Acórdão nº 1373/06.7TBFLG.G1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Cíveis do STJ: Relatório Em 15/05/2006 AA, Lda intentou contra o Estado português, BB, Lda, CC e DD, acção de condenação, com processo ordinário, pedindo: a) o reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre ambos os prédios rústicos que identifica na petição inicial, afirmando ser a possuidora de forma pública e pacífica da propriedade murada que integra os referidos prédios desde 1998; b) a declaração de que o artigo 1408 urbano do ... constitui uma duplicação do artigo 1002 de ... e que a habitação ali referida se situa totalmente na freguesia de ..., ...; c) a declaração de que a Ré “BB” nunca possuiu o que quer que fosse da propriedade referida e que a descrição predial 620 de ... provém de terrenos anteriormente pertencentes a EE ou FF; d) que fosse reconhecido que da propriedade em causa o mencionado EE apenas foi proprietário da parcela referida no artigo 37 e, consequentemente, caso se entenda que o prédio descrito sob o artigo 620 do ... compreende parte da propriedade em causa e caso se entenda que a Ré “BB” adquiriu essa parcela, se reconheça que da referida parcela o terceiro Réu apenas comprou a parcela do artigo 37; e) que fossem os Réus condenados a absterem-se de praticar qualquer acto que perturbe a posse da Autora sobre a propriedade murada identificada, sob pena de multa, e mantida a Autora na posse da mesma ou subsidiariamente com a exclusão da parcela 37; f) que fosse ordenado o cancelamento do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial em 01.03.2012, apresentação 366, sobre a ficha de ....

Os Réus contestaram.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada, tendo os Réus sido absolvidos do pedido.

Inconformada a Autora recorreu.

O Tribunal da Relação negou provimento à apelação, tendo confimado a sentença apelada.

Novamente inconformada a Autora interpôs recurso de revista a 07/03/2014, tendo a revista sido negada pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão proferido a 11/09/2014.

AA, Lda, interpôs então, nos termos dos artigos 688.º e seguintes do Código do Processo Civil, recurso para uniformização de jurisprudência quanto à questão jurídica que identifica como sendo a seguinte: “perante o caso de duplicação de descrições prediais e linhas de registo incompatíveis, qual o valor a atribuir o registo derivado do acto mais antigo?” (artigo 10.º do Recurso).

Para o efeito invocou uma oposição de julgados entre o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2012, no processo n.º 67/07.0TBCRZ.P1.S1 (doravante designado Acórdão fundamento) e o Acórdão recorrido no âmbito deste processo proferido, como já se referiu, a 11/09/2014.

O Ministério Público não respondeu ao Recurso.

O Recurso agora apresentado apresenta as seguintes conclusões: “I. – O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em oposição com o acórdão do STJ de 23/02/2012, no processo n.º 67/07.0TBCRZ.P1.S1; II. Sendo adoptada a tese do Acórdão fundamento a acção teria de proceder.

  1. Encontrando-se um prédio duplamente descrito na Conservatória do Registo Predial com inscrições a favor dos AA. e dos RR., verifica-se haver uma concorrência de presunções derivadas do registo, devendo neste caso, prevalecer a que derivar do acto de registo mais antigo, valendo para o efeito a data de apresentação a registo, ou tendo a mesma data o respectivo número de ordem.

  2. A resposta à questão da duplicação das descrições prediais e resolução dos registos incompatíveis está nos artigos 6.º n.º 1 e 34.º do Código do Registo Predial.

  3. Do parecer do Conselho Técnico do Instituto dos Registos e Notariado Conselho Técnico do Registo Predial [sic] de 16/11/2011, invocado no Acórdão recorrido, colhe-se de fundamental a questão da incompetência dos conservadores do registo predial, ao contrário dos juízes, para, sem intervenção dos interessados ou decisão judicial, procederem à anulação da segunda descrição criada e respectivo trato sucessivo, uma vez constatada a duplicação e a preocupação com a aberração jurídica e negação da essência do sistema registo predial que a duplicação de descrições com traços sucessivos incompatíveis traduz e a que o acórdão recorrido não dá a melhor resposta.

  4. O acórdão recorrido, tal como aqueles que o antecedem no mesmo sentido, perante a situação de duplicação de descrições prediais entende implicitamente não haver previsão legal e não integra a lacuna que implicitamente entende existir da forma mais consentânea com o comando do artigo 10.º do Código Civil, pois a regra construída em face daquela entendida imprevisão legal é a da desconsideração dos efeitos de um registo pela superveniência de outro noutra linha de registo anormalmente construída.

  5. A norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, não seria a de atribuição de igual valor a ambos os registos, pois a referida regra põe em causa a essência do sistema do registo predial, ao desconsiderar toda uma linha de registo e todo o trabalho jurídico na sua construção, muitas vezes centenário, pelo simples facto de quase cem anos depois, ter sido aberta uma nova linha duplicada.

  6. Viola assim com o devido respeito, no nosso entendimento, o acórdão recorrido o disposto no artigo 6.º n.º 1 e 34.º do Código do Registo Predial e 10.º do Código Civil.

  7. Ao contrário a tese do acórdão fundamento não entende haver lacuna e resolve a questão por aplicação pura, literal e simples do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Registo Predial.

  8. Tem fundamento legal que resulta da expressão clara do artigo 6.º do Código do Registo Predial, plausível, tendo em conta a segurança jurídica que o sistema de registo predial pretende conferir ao atribuir ao primeiro titular o respectivo direito.

  9. Dever-se-á contudo ir um pouco mais longe e considerar a antiguidade do trato sucessivo, fazendo prevalecer o trato sucessivo mais antigo e não simplesmente a inscrição de aquisição mais antiga, numa conjugação do disposto no artigo 34.º com o artigo 6.º n.º 1 do Código do Registo Predial.

Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso, fixando-se jurisprudência Uniforme, de acordo com as conclusões e fundamentos propostos ou outros que melhor se entendam, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a acção”.

Defende-se, por conseguinte, a prevalência da linha de trato sucessivo mais antiga sobre a posterior “que deve ser anulada” (artigo 29.º do Recurso), por aplicação dos artigos 6.º n.º 1 e artigo 34.º do Código do Registo Predial.

Em conformidade com o disposto no artigo 692.º n.º 1 do Código do Processo Civil o recurso para uniformização de jurisprudência foi aceite, com efeito meramente devolutivo, a 30/04/2015.

Fundamentação

  1. De Facto: Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada: 1.1. – Encontra-se inscrito sob o artigo 1022 da matriz predial urbana da freguesia de ..., ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 11/140585, o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, com a superfície coberta de 450 m2, terraço com a área de 90m2, arrumos com a área de 110 m2 e quintal com 1.550 m2, sito no lugar do ..., mostrando-se a respectiva aquisição a favor da Autora AA, Lda, registada provisoriamente a 14/5/1998, tendo o registo sido convertido em definitivo a 7/7/1998; 1.2. Encontra-se inscrito sob o artigo 359 da matriz predial rústica da freguesia de ..., ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., o prédio rústico sito no lugar do ..., com 4.850 m2, mostrando-se a respectiva aquisição a favor da Autora AA, Lda, registada provisoriamente a 14/5/1998, tendo o registo sido convertido em definitivo a 7/7/1998; 1.3. Encontra-se descrito sob a ficha n.º ..., na Conservatória do Registo Predial de ..., o prédio misto composto de edifício de rés-do-chão e andar, com anexo, com a área coberta de 549,50 m2 e descoberta de 4.450 m2 e terreno a mato com 20.600 m2, mostrando-se a respectiva aquisição registada – desde 25/10/2000 – a favor da Ré BB – , Lda, conforme certidão de fls 44 a 46 que aqui se dá por reproduzida; 1.4. No dia 12 de Abril de 2006, no Âmbito da execução fiscal n.º 179120040101727, em que é executada a Ré “BB”, o Estado Português, por intermédio do serviço de finanças de ..., procedeu à venda, mediante propostas em carta fechada, do prédio misto sito no lugar de ..., freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1048, com a área coberta de 549,50 m2 e oito divisões assoalhadas, uma cozinha, quatro casas de banho, três corredores, três despensas, cinco varandas, anexo destinado a garagem, e logradouro, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1088, sendo o terreno a mato com a área de 20.600 m2, a confrontar do Norte com caminho público, Sul e Poente com “BB, Lda”, Nascente com limite do Concelho e AA, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., ao terceiro Réu, que procedeu ao depósito do preço em 26 de Abril de 2006: 1.5. Por escritura de compra e venda celebrada em 3 de Agosto de 2000, no Cartório Notarial de ..., GG, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade anónima HH, SA SA, declarou vender e II, na qualidade de sócio gerente da BB, Lda, declarou comprar pelo preço de 25.000.000$00, um terreno sito no lugar do ..., freguesia de ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...: 1.6. Os prédios identificados em 1.1 e 1.2 são contíguos entre si e integram uma propriedade mirada que confronta, além do mais, com caminho público, situando-se a casa de habitação na zona Norte dessa propriedade; 1.7. Em 15.05.1998 foi celebrada escritura pública referente aos prédios identificados em 2.1 e 2.2 em que interveio GG, na qualidade de único gerente e em representação de “GG, Lda”, na qualidade de administrador único e em representação de “HH, SA, SA” e na qualidade de...

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