Acórdão nº 296/04.9TAGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: No 2º juízo criminal da comarca de Guimarães, por sentença proferida em 21/06/2011, foi decidido: -absolver os arguidos AA e BB da acusação relativamente a um crime p. e p. pelo artº 152º, nºs 1, alínea b), e 4, alínea b), do CP; -absolver os demandados BB, CC, Lar de ..., AA, DD, C...R... & Filhos, Lda e Companhia de Seguros ..., SA do pedido de indemnização civil deduzido, em 10/03/2005, por EE e seus filhos FF e GG, estes representados por aquela.

Os requerentes do pedido civil interpuseram recurso da sentença para a Relação de Guimarães, onde, por decisão sumária do relator, foi rejeitado o recurso, com os seguintes fundamentos: «O Ministério Público (que deduziu acusação) não recorreu da sentença absolutória.

Os recorrentes, que formularam o pedido de indemnização civil, não se constituíram assistentes nos autos, pelo que, sendo tão-só partes civis, a sua intervenção restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil – art. 74º, nº 2, do C. P. Penal.

Em consonância com este dispositivo legal, estabelece o art. 401º, nº 1, c), do C. P. Penal que têm legitimidade para recorrer «as partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas».

E o art. 403º, nº 1, do C. P. Penal admite a limitação do recurso a uma parte da decisão, prevendo o nº 2 do mesmo artigo a autonomia, para efeitos de recurso, da parte da decisão referente à matéria civil.

No recurso que interpuseram da sentença absolutória, os demandantes insurgem-se quanto a matéria de facto dada como provada bem como quanto a matéria de facto não provada, entendendo que esta deve ser dada como provada e consequentemente os demandados condenados ao pagamento da indemnização formulada pelos demandantes.

Ora, atentos tais fundamentos do recurso interposto – impugnação da matéria de facto, pretendendo que o tribunal dê como provados factos que são integradores do crime de que os arguidos foram absolvidos –, os recorrentes não têm legitimidade para recorrer, em face do disposto nos art. 401º, nº 1, al. c), e 403º, nºs 1 e 2, al. a), do C. P. Penal, pois, ainda que de forma indirecta, é atacada toda a decisão, concretamente matéria de facto dada como não provada que, caso fosse provada, integraria o crime pelo qual os arguidos foram acusados.

Como se diz no Ac. STJ de 10/12/2008, proc. nº 3638/08, “Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que se refere à caracterização do acto ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável” À parte civil está reservada a faculdade de recorrer apenas relativamente a aspectos que se prendam com a acção civil, como sejam os prejuízos decorrentes do facto ilícito e o quantum indemnizatório. Mesmo que indirectamente, o recurso da parte cível não pode pôr em causa a matéria penal da sentença, sob pena da sua intervenção processual beneficiar de uma amplitude idêntica à do assistente e que o C. P. Penal não lhe quis atribuir.

Por outro lado, o recurso restrito ao pedido de indemnização civil não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal, pelo que não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa matéria que suporta/afasta a responsabilidade criminal.

A admitir-se a possibilidade de nova discussão dos factos ocorridos, estava a aceitar-se uma redefinição da matéria factual já assente definitivamente no processo, com base na qual os arguidos foram absolvidos do crime que lhes foi imputado e que conduziu igualmente à absolvição do pedido cível. (…).

Neste sentido já se pronunciaram, entre outros, para além dos supra citados Ac. STJ de 10/12/2008 e de 24/2/2010, Ac. STJ de 7/7/2010, Ac. T. R. Porto de 19/5/2010, Ac. T. R. Coimbra de 20/1/2010, Ac. T. R. Évora de 22/6/2004, Ac. T. R. Guimarães de 6/3/2006, todos in www.dgsi.pt).

Também Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª ed., pág. 1029, nota 12ª ao artigo 401º) escreve «o demandante não tem legitimidade para, no recurso da matéria cível, pôr em causa, ainda que indirectamente, a parte penal da sentença, pedindo a alteração da matéria de facto provada» No caso concreto, porque os recorrentes impugnam matéria de facto que é referente à responsabilidade criminal dos arguidos, não sendo possível autonomizar a parte crime da parte cível, carecem de legitimidade para recorrer, impondo-se a rejeição do recurso nos termos conjugados dos arts. 401º, nº 1, al. c), 417º, nº 6, al. b), e 420º, nº 1, al. b) do C. P. Penal».

Os recorrentes apresentaram reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artº 417º, nº 8, do CPP, alegando, em síntese: -formou-se caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, uma vez que os ora recorrentes interpuseram um primeiro recurso da sentença do tribunal de 1ª instância que foi admitido pelo Tribunal da Relação, vindo a ser declarada nula a sentença recorrida por falta do exame critico das provas, sendo o presente recurso interposto da nova sentença; -o demandante cível tem legitimidade para recorrer da matéria de facto que contenda com a factualidade relativa aos elementos típicos do crime, quando o arguido seja absolvido do crime que lhe vem imputado e em consequência do pedido de indemnização civil.

Por acórdão de 07/07/2011, a Relação indeferiu a reclamação, confirmando a decisão sumária do relator, com os seguintes fundamentos: «(…).

Nos presentes autos, em 14/4/2008, foi proferida sentença que absolveu os arguidos do crime de infracção de regras de segurança p. e p. pelo art.152º, nºs 4 e 5, al. b), do C. Penal, assim como absolveu os demandados do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

Os demandantes, inconformados, interpuseram recurso da sentença absolutória, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, em 19/4/2010, proferido acórdão em que anulou a sentença recorrida para que fosse reformulada a motivação da matéria de facto, com o necessário exame critico da prova.

Em obediência ao acórdão da Relação, o tribunal da 1ª instância proferiu nova sentença, em 21/6/2010, em que absolveu os arguidos do crime que lhes era imputado e os demandantes do pedido de indemnização civil.

Os demandantes, ora reclamantes, interpuseram recurso desta decisão absolutória, colocando as questões que haviam já suscitado no primeiro recurso interposto.

(…).

O caso julgado formal significa assim que o despacho proferido pelo juiz sobre uma determinada questão, uma vez transitado em julgado, tem força vinculativa dentro do processo.

No caso em apreço, a sentença proferida em 14/4/2008 foi anulada e em consequência foi elaborada uma nova sentença, em 21/6/2010, da qual foi interposto recurso. É sobre o recurso interposto desta sentença que incide a decisão sumária ora reclamada. Ou seja, a decisão sumária tem por objecto uma decisão nova no processo e não a anterior sentença, relativamente à qual foi admitido recurso e que na sequência deste, veio a ser invalidada.

Porque a decisão ora reclamada não incidiu sobre o recurso interposto da sentença proferida em 14/4/2008 e relativamente à admissibilidade do qual este Tribunal da Relação já se tinha pronunciado, tendo antes por objecto outro recurso interposto da nova sentença proferida, não há que falar de violação do caso julgado, pois não existem dois despachos a apreciar a admissibilidade do mesmo recurso, incidindo antes sobre recursos de duas decisões distintas.

(…).

Quanto ao fundamento da inadmissibilidade do recurso interposto pelos demandantes nos termos em que o fizeram, pondo em causa a factualidade que afastou a responsabilidade criminal, reiteramos a posição assumida na decisão reclamada.

A partir do momento em que a vertente penal ficou definitivamente decidida por força da não interposição de recurso por parte dos sujeitos processuais com legitimidade para recorrer de tal matéria, apenas os aspectos estritamente relacionados com a acção civil, como sejam os prejuízos decorrentes do facto ilícito e o quantum indemnizatório podem ser discutidos. A vertente penal da sentença não pode ser chamada novamente à colação ainda que apenas para fazer valer pretensões de natureza civil, sob pena de ocorrer uma contradição insanável, como seria a de haver factos definitivamente fixados...

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