Acórdão nº 08A542 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução13 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo sumário, contra o Município de Amares e a Freguesia da Torre desse Município.

Invocando a aquisição do domínio, por usucapião, de um prédio rústico, resultante da desanexação de outro, referem que no mesmo existe caminho de passagem; que construíram um muro de suporte no logradouro do prédio urbano ali existente junto a esse caminho; que os Réus recusaram autorizar o muro, alegando ter sido implantado em caminho público.

Pediram, a final, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno onde se situa o muro e a condenação dos Réus a tal reconhecerem.

Contestaram estes e deduziram pedido reconvencional pedindo se declare que o caminho pertence ao domínio público e a condenação dos Autores a desobstrui-lo.

Foi proferido despacho absolvendo os Autores da instância reconvencional.

Na 1.ª Instância a acção foi julgada procedente e os Réus condenados a reconhecerem o domínio dos Autores sobre a faixa de terreno de implantação do muro por ser parte integrante do seu prédio.

Os Réus apelaram tendo a Relação de Guimarães dado provimento ao recurso e revogado a sentença recorrida.

Pedem agora revista os Autores.

E, em síntese, assim concluem as suas alegações: - Ao proceder às alterações das respostas dadas em primeira instância da forma em que o fez, o douto acórdão proferido violou os mais elementares ditames que regem a admissibilidade concedida ao Tribunal da Relação para alterar a matéria de facto dada por assente em sede de primeira instância.

- Entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado (art° 655°, n.° 1 do C.P.C.).

- Daí que o Tribunal Superior não possa, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos, só o pode fazer dentro dos apertados limites previstos no art° 712°, n.° 1, do citado diploma legal.

- Basta a circunstância de, em audiência de julgamento, terem sido produzidos depoimentos orais de testemunhas, para desde logo ser impossível operar qualquer critica quanto à apreciação feita pelo Colectivo sobre o teor das respostas ao questionário - Ora, o despacho de fundamentação da decisão da matéria de facto encontra-se bem fundamentado, e os depoimentos gravados, contrariamente ao que pretendiam os ora recorridos, não são susceptíveis de contrariar a convicção gerada pelo julgador da 1.ª instância.

- Aliás, decorre da fundamentação da sentença proferida em primeira instância que «Dos documentos juntos, designadamente os mais recentes (fls. 157 a 195) não se alcança com segurança que os prédios dos AA. confrontam com carreiro, tanto mais que, a ser assim, também os prédios vizinhos, a poente,,deveriam confrontar com o mesmo, o que não acontece.» - Além do mais, conforme resulta da matéria provada, "Nem nesta, [planta aerofotogramática em uso na Câmara Municipal] nem em qualquer outro levantamento topográfico se encontra assinalado qualquer caminho ou carreiro através do imóvel referido em 4)»(o prédio dos ora Apelados)".

- Resulta igualmente da fundamentação da matéria provada, o próprio «Presidente da Câmara Municipal entre 1990 e 1993 referiu que foi no seu tempo de presidente que foi aberto um arruamento entre a E.N. e a igreja e que, nessa altura, nunca ouviu falar de qualquer carreiro de acesso à Igreja ou à Capela, apesar de lá ter ido por diversas vezes.» - O artigo 655°, n° 1 do C.P.C, consagra o denominado sistema de prova livre, por contraposição ao regime da prova legal: O tribunal aprecia livremente a prova, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

- Quer isto dizer que a prova é apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas, normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de raciocínios e juízos que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto em avaliação.

- Não obstante o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação tenha decidido pela revogação da decisão interposta pelos AA. ora recorrentes, e consequentemente tenha julgado improcedente a Acção por eles interposta, entendem os ora recorrentes que apesar do manancial de alterações da matéria de facto, sempre a decisão teria de ser pela procedência de acção interposta pelos AA. ora recorrentes.

- Consta da matéria de facto dada por assente mesmo após as alterações verificadas que "a passagem pelo carreiro pedonal, apenas viável para as pessoas mais ágeis (pois se fazia por degraus toscos e saltando sobre uma pedra de vedação) não constituía um percurso necessário, nem sequer o percurso normal entre a Igreja paroquial e o lugar do Eirado (art.° 22° da p.i.)." - Consta também desde há mais de 20 e 30 anos, os que eventualmente utilizavam o carreiro pedonal, em direcção á Igreja e vice-versa, passavam pelo 2.° balcão, pela Leira da Eira e pela cancela desta, pelo segmento do carreiro pedonal, entre o rego da água de consortes e o Caminho Municipal n.° 1232, estar intransitável devido a silvas e outra vegetação (art° 23.° da pi.) - Resulta também da matéria de facto dada por provada que o carreiro em apreço não tem as características para que daí se possa concluir pela dominialidade pública. Atenta a sua largura é manifesto que o mesmo não passa de mero atravessadouro, utilizado para atalhar caminho. De qualquer modo, não existem nos autos quaisquer outros elementos que permitam atribuir ao dito carreiro, qualquer outra função mais relevante do que a de servir de simples serventia ou atalho entre as duas vias que se situam nos seus topos.

- Desde a entrada em vigor do actual Código Civil, deixou tal atravessadouro de ter qualquer relevância (Art. 1383° do C.C.), visto que não se verifica o condicionalismo referido no art. 1384° do mesmo diploma.

- Traduzindo-se os caminhos públicos e os atravessadouros (ou atalhos) em vias de comunicação afectadas ao uso de qualquer pessoa, é evidente que o simples uso pelo público, mesmo que imemorial, não pode bastar para qualificar determinada passagem como caminho público, sob pena de todos os atravessadouros com longa duração terem de ser qualificados como dominiais, em manifesta violação do preceituado nos artigos 1383.° e 1384.°, que apenas ressalvam os que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade.

- Mesmo que assim não fosse, sempre resultaria da matéria de facto dada por assente que com a construção do novo arruamento e ter deixado de ter passado qualquer pessoa no carreiro em causa, logo teria ocorrido a sua desafectação do domínio público.

- Na verdade, a desafectação do caminho do domínio público pode ser expressa ou tácita, considerando-se tácita desde que a coisa, se tornou desnecessária à utilidade pública. Neste caso, o caminho deixou de ser necessário para nele passarem as populações locais que antes o utilizavam a partir do momento em que as populações passaram a poder dispor de uma estrada mais larga asfaltada melhor construída para satisfazer as suas necessidades de comunicação. Sempre teria ocorrido a sua desafectação tácita.

- O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 351.º, 515.º, 668.º, 690-A e 712 do Código de Processo Civil e 1311.º e seguintes, 1383.º e 1384.º do Código Civil.

Contra alegaram os Réus suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, face à absolvição da instância reconvencional e concluindo, no mais: - O Tribunal recorrido julgou e decidiu a modificação da decisão de facto dentro dos limites que estão fixados pela lei processual.

- O Tribunal recorrido apreciou criticamente os fundamentos da impugnação da matéria de facto aduzidos pelos Apelantes e, reconhecendo-lhes razão, decidiu modificar a decisão de facto nos termos peticionados pelos Apelantes.

- O Tribunal da Relação de Guimarães, ao alterar a decisão de facto nos termos peticionados pelos Apelantes, supriu um sem número de contradições que afectavam a decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e sanou-a quanto ao erro de julgamento de facto.

- Para tanto, o Tribunal ouviu a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, tal como consta de fls. 23 a 25 do Acórdão - Pelo exposto, nessa parte, o Acórdão recorrido não merece qualquer censura. Está desenvolvidamente fundamentado e não enferma de qualquer contradição, falta de clareza ou obscuridade.

- Por conseguinte, também por esta razão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida quanto à matéria de facto fixada.

- A acção instaurada pelos AA. contra os RR. assume a natureza jurídica de acção de simples apreciação positiva, cujo pedido formulado é o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma faixa de terreno, correspondente ao local de implantação de um muro de blocos pelos AA., melhor descrito em 49.º e 50.º da petição inicial.

- Tratando-se de acção declarativa de simples apreciação positiva, visando o reconhecimento do direito de propriedade, incumbe ao autor, àquele que formula o pedido, a prova dos factos constitutivos do direito que quer ver reconhecido judicialmente. Assim determina o princípio-geral de distribuição do ónus probatório, consagrado no art. 342°, n°1 do Cód. Civil: «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado». Competia, pois, aos AA., aqui apelados, fazer a prova de serem os titulares do direito de propriedade sobre a acima referida parcela.

- Tal como resulta da douta decisão de facto, os AA não lograram provar que a aludida faixa de terreno, correspondente ao leito do carreiro, se situa dentro dos limites geográficos do prédio identificado em 1 da petição e dele faz parte integrante.

- Pelo contrário, provou-se que o prédio de que os AA. se arrogam...

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