Acórdão nº 176/17.8T8ORQ.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1.

Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta intentou a presente ação com comum, constitutiva, contra AA, articulando, com utilidade, e pedindo, a declaração da constituição de um direito real de servidão por destinação do pai de família a impor aos prédios descritos nas matrizes 42 e 58, secção XX da freguesia de …., da propriedade do Réu, através do caminho já existente, em proveito do prédio descrito na matriz 40, secção XX, da mesma freguesia, ou caso não se entenda possível, a declaração da constituição de um direito real de servidão legal de passagem pelo caminho existente nos prédios descritos nas matrizes 42 e 58, secção XX da freguesia de …., imposta em proveito do prédio descrito na matriz 40, secção XX, da mesma freguesia, por forma a que o seu prédio passe a ter comunicação com a via pública, porquanto o caminho já existia e foi interrompido pelo Réu, AA, ou porque o prédio do autor está encravado.

  1. Regularmente citada para os termos da presente demanda, contestou o Réu/AA.

  2. Entretanto, a Autora/Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta foi convidada a chamar à demanda, na qualidade de Réus, BB, CC, DD, EE, Fundação Joaquim António Franco e Cabeça de casal da herança de FF, por serem proprietários de terrenos contíguos ao imóvel da autora.

  3. Deduzido o chamamento, foi o mesmo deferido.

  4. Citados os chamados, os mesmos contestaram.

  5. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, consignando-se no respectivo dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente ação instaurada por Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta, procedente quanto ao pedido principal e, consequentemente, declaro a constituição do direito real de servidão por destinação do pai de família a impor aos prédios descritos nas matrizes 42 e 58, secção XX da freguesia de …, da propriedade do Réu, AA, através do caminho já existente, em proveito do prédio descrito na matriz 40, secção XX, da mesma freguesia.

    Mais decido, absolver do pedido principal BB, CC, DD, EE, Fundação Joaquim António Franco e Cabeça de casal da herança de FF.

    Decido não tomar posição final quanto ao pedido subsidiário por ser desnecessário, em virtude da procedência do pedido principal.” 7.

    Inconformada com o decidido, recorreu o Réu/AA, tendo a Relação conhecido do objecto da apelação ao proferir acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.” 8.

    É contra esta decisão que o Réu/AA se insurge, interpondo revista em termos gerais, e, subsidiariamente, em termos excepcionais, formulando as seguintes conclusões.

    “i. O recorrente interpôs recurso de revista normal e, subsidiariamente, excecional com fundamento na contradição com o acórdão, já transitado, do STJ de 02-12-2010 (proc. 5202/04.8TBLRA.C1.S1) ii. Quanto à revista normal, ocorreu erro de direito no julgamento da matéria de facto dos pontos 9 e 10; iii. Em ambas as circunstâncias, por falta análise critica da prova, violando o principio da tutela efetiva e, art.s 413º, 607º, n.4 e, 662º, todos do CPC.

    iv. Donde, deve ser ordenada a baixa do processo ao TR.. para reapreciação da matéria de facto, excepto se se considera apresentarem já os autos condições para prolação de decisão imediata de mérito, o que pugna o recorrente.

    Por outro lado, v. e nesta parte os fundamentos são comuns à revista excepcional, ocorreu erro de julgamento da matéria de direito, numa errónea interpretação do art. 1553º do C.Civil vi. A autora pede a constituição de servidão num imóvel específico.

    vii. Perante tal pedido, impede sob a mesma o ónus de alegação e prova que os prédios pertencentes ao réu eram os que sofriam menor prejuízo com a constituição da servidão, viii. Ou porque é a única possibilidade viável para estabelecer o acesso à via pública, alegando e provando a eventual inexistência de outros prédios confinantes ou a eventual existência de obstáculos que impedissem o acesso através desses prédios, ix. ou porque, de entre as várias alternativas possíveis, é o prédio do réu aquele que sofre menor prejuízo, o que pressupõe a alegação de um acervo factual que enunciasse as várias alternativas possíveis para estabelecer o acesso; quais os prédios que seriam afetados em cada uma delas; qual a área dos prédios que seria afetada em cada uma daquelas possibilidades; quais os concretos prejuízos e incómodos que seriam sofridos por cada um desses prédios em cada uma daquelas possibilidades com a consequente alegação de factos relacionados com as características e utilização desses prédios e outros factos relevantes para o apuramento do prejuízo decorrente da implantação da servidão.

    x. Não tendo a autora alegado tais factos constitutivos, devia a ação ter sido julgada improcedente.

    Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão sindicada, julgando-se a ação improcedente.” 9.

    Foram apresentadas contra-alegações tendo sido apresentadas as seguintes conclusões: “

    1. Bem esteve o Acórdão do Tribunal da Relação de …. ao decidir que quando a passagem já se fazia por prédios pertencentes a uma só pessoa (e que antes pertenciam a outra), deve a servidão definir-se por essa passagem.

    2. Não assiste razão ao Recorrente. Antes demais porque, o recurso do Recorrente padece de falta de fundamentos para recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça no que respeita ao julgamento da matéria de facto porquanto os fundamentos que invoca não se enquadram num caso de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme prevê o Artigo 674.º/3 do CPC.

    3. Ainda que assim não seja entendido, não há qualquer motivo para considerar que o Tribunal da Relação de …. não formou a sua própria convicção quanto à apreciação da matéria de facto.

    4. O prédio da Recorrida é um prédio encravado. Não tem acesso à via pública.

    5. Nenhum dos prédios confinantes tem acesso à via pública.

    6. Não obstante, os prédios do Recorrente ligam-se à via pública por uma estrada de terra batida que apesar de não ser classificada, nem como nacional, nem como regional, liga a estrada nacional aos artigos do Recorrente, sendo aquela que desde tempos imemoriais, está no uso direto e imediato do público [Segundo o Assento do STJ de 19 de Abril de 1989 - hoje com valor de uniformização de jurisprudência (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 329.º-A/95, de 12/12) - “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”] (mesmo passando por propriedade privada), o que justifica que tenha inclusivamente manutenção camarária.

    7. Mais, conforme declarações da Sra. Arquiteta, esse já era o acesso aos prédios urbanos ali existentes, quer ao …, quer ao Artigo 40, desde o seu licenciamento (depoimento da arquiteta GG a partir do minuto 12.07), ou seja, antes da separação de domínios.

    8. Esta estrada em terra batida é também a que o Recorrente usa para aceder aos seus prédios.

    9. Assim, da factualidade invocada e provada resulta que a pretensão da Recorrida não é criar um encargo ex novo, caso em que a aplicação estrita do artigo 1553.º do Código Civil faria todo o sentido, como bem refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação.

    10. Por ser o acesso que sempre existiu e deu serventia ao prédio encravado, é aquela passagem o caminho habitual e normal.

    11. Nessa medida, é, naturalmente, também o mais cómodo e menos inconveniente, conforme refere o Acórdão recorrido.

    12. Acresce que, fruto do declive, condições do traçado e do piso - conforme depoimento da arquiteta da Câmara (depoimento da arquiteta GG a partir do minuto 18.00…), mas também da inspeção judicial efetuada -, bem como do facto de não estar incluído na Reserva Ecológica Nacional, ao contrário do que acontece com os caminhos vermelho (totalmente intransitável - depoimento da arquiteta GG a partir do minuto 09.47) e azul, o caminho amarelo (conforme Doc. 1 da Contestação) é de facto o menos oneroso e de mais fácil acesso.

    13. Por último, a Revista excecional não deve ser admitida, porquanto, não obstante entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento esteja em causa a mesma legislação e a mesma questão fundamental de direito, não há entre eles qualquer contradição.

    14. O Acórdão fundamento é precisamente o exemplo dado pelo Tribunal da Relação de …. no sentido da obrigatoriedade de recorrer aos critérios do Artigo 1553.º do Código Civil por estar em causa um encargo ex novo ao contrário da situação sub iudice, em que o encargo sempre existiu sob os prédios do Recorrente.

    15. Pelo que inexistindo contradição, não há fundamento para a Revista excecional, não assistindo assim razão ao Recorrente.

    16. Deve, assim, ser confirmado o Acórdão do Tribunal da Relação de …… e ser declarado o direito de passagem imposto aos prédios descritos nas matrizes 42 e 58, secção XX da freguesia de …., da propriedade do Réu, em proveito do prédio descrito na matriz 40, secção XX, da mesma freguesia, por forma a que este passe a ter comunicação com a via pública.

    Destarte, Venerandos Conselheiros, A decisão recorrida deverá ser mantida, improcedendo a Revista, nos termos gerais, bem como a excecional, declarando-se a constituição de um direito real de servidão legal de passagem pelo caminho existente nos prédios descritos nas matrizes 42 e 58, secção XX da freguesia de …., imposta em proveito do prédio descrito na matriz 40, secção XX, da mesma freguesia, por forma a que o seu prédio passe a ter comunicação com a via pública, com o que farão V. Exas. Inteira Justiça”.

  6. Foram dispensados os vistos.

  7. Cumpre decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO II. 1.

      Além do conhecimento da questão prévia invocada pela Recorrida/Autora/Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta atinente à admissibilidade da interposta revista, em termos gerais, e, subsidiariamente, a revista excepcional, as questões a...

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