Acórdão nº 1358/08.9TBILH.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2012
Data | 31 Janeiro 2012 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC e mulher, DD e EE propuseram uma acção contra E... – Empresa Turística Farol da Praia da Barra, SA, FF e GG, casada no regime de comunhão de adquiridos com HH, pedindo a condenação no pagamento da quantia de € 194.182,00, com juros a contar da data da citação.
Para o efeito, e em síntese, alegaram: – ter sido celebrado em 12 de Outubro de 1982 um contrato mediante o qual a primeira ré se comprometeu a vender ao primeiro autor determinados lotes de terreno, pertencentes à urbanização Senhora das Areias, pelo preço de 2.547.000$00; esses lotes resultariam do loteamento de um conjunto de prédios identificados nos autos, estando então pendente na Câmara Municipal de Aveiro o correspondente processo de autorização, com o nº 281/76 (posteriormente reformulado, passando a ter o nº 257/92); – que, com a celebração do contrato-promessa, o primeiro autor entregou à primeira ré, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.290.000$00 (€ 11.422,47); – que ficou acordado que a escritura de venda seria efectuada logo que a ré obtivesse autorização para o loteamento; – que, todavia, aquele conjunto de prédios veio a ser vendido em 2 de Outubro de 2000 a C...M... – Ovar, Sociedade de Construções, SA, sociedade à qual a primeira ré cedeu “o projecto de loteamento e a posição de requerente no processo de loteamento dos mesmos prédios”; – que, não obstante ter sido autorizado o loteamento em 24 de Julho de 2003, não foram realizadas as correspondentes obras de infra-estruturas e que, em 25 de Junho de 2008, o segundo réu desistiu expressamente do loteamento, declarando aceitar a caducidade do alvará; – que se tornou então impossível cumprir o contrato-promessa, por culpa exclusiva da ré E..., situação inesperada porque a mesma ré vinha reiterando a intenção de vender os lotes ao primeiro autor; – assim sucedera, nomeadamente, por contrato de 16 de Janeiro de 1996 [sic], no qual o segundo réu e II, sócio da ré E..., se constituíram fiadores “quanto ao cumprimento” da obrigação da mesma ré; – que “o compromisso de cumprimento do contrato prometido sempre lhes foi reiterado pelo 2º réu e antecessor da terceira, II”; – que o valor actualizado do sinal é de € 194.182,00; – que “os quatro lotes que a 1ª ré se obrigou a vender-lhes fariam ingressar no seu património seguramente mais do que € 300.000,00”; – que, tendo em conta o valor actual dos bens, “a restituição em dobro do valor nominal do sinal seria um prémio à faltosa, dado o tempo entretanto decorrido”, traduzindo-se em abuso do direito “fundado na regra do artº 442º, nº 2 do Código Civil”, nos termos do artigo 334º do Código Civil; – que, por isso, deve antes ser-lhes ser atribuída uma “indemnização correspondente ao valor dos lotes em causa, à altura do incumprimento [em 25/6/2008], ou, pelo menos, ao valor actualizado do sinal em dobro – artigos 566º, nº 2 e 798º do Código Civil”.
A ré E... contestou, impugnando grande parte dos factos alegados. Sustentou, por entre o mais, que “a outorga da escritura (…) pressupunha, nos termos ajustados” no âmbito do contrato-promessa, “a prévia emissão do alvará de loteamento, com prévia aprovação do projecto de loteamento e execução das inerentes infra-estruturas”. Negou que o processo de loteamento nº 257/92 correspondesse a uma reformulação do processo nº 281/76 (que foi indeferido), sendo “novo, absolutamente diferente, nomeadamente no que à composição dos lotes aí projectados se refere”, bem como ter havido incumprimento da sua parte. Afirmou que, de qualquer modo, só “haveria lugar ao pagamento desse sinal em dobro” e que o autor AA era seu sócio em Junho de 1998 e tivera conhecimento, em 2000, da venda à sociedade C...M... – Ovar, Sociedade de Construções, SA.
Também contestaram, em conjunto, FF e GG. Impugnaram matéria de facto e sustentaram, nomeadamente, que o autor AA tinha total conhecimento das dificuldades de aprovação do projecto de loteamento iniciado em 1976; que o indeferimento se ficou a dever a “diversas razões, entre as quais a criação da reserva agrícola em São Jacinto (que confronta com os prédios que à data eram daquela ré E...), [e às] profundas alterações legislativas referentes ao ordenamento do território (…)”; que o segundo projecto era muito diferente do primeiro e que, quando ocorreu a referida caducidade, em 2008, a E... já não era proprietária dos prédios; que AA e sua mulher sabiam, desde 2000, que esta ré “não podia cumprir o contrato promessa de compra e venda”; que, então, o réu FF e o pai da ré GG se dispuseram a entregar o dobro do sinal pago, o que o autor AA e mulher recusaram; que, quando AA celebrou o contrato-promessa dos autos, “todos os demais sócios” da ré E...
“o fizeram, também prometendo adquirir lotes (…) e procedendo ao pagamento, a título de sinal, da maior parte dos respectivos preços, o que visou obter meios de financiamento daquela ré para prosseguir a sua actividade”; que nunca o autor sequer ameaçou “accionar os mecanismos legais existentes que lhe permitissem colocar a ré E... numa situação de incumprimento que evitasse, ou pelo menos atenuasse, os efeitos da erosão monetária que (…) 26 anos decorridos, invoca”.
Discordaram ainda da pretensão indemnizatória e da alegação de abuso de direito, observando ser aliás contraditório que o abuso fosse invocado justamente por quem veio exercer o direito em causa (o direito à restituição do sinal em dobro).
Os autores replicaram.
Pela sentença de fls. 146, a acção foi julgada nestes termos: «Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-se os RR. do demais peticionado, condenam-se estes a pagar aos AA. a quantia de € 22.844,93, acrescida de juros de mora, às referidas taxas legais, desde 2.10.00 e até integral pagamento.
A responsabilidade dos 2º e 3º RR é acessória, como fiadores, sendo a responsabilidade da 3ª Ré, como sucessora de II, limitada ao valor dos bens eventualmente deixados por aquele».
Em síntese, a sentença considerou que, ao vender os imóveis a terceiros, a ré E... tornara impossível o cumprimento do contrato-promessa celebrado em Outubro de 1982; que, nada tendo sido acordado diferentemente, o não cumprimento do contrato apenas implicava a condenação no pagamento do sinal em dobro (4.580.000$00, ou seja, € 22.844,93); que o princípio nominalista impedia a actualização dessa quantia; mas que eram devidos juros de mora desde o incumprimento, ou seja, desde 2 de Outubro de 2000.
2. Autores e réus recorreram.
Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 203, foram julgados totalmente improcedente o recurso dos autores e procedentes os dos réus.
Considerando terem sido infringidos os limites fixados pelo nº 1 do artigo 661º do Código de Processo Civil, a Relação alterou a sentença apenas “na parte respeitante aos juros de mora, que se contarão desde a citação, até integral pagamento”, mantendo-a quanto ao mais.
3. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões: «I - No caso vertente, a simples aplicação da 1ª parte do n° 2 do art° 442° do C. Civil, retirou por completo a função penintencial que o legislador, segundo a doutrina e a jurisprudência, quis atribuir ao sinal, e constitui um elevado prémio para o faltoso. Poderá estar cumprida a norma, mas não está realizado o direito.
II - A vertente situação clama por que se invoque o...
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