Acórdão nº 1942/06.5TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | TÁVORA VÍTOR |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
1. RELATÓRIO.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
AA, identificado nos autos, veio intentar contra: BB e mulher CC, a presente acção com processo ordinário pedindo: 1) Que seja declarado o incumprimento culposo do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, a que se reporta o doc. nº 1, junto com a P.I., em virtude da impossibilidade de ser efectuada a prestação a que os RR. se obrigaram, por facto que não lhes é imputável.
2) Que sejam os RR. condenados a pagar ao Autor o dobro do valor por este prestado a título de sinal, ou seja, o valor de € 97.764,38, assim como o montante de juros de mora, calculados à taxa legal civil, que se vencerem após a citação dos RR. até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto e em resumo que, em 12/1/98, os RR. prometeram vender ao Autor, e este prometeu-lhe comprar, um prédio urbano destinado a habitação, sito no concelho da Maia, pelo preço de Esc. 10.000.000$00.
A título de sinal e princípio de pagamento, o Autor entregou aos RR. a quantia de esc. 9.800.000$00, devendo a parte ainda em falta ser paga no momento da celebração da escritura, que deveria ser celebrada até 180 dias depois.
À revelia do Autor, os RR. transmitiram o prédio a terceiro, no ano de 2000.
Os RR. contestaram referindo que o contrato-promessa caducou por inacção do Autor, a quem competia a marcação da escritura.
O Autor quis apenas que o Réu garantisse, com aquele imóvel, um empréstimo que lhe tinha concedido, e este quis garantir o pagamento com aquele bem – para produzir iguais efeitos aos de um mútuo com hipoteca.
O valor real do imóvel é superior a € 250.000,00.
O Autor recebeu, através do saque de cheques, toda a quantia que mutuou aos RR.
Na sentença proferida na 1ª instância a acção foi julgada improcedente, por não provada, por força da nulidade do contrato promessa invocado nos autos e os Réus absolvidos do pedido.
O Autor foi condenado como litigante de má-fé em multa, fixada em 4 UCs, e em indemnização a favor dos RR., fixada em € 955, a título de compensação por honorários pagos e a pagar ao mandatário destes RR.
Apelou o Autor pedindo a revogação do decidido; todavia a Relação limitou-se a alterar a sentença no que toca apenas à sua condenação como litigante de má-fé que assim anulou confirmando o mais que se decidiu.
De novo inconformado recorre o Autor agora de revista pugnando pela integral procedência da sua pretensão.
Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.
1) O Supremo Tribunal de Justiça pode, excepcionalmente, conhecer da errada apreciação da matéria factual nos termos do art° 722°, 2 e 729°, 2 do Código de Processo Civil.
2) A resposta dada à matéria do ponto 11) da base instrutória; “O valor real do imóvel referido em A) é superior a 250.000,00 €” que ambas as instâncias, estribadas na prova testemunhal, deram como "provado apenas que o valor real do imóvel é de, pelo menos, 125.000,00 €", ignorando que a fls. 9 a 12 dos autos se encontra a certidão da escritura de compra e venda do prédio identificado no contrato promessa, na qual os réus/recorridos declararam que o venderam em 7 de Junho de 2000, ou seja, 2,5 anos após a data do contrato de fls. 6 e 7 dos autos (12.01.1998) pelo preço de 14.500 contos.
3) A decisão das duas instâncias contraria a força probatória do documento junto a fls. 9 a 12 dos autos, em clara violação com o valor probatório de tal documento resultante do disposto nos artsº 363°, 369°, 370° e 371° do Código Civil.
4) Deve, por isso, no uso dos poderes de excepção conferidos a este Tribunal pelo n° 2 do art° 722° do Código de Processo Civil, ser alterada a resposta dada àquele quesito, no sentido de "não provado" ou de "provado que na escritura referida em que os réus declararam o preço do imóvel de 14.500 contos".
Por outro lado, 5) A 2ª instância fundamentou a sua decisão contrariando a matéria de facto processualmente adquirida, porquanto nos fundamentos da decisão a Relação diz quanto aos quesitos 5º e 6º que não se demonstra a relação do mútuo ou mútuos com a promessa de compra e venda celebrada entre as partes; que não resultou provado que os pagamentos (ou entregas para pagamentos) referidos nos quesitos 7º e 8º se reportaram aos empréstimos em concreto referenciados nos autos, designadamente em M) e N; e, quanto ao quesito 9º, que os cheques sacados tivessem qualquer relação com os valores do mútuo referidos em M) e N).
6) Mas, totalmente em contradição com tal matéria, a Relação declarou, como ponto crucial para a decisão, que ficou demonstrado que os exactos empréstimos de M) e N) foram pagos pelo réu.
7) É patente a deturpação da matéria de facto pela Relação do Porto, facto que atribuímos a lapso, mas que teve como consequência a errada decisão tomada.
8) Existe clara oposição entre os fundamentos e a decisão, o que gera a nulidade desta (art° 668°, 1 c) ex vi art° 721º, 2 do Código de Processo Civil), o que se requer que seja declarado por este Tribunal, com a consequente revogação da decisão da 2ª instância, que deve ser substituída por outra que declare a procedência do pedido do autor recorrente.
Acresce, 9) A 1ª instância, tendo em conta o quadro fáctico que considerou provado, decidiu que o contrato constante do documento de fls. 6 e 7 dos autos é nulo, em virtude de as declarações negociais nele produzidas serem declarações negociais não sérias, para os efeitos do art° 245° do Código Civil, o que levou à absolvição dos Réus do pedido.
10) A Relação alterou - e bem - a resposta dada ao quesito 3º, que deu como não provado e, perante a matéria de facto processualmente adquirida, considerou o contrato promessa válido, mas qualificou-o como um negócio indirecto. O contrato promessa realizado (ai. A) da matéria assente) teve subjacente, segundo a Relação, um fim indirecto de garantir uma relação obrigacional resultante do mútuo constante das alíneas M) e N) da matéria assente celebrado entre as partes.
11) Entendemos ser incorrecta a qualificação jurídica do contrato dada pela Relação.
12) Com efeito, não estamos perante um negócio fiduciário com fim de garantia, ou seja, um contrato promessa de compra e venda com fim indirecto de garantia de um crédito consubstanciado num pactum fiduciae acordado entre promitente vendedor (os réus mutuários) e promitente comprador (o autor mutuante).
13) Dos factos apurados não resulta que o contrato de fls. 6 e 7 dos autos evidencie que as partes tenham celebrado um contrato promessa de compra e venda com a finalidade de garantir a relação obrigacional resultante do mútuo de 10.000 contos reportado nas alíneas M) e N) da matéria assente, cabendo ao devedor (os réus/recorridos) o direito, meramente creditório, de exigir ao credor (autor/ recorrente) a promessa de revenda do bem em seu favor, uma vez exaurido o fim da garantia que era o pagamento do mútuo.
14) É sabido que o princípio básico do nosso direito obrigacional é o da liberdade contratual, no sentido de que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrando quer contratos diferentes do previsto no Código Civil, quer incluindo nos previstos as cláusulas que lhes aprouver (art° 405° Código Civil).
15) A declaração negocial é, verdadeiramente, um elemento integrante do negócio jurídico e exprime-se pelo comportamento declarativo.
16) No caso dos autos, resultou provada a convergência entre...
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