Acórdão nº 2030/14.6T8BRG.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO 1. AA e mulher BB deduziram ação declarativa contra CC & Filhos, Lda.

, pedindo que se declare que a Ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e venda do lote de terreno identificado em 14.º da petição inicial, que se declare, por sentença, a transmissão do direito de propriedade desse lote de terreno, descrito no registo predial sob o n.º 3…4, …, Barcelos, a favor dos AA. ou, caso assim não se entenda, que se condene a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 102.700,00, a título de sinal em dobro.

Contestou a Ré excecionando a falta de poderes de representação do seu gerente na assinatura do contrato promessa e a falta de recebimento do preço. A título subsidiário, em reconvenção pede que se decida que o contrato promessa de compra e venda não produz qualquer efeito sendo ineficaz relativamente à Ré, uma vez que foi assinado sem poderes de representação para o efeito, e que a Ré não recebeu qualquer montante a título de preço, sendo falsa a declaração de quitação aposta em tal contrato pelo gerente sem poderes de representação, o que determina a sua nulidade.

Replicaram os AA. para manterem o já alegado na petição inicial.

  1. Após audiência prévia, foi sem mais proferido saneador-sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

  2. Tendo sido interposto recurso de apelação por parte dos AA., foi proferido Acórdão pela Relação de …, que anulou a decisão proferida, a fim de ser ampliada a matéria de facto.

  3. Em cumprimento de tal Acórdão, foi definido o objeto do litígio e fixados os temas da prova, após o que teve lugar a audiência de julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.

    5.

    Discordando da sentença, dela interpuseram novo recurso de apelação os AA., o qual, por Acórdão de fls. 366 e ss., foi julgado parcialmente procedente, em consequência revogada a sentença recorrida e condenada a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 102.700,00, a título sinal em dobro.

  4. Irresignada, interpôs a Ré o presente recurso de revista, o qual encerra com as seguintes conclusões: I - QUESTÃO PRÉVIA: DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO 1º - Resulta dos autos como não provado que o preço do prédio objecto do contrato promessa identificado sob o ponto 7 dos factos provados e no montante de € 51 350,00 foi pago. Mais, da matéria de facto dada como provada, não consta como provado que o preço em questão era contrapartida acordada entre as partes aqui em litígio.

    1. - Assim sendo, não há matéria de facto suficiente nos presentes autos de forma para decidir como se decidiu, com a condenação da aqui Recorrente nos termos constantes do mesmo, pelo que, é nulo o douto acórdão proferido por inexistência ou insuficiência da matéria de facto para a prolação da condenação, por força do artigo 682° n.° 3 do C.P.C.

      II - DO RECURSO 3º - A recorrente não se pode conformar com o douto acórdão proferido pelo digníssimo tribunal da Relação o qual decidiu julgar parcialmente procedente a Apelação interposta pelos recorridos e em consequência revogar a douta sentença de primeira instância, condenando a aqui Recorrente a pagar àqueles a quantia de € 102 700,00 – cento e dois mil euros e setecentos euros a título de sinal em dobro, pelo que, não se decidiu bem na aplicação do direito aos factos dados como provados e por isso, há violação de lei substantiva pelo digníssimo tribunal da Relação.

    2. - Desde já salientamos que os factos dados como provados e não provados constantes dos autos não mereceram qualquer censura no acórdão da Relação, sendo certo que a mesma possui diversos poderes para alterar a matéria de facto, ao abrigo do artigo 662 n.º 2 als. a), b), c) e d).

    3. - E por isso, o preço constante do contrato de promessa e compra respeitante ao preço de compra do prédio urbano, lote 24, sito em … ou …, da freguesia de …, Barcelos, não foi pago! Assim sendo, não é possível alegar na fundamentação do acórdão agora em crise um novo facto: que o preço indicado era contrapartida do contrato cessão de quotas celebrado entre o Apelado Marido e o gerente – pessoa singular – da aqui sociedade recorrente, sob pena de violação do principio do dispositivo, previsto no artigo 5º n.º 1 do C.P.C.

    4. - Pelo que, não é possível à douta relação dobrar o sinal e condenar a aqui Recorrente ao pagamento do mesmo. Mais, como não se provou o pagamento do preço, o que podemos afirmar com segurança e certeza é que da parte do Apelado Marido não houve o cumprimento integral da obrigação a que vinculara, pois não depositou o preço estipulado no contrato promessa descrito no ponto 7 dos factos provados.

    5. - Acrescente-se ainda que, a quitação dada no contrato promessa pela aqui Recorrente não faz prova do pagamento, e desde já evidenciamos, por força do Ac. do STJ de 16/10/2008, Processo 08B2668, in www.dgsi.pt que a regra de que o cumprimento, porque extintivo das obrigações (e acrescentamos nós comprovativa das obrigações), há-de ser demonstrado nos termos do artigo 342º do C.C., não decorrendo do documento de quitação, ainda, qualquer presunção legal de cumprimento, inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º, ou constituição de contraprova nos termos do artigo 346º do C.C.

    6. - Para além disso, dispõe ainda o artigo 787º n.º 1 do C.C. que quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquela a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, o que não aconteceu.

    7. - E na linha do raciocínio que vimos a expor, a existir incumprimento, o mesmo existe por parte dos Apelados, que conduz à resolução do contrato por o Apelado Marido não cumprir com a obrigação do pagamento do preço, pois a mesma encontra-se colocada em nexo de reciprocidade com a entrega do bem imóvel – artigo 801º, n.º 2 do C.C.

    8. - E mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe, continua a não ser possível recorrer ao regime do artigo 442º do C.C., pois não há qualquer valor entregue para ser considerado como sinal.

    9. - Acresce ainda que, a sociedade Recorrente é terceira alheia ao negócio de cessão de quotas celebrado entre o Apelado Marido, ex-sócio desta e o gerente da mesma, e o bem imóvel alegadamente negociado entre aquelas partes configura uma venda de bem alheio, alienação que é nula, nos termos dos artigos 939º e 892º do C.C.

    10. - Na verdade, qualquer acordo a ser feito entre as pessoas singulares em questão deveria cingir-se às suas esferas patrimoniais, sujeitos jurídicos distintos da Recorrente que é uma pessoa colectiva com personalidade e capacidade jurídicas próprias.

    11. - Para além disto, decorre ainda da matéria fáctica que os Apelados, o sócio gerente da aqui Recorrente e sua esposa celebraram um contrato para divisão do património da aqui firma Recorrente. Ora, este acordo de partilha foi confessado e reconhecido pelos Apelados na sua p.i., pois estes indicam que conjuntamente com o gerente da aqui Recorrente realizaram um acordo de divisão do património da sociedade Ré.

    12. - No entanto, a partilha do património da sociedade pelos sócios só é possível com a dissolução e liquidação da sociedade comercial – cfr. arts. 141º, 142º, 143º, 146º, 147º, 148º, 154º e 156º do CSC – sendo certo que a mesma continua activa, prosseguindo o seu escopo lucrativo, pelo que, aquele acordo é um acto ilegal.

    13. - Ora, o apelado marido cedeu a sua quota por escritura pública de divisão de quota, cessão, unificação, renúncia e Alteração do pacto social outorgada em 10 de Dezembro de 2012, documento autêntico que faz prova plena dos factos ali corporizados, nos termos do artigo 371º do C.C., e por isso, os Apelados receberam o valor correcto pela cessão e nada mais têm a reclamar nos presentes autos, por força do disposto do citado artigo.

    14. - Querer agora partilhar património, ter o direito a ver declarado o incumprimento por parte da Recorrente e por isso, ser esta condenada ao pagamento do sinal em dobro não é admissível, por força dos artigos 141º e ss. do C.S.C., pois o apelado marido, para conseguir ultrapassar aquela impossibilidade legal de receber como forma de pagamento património da sociedade, recorreu à feitura e à assinatura dos contratos promessa dados como provados nos autos conjuntamente com o gerente da aqui recorrente.

    15. - Nesse molde, ambos não tinham verdadeira intenção de prometer comprar e prometer vender, razão pela qual, não é válido o contrato promessa celebrado no ponto 7 dos factos dados como provados e nessa medida o mesmo não pode ser oponível à aqui Recorrente, pois esta não tinha qualquer intenção de promover a venda do imóvel.

      SEM PRESCINDIR, 18º - É verdade que, o artigo 260º do CSC estipula que os actos praticados pelos gerentes vinculam-na para com terceiros, mas esta vinculação só acontece quando feita em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere. Pelo artigo 246º do CSC, constatamos que há um conjunto de actos que dependem da deliberação dos sócios, e que sem essa deliberação, a sociedade não fica vinculada perante terceiros.

    16. - E um dos actos que depende da deliberação dos sócios em assembleia versa sobre a alienação ou oneração de bens imóveis. – artigo 246º, n.º 2 do CSC.

    17. - Pelo que, se a prática do acto não observar os pressupostos legais – artigo 246º do CSC, aquele acto não vinculará a sociedade, ainda que o terceiro desconhecesse tal condicionalismo, dado que a ignorância da lei não lhe aproveita, conforme podemos assumir pelo seguinte trecho jurisprudencial: “1. A consequência da representação sem poderes, como resulta do disposto no art. 268º, nº. 1, do Cód. Civil, é a de ineficácia em relação à pessoa em nome de quem o negócio é celebrado, a menos que por ela seja ratificado. 2. De acordo com o citado preceito, o negócio que uma pessoa sem poderes de representação celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a esta, se não for por ela ratificado, sendo...

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