Acórdão nº 9127/2007-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Dezembro de 2007

Data11 Dezembro 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO PENAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I-RELATÓRIO 1.1- Na 2ª Secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, foi proferido despacho, em 14.05.2007, declarando extinto o procedimento criminal, com base no entendimento de que a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal e em contrário do que se estabelecera no Ac do STJ de fixação de jurisprudência nº 10/2000- sob pena de violação do artº 29º nºs 1 e 3 da CRP. No sobredito despacho seguiu-se a tese defendida no Ac 110/2007 do Tribunal Constitucional, onde se entendeu que a posição defendida naquele Ac. nº 10/2000 do STJ era inconstitucional ao interpretar as normas dos artº 119º nº 1 al. a) do CP e do artº 336º nº 1 do CPP, ambos na versão originária (CP de 1982 e CPP de 1987), defendendo que a dita declaração constituía causa da aludida suspensão do procedimento criminal.

1.2- Vejamos o conteúdo do mencionado despacho: ""1. O Arguido (A) encontra-se acusado da prática, em 18.01.1991 de um crime de furto qualificado p. e. p. pelo art.º 296.º, 297.º/2 al. a) e c) e 298º do Código Penal na sua versão original de 1982, hoje p. e. p. nos art.º 203.º, 204.º/1 al. f) e 202º do Código Penal actual.

2. Conforme promovido, entendemos que se justifica, suscitar a questão da prescrição do procedimento criminal.

Até ao momento, e por força da aplicação da interpretação fixada no Assento do STJ 10/2000 de 19.10.2000 (in D.R. I-A, 10.11.2000) não foi decidido julgar o procedimento criminal prescrito. Este assento, actualmente definido como Acórdão de Fixação de Jurisprudência, e por força do art.º 445.º/3 do Código de Processo Penal, não constitui jurisprudência obrigatória, mas os Tribunais deverão seguir o seu entendimento a menos que logrem fundamentar as divergências relativamente àquela jurisprudência. Aliás, decidindo de forma divergente, impõe-se recurso obrigatório (art.º 446.º do Código de Processo Penal), sendo certo que deste preceito se retira que a alteração dessa jurisprudência uniforme depende do entendimento pelo STJ de que estará ultrapassada.

O Assento aplicado data de Outubro de 2000, ou seja, tem apenas seis anos e meio, não tendo ocorrido alteração legislativa entretanto no âmbito das normas aplicadas. Assim, à partida, não se afigurava como ultrapassada a jurisprudência fixada.

Porém, actualmente o panorama alterou-se com o Acórdão do Tribunal Constitucional 110/2007 de 15.02.2007 (D.R. 2.ª Série, 20.03.2007) no qual, e num caso concreto, foi declarada a inconstitucionalidade da interpretação seguida no citado assento.

3. A questão que se coloca agora, é a de saber se há fundamento para não seguir a jurisprudência do Assento do STJ 10/2000 de 19.10.2000 e, se assim for, se está prescrito o procedimento criminal nestes autos.

Tal Assento determina que «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.» Estamos, pois, a navegar nas águas da prescrição do procedimento criminal, o qual sofreu alterações desde a prática dos factos até ao presente considerando a entrada em vigor da Lei nº 65/98 que procedeu a alterações ao Código Penal.

Estando o decurso do prazo para prescrição abrangido por uma situação de sucessão de leis no tempo, e atendendo aos efeitos substantivos inerentes, e reconhecidos, das normas prescricionais, há que aplicar o regime que, em concreto, se verificar ser o mais favorável ao arguido (art.º. 2º/4 do Código Penal).

Na anterior versão do Código Penal (1982) não havia qualquer referência à contumácia, posto que este instituto apenas "nasceu" com o Código de Processo Penal na sua versão de 1987. Procurando obviar ao desencontro vivido desde a entrada em vigor desse Código de Processo Penal 1987 e as alterações ao Código Penal em 1998, altura em que passou a constar deste código a referência à contumácia como causa de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, foi proferido o referido Assento, cuja fundamentação, por ser pública e não se justificar para o presente despacho, nos autorizamos a dar como reproduzida.

Vem agora o Tribunal Constitucional, e apenas em sede de fiscalização concreta, ou seja, sem força obrigatória geral, «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.°s 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia».

A fundamentação deste acórdão é extensa e encontra-se devidamente publicitada com a publicação em Diário da República conforme acima enunciámos. Sem escamotear todos os demais argumentos, especial relevo deixamos à consideração de que «Não podia, pois, entender-se que a previsão de "suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido", como efeito da declaração de contumácia, incluía, como seu sentido comum e literal, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, a qual começava a correr antes do processo e podia não ser afectada por uma sua suspensão. Tal interpretação, implicando uma "interpretação "criadora", que no caso foi tornada indispensável pela falta de adequada previsão legal inequívoca" (expressão do citado Acórdão n.º 285/99), é, nesta medida, incompatível com a Constituição, pois viola o princípio da legalidade a que está também sujeita a definição das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal».

Com efeito, a interpretação sustentada no Assento em apreço, alarga o entendimento dos termos definidos na lei de forma a abranger um instituto sem qualquer paralelo à data da criação dessa mesma lei, alargando dessa forma os prazos de prescrição, em nítido desfavor do Arguido, com referência aos efeitos substantivos do instituto prescricional.

Pelo exposto, e reportando-nos à fundamentação do acórdão do Tribunal Constitucional, também nós entendemos que o Assento 10/2000 está ferido de inconstitucionalidade e, dessa forma, neste momento em que se impõe, por impulso do Arguido, reapreciar da prescrição do procedimento criminal, decidimos não aplicar o citado Assento, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

4. Após o exposto, olhemos então aos factos.

O crime pelo qual se encontra o Arguido acusado tem uma pena abstracta máxima de 10 anos de prisão, pela lei antiga, e de 5 anos de prisão pela lei nova (cfr. artigos e diplomas já citados). Apesar de diferente o limite máximo da pena aplicável em ambas as versões da lei, o prazo prescricional é o mesmo (art.º 117.º al. b) do Código Penal 82; art.º 118.º al. b) do Código Penal actual).

Ora, nos presentes autos o arguido nunca esteve preso ou abrangido por qualquer das situações previstas nos artigos 119º e 120º do Código Penal 82, i.e.

, não se verificam quaisquer circunstâncias capazes de interromper ou suspender o decurso do prazo prescricional, excepto o primeiro interrogatório de dia 18.06.1991 (fls. 6).

A situação seria diferente com a aplicação do Código Penal 95, uma vez que por serem outras as circunstâncias interruptivas e suspensivas do decurso do prazo prescricional, teria que ser tida em conta a declaração de contumácia. Porém, como já referimos, o princípio de aplicação da lei mais favorável no tempo importa que apliquemos, in casu, o regime do Código Penal 82.

Por termos afastado a interpretação do Assento 10/2000, não há lugar ao entendimento de que a contumácia suspende o decurso do prazo prescricional.

Assim, considerando a data da prática dos factos, julgamos prescrito o presente procedimento criminal movido contra o Arguido (A).

Consequentemente, importa declarar cessada a contumácia e todos os seus efeitos.

5. Nestes termos, e face ao exposto decido: a) julgar prescrito o presente procedimento criminal (Nuipc 624/95.6 TCLSB) movido contra o Arguido (A), e consequentemente declaro-o extinto; b) declarar cessada a contumácia imposta ao Arguido e todos os seus efeitos.

Notifique e publicite." 1.3- Deste despacho judicial o MºPº recorreu "obrigatoriamente", nos termos do artº 446 nº1 do CPP, directamente para o STJ, defendendo que nele se foi contra a jurisprudência obrigatória do Assento nº 10/2000. Porém, o STJ entendeu que a via de impugnação própria seria a do recurso ordinário, enquanto estivesse em prazo, como estaria em concreto. E, em consonância com tal entendimento, remeteu a questão para análise neste Tribunal da Relação.

1.4- Defendeu o MºPº no recurso interposto: 1) "O arguido (A) cometeu crime consumado em 18/6/91, foi ouvido como arguido em 18/6/91, não tendo sido notificado posteriormente por ser desconhecido o seu paradeiro, inexistem outras causas de suspensão e interrupção da prescrição (artigos 119º e 120º do CP de 1982), aplicando-se o regime do CP de 1982 por ser o mais favorável, verifica-se que o procedimento criminal já prescreveu.

2) A prescrição não foi todavia declarada na referida data por se ter tido em consideração que tendo o arguido sido declarado contumaz a referida prescrição estava suspensa em conformidade com o Assento 10/2000 do STJ, DR 1ª Série A de 10/11/2000.

3) No referido Assento foi fixada Jurisprudência no sentido de "no domínio da vigência do CP de 1982 e CPP de 1987 a declaração de contumácia constitui causa de suspensão do procedimento criminal".

4) O Acórdão...

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