Acórdão nº 2037/13.0TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório: AA propôs a presente acção comum contra BB, CC e DD, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na venda realizada pelo 1º réu aos 2ºe 3º réus da fracção “AJ” do prédio sito na Praça …, nº …, Bloco …, 3º Nascente, Póvoa do Varzim, da qual é arrendatária, venda que se realizou pelo preço de € 30.000,00 e de que lhe não foi dado conhecimento. Pediu ainda a substituição dos réus compradores pela autora e o cancelamento de todos os registos efectuados após aquela transmissão sobre a fracção autónoma em causa.

Depositou o preço fixado na escritura pública de compra e venda.

Citados, vieram os réus contestar e deduzir reconvenção.

Alegaram que, a solicitação do pai do primeiro réu, os segundos réus emprestaram-lhe a quantia de 30.000 euros, em 2012, recebendo do primeiro réu a fracção “AJ” em garantia, sendo que o valor declarado na escritura corresponde ao valor emprestado, muito inferior ao valor patrimonial de 83.250 euros (de que a autora tinha conhecimento). Que na data da outorga da venda celebraram um contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção a favor do autor pelo montante de € 35.800,00, não pretendendo nem vender nem comprar, configurando a pretensão da autora abuso do direito de preferência e enriquecimento sem causa.

Pediram, em consequência, a improcedência da acção ou, assim não se entendendo, por via de reconvenção, a condenação da autora no exercício do direito de preferência pelo valor de € 83.250,00.

Na réplica a autora pugnou pela inadmissibilidade ou indeferimento da reconvenção e ampliou a causa de pedir e o pedido, este traduzido no exercício do direito de preferência pelo valor de 35.800 euros e pela condenação dos réus em indemnização no valor de 8.150 euros, correspondente aos juros e despesas judiciais.

A reconvenção, bem como a ampliação da causa de pedir e do pedido não foram admitidos, salvo quanto ao valor peticionado de 8.150 euros.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção nos seguintes termos: «a) reconhece que existe o direito da A. AA de preferir na aquisição efectuada pelos 2ºs Rs. CC e DD ao 1º R. BB do imóvel referido no facto 3 desta decisão; b) determina a substituição dos 2ºs Rs. pela A. no negócio objecto de preferência e referido em 3 da matéria de facto provada; c) absolve os Rs. quanto ao demais peticionado (cancelamento dos registos posteriores à propositura da acção)».

O réu BB interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 30 de Maio de 2017, decidido, com voto de vencido, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Ainda inconformado, interpôs o réu BB recurso de revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões relevantes: «(…) 7. Nos presentes autos e como bem refere o teor do voto de vencido da decisão ora em causa, “… a situação factual não quadra com um negócio translativo de propriedade tout court, pois tem acoplado um pacto fiduciário de natureza obrigacional.” 8. O negócio realizado pelos réus integra a categoria dos «negócios fiduciários com fim de garantia», mais precisamente na chamada «alienação fiduciária em garantia» que corresponde aquela em que «um sujeito (prestador da garantia) transmite a outro (beneficiário da garantia) a titularidade de um bem ou de um direito, com a finalidade de garantia de um credito, ficando o beneficiário da garantia obrigado, uma vez extinta esta finalidade, a retransmitir-lhe aquela mesma titularidade.” 9. Estaremos, pois, perante o carácter temporário da alienação do imóvel do Recorrido e a existência de uma obrigação de revenda a cargo do 2.º Réu, logo que a dita finalidade de garantia se mostre consumida.

  1. O Recorrente e o 2.º Réu apenas quiseram com os contratos efetuados no dia 31/01/2012 como, na nossa modesta opinião, a factualidade considerada provada pelo tribunal da Relação indicia, garantir um empréstimo através da transmissão temporária do imóvel em causa nos autos. O contrato de compra e venda não foi um fim em si mesmo, mas um mero instrumento de constituição de uma garantia.

  2. Na verdade, a função de garantia só se cumpre se a propriedade for transferida para a esfera do fiduciário: a garantia da dívida consiste na precisamente na transmissão da propriedade até que a dívida seja paga.

  3. Embora da dita escritura de 31/01/2012 não resulte, expressamente, a cláusula fiduciária, a factualidade dada por provada manifesta-no-la, pois; a/ o negócio do Recorrente garante de uma dívida; b/ tão só foi efetuada a título temporário e resulta necessariamente a obrigação do 2.º Réu retransmitir a propriedade ao Recorrente; c/ a propriedade do bem apenas se mantém na esfera do 2.º Réu pelo tempo necessário à satisfação da finalidade que presidiu à sua transmissão (garantia do crédito), devendo retornar à esfera do Recorrente logo que tal desiderato se cumpra.

  4. Estão, pois, preenchidos os pressupostos mínimos para que possamos considerar a existência de um negócio fiduciário, podendo inferir-se dos termos do negócio a existência de “alienação fiduciária em garantia.” 14. Aliás, na factualidade dada por provada pelo Tribunal recorrido, verifica-se a diferença típica neste tipo de negócios, entre o montante do crédito fiduciário que serve de preço à escritura pública realizada no dia 31/12/2012 no montante de 30.000,00€ e o seu valor de mercado, ou valor matricial, respectivamente 118.000,00€ (n.° 7 e 13 da fundamentação de facto) e 82.000,00€ (valor tributário). O valor que no ato de escritura serve de preço de transacção não corresponde, pois, claramente ao preço real do imóvel, ou seu valor tributário, mas ao montante que o Recorrente garantiu ao 2.º Réu.

    (…) 19. O segundo Réu jamais pagou o valor do preço para a “venda do imóvel”, mas sim o montante convencionado com o Recorrente para garantir o empréstimo efectuado ao pai do Recorrente, e, tão só até ao retorno do bem à sua esfera patrimonial.

  5. Estamos, Venerandos Conselheiros, perante um negócio complexo em que um mútuo motiva os restantes termos do negócio que estão amalgamados a este e que motivaram a outorga da dita escritura, não podendo colher a nível de direito, perante tudo o já alegado, a conclusão da literalidade do artigo 1410º do Código Civil pois a temporalidade limitada da fidúcia não o permitiria, pois certamente a Recorrida pretende a transferência de propriedade sem prazo.

  6. Venerandos Conselheiros continuamos, na nossa modesta opinião, convictos que se algum direito assistisse à Recorrida sempre existiria um abuso de direito a mesma exerceria sempre de modo anormal um direito próprio violando a sua afectação substancial, funcional e teleológica, contrariando o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito; 22. a) Por um lado, porque a Recorrida tinha conhecimento que o imóvel tem um valor superior a 30.000,00 euros. (Cf. 14 factos provados), aliás cerca de quatro anos antes da escritura ora em causa não quis preferir por 100.000,00 € (Cf. 9 factos provados), um imóvel cujo valor de mercado é de 118.000,00 € (n.º 7 e 13 da fundamentação de facto) e o valor tributário é de 82.000,00 € ; b) Por outro lado, continua, até à data, a pagar a renda ao Recorrente (Cf. 20 factos provados); e não pretende preferir senão pela quantia dos 30.000,00€ vertidos na escritura, factualidade muito vantajosa para a mesma, aproveitando o negócio do Recorrente que, apenas, garante um empréstimo.

  7. A existir o direito na esfera da Recorrida esta estará a abusar do mesmo, e o abuso do direito equivalerá à falta do direito, obtendo-se assim os efeitos que se produziriam se alguém praticasse um acto que não pode realizar, pois excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social ou económico desse direito.

  8. Mais que não fosse, cremos que a proceder a dita Preferência sempre se verificaria uma vantagem de carácter patrimonial na esfera da Recorrida que se quantificaria entre o...

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