Quando a Ré, ora Recorrente, e seus antecessores, proprietários do prédio serviente, não se oposeram a que se constituísse a favor dos prédios confrontantes, que não tinham comunicação com a via pública, uma servidão de passagem a pé, permitiram que a servidão legal de passagem se constituísse por usucapião (nos termos descritos nos pontos provados da matéria de facto, tal como a douta sentença veio a reconhecer o direito de servidão de passagem).

    H.- Na previsão do art. 1555º/1 cabe, como título constitutivo, a usucapião.

    1. Pelo que o pedido de reconhecimento de tal direito e os demais consequentes devem proceder.” Os Autores responderam, apresentando as seguintes conclusões: “a) - De todos os elementos constantes dos autos resulta claro que se trata de um caminho carral e não apenas pedonal.

    1. - A A. T. P. e as testemunhas M. T., A. F., Manuel, B. B. e M. B. demonstraram ter um conhecimento aprofundado do local e das características do mesmo, explicando de forma detalhada e coerente que o uso do caminho era feito por carros de animais, tratores e reboques, precisamente para aceder a terras agrícolas.

    2. - Em função das regras da experiência comum e da evolução dos meios de transporte, o uso do caminho antes seria feito apenas a pé, depois apenas de máquinas agrícolas e mais recentemente de veículos automóveis.

    3. - Para que se considere que a servidão é carral não é necessário ser maioritário o trânsito de veículos.

    4. - Do depoimento da testemunha J. S., analisadas como um todo, permitem facilmente concluir pela impossibilidade de aparcamento do autocarro. f) - A testemunha A. S. demonstrou uma total falta de conhecimento da matéria referente ao ponto b) dos factos não provados, não sabendo localizar temporalmente a colocação da calceta nem sequer o responsável por tal colocação.

    5. - A factura junta pela Recorrente foi impugnada pelos Recorridos, não constituindo tal documento prova legal plena.

    6. - No que respeita à matéria de direito, a interpretação que a Recorrente faz do artigo 1555° do Código Civil não deve colher e não é a que melhor se adequa ao caso presente.

    7. - Conjugando o disposto nos artigos 1547° e 1555°, n.º 1 do Código Civil, deve concluir-se que a servidão de passagem adquirida por usucapião não tem a natureza de servidão legal, pelo que, em caso de compra e venda do prédio dominante, os proprietários do prédio serviente não são titulares de direito de preferência.

    8. - O facto de a servidão de passagem beneficiar um prédio encravado não tem a virtualidade de lhe atribuir natureza legal.

    9. - Na servidão de passagem adquirida por usucapião, a passagem faz-se através da faixa de terreno possuída e que é revelada por sinais visíveis e permanentes e não pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados, como sucede na servidão legal.

      1) - As servidões constituídas por usucapião criam um direito de passagem ex novo por ser a usucapião um modo de aquisição originária, nada tendo a ver com o exercício do direito potestativo conferido pelo artigo 1550º do Código Civil.

    10. - A constituição da servidão legal prevista nos artigos 15500 a 15560 do Código Civil está sujeita a um conjunto específico de regras, tais como as decorrentes do artigo 13530, as quais não são aplicáveis às servidões constituídas por usucapião.

    11. - Não está demonstrado nos autos que os AA. tivessem o direito potestativo de exigir a constituição daquela servidão em concreto.

    12. - Não ficou demonstrado que o prédio da R. é aquele que sofre menos prejuízo com a constituição da passagem, nem que aquele local em concreto seja o menos inconveniente para o prédio onerado.

    13. - Os princípios gerais, tais como o da livre disponibilidade dos bens e o da igualdade, com expressão constitucional, são contrários à proliferação de direitos de preferência legais; as competentes normas devem, assim, ser interpretadas de modo não extensivo, nunca se alargando por analogia.

    14. - A preferência legal visa pôr cobro a situações em que, potestivamente, se constituem servidões contra a vontade alheia ou em que, sob a iminência do recurso a Tribunal, se alcance o acordo alheio.

    15. - Tal 'ratio' não opera por natureza perante servidões constituídas por usucapião.

    16. - A interpretação das normas aplicáveis por parte do Tribunal a quo mostra-se correcta e a mais adequada ao caso concreto e tem sustentação jurisprudencial e doutrinária.

    17. - Resulta dos pontos 10 a 12 dos factos provados que em mais de 70 anos a passagem foi utilizada diariamente de forma totalmente pacífica.

    18. - Estamos perante uma servidão que desde tempos imemoriais foi aceite...

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