Acórdão nº 447/08.4TBCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 17 de Novembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA intentou, na Vara de Competência Mista de Coimbra - 2ª Secção, acção declarativa de condenação com processo ordinário contra BB e CC e mulher DD, pedindo que os réus sejam condenados: a) - A reconhecer que a autora AA e o 1º réu, seu marido, BB são os donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz de S. Paulo de Frades sob o nº0000; b) - Reconhecer que a autora e seu marido adquiriram o prédio em causa por usucapião e o terreno rústico onde o mesmo foi edificado por doação verbal; c) - Reconhecer que o artigo 2041da freguesia de S. Paulo de Frades é um bem comum do casal constituído pela autora e 1º réu, sendo a sua casa de morada de família; d) - A abster-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade pela autora sobre o prédio em causa; e) - Reconhecer que o nome do titular do prédio em causa não está conforme à realidade fáctica e de direito e que o proprietário não é CC e mulher; f) - A colaborar, cooperando com a autora na prática de todos os actos materiais e jurídicos necessários à rectificação do nome do titular na matriz do prédio urbano 0000 da freguesia de S. Paulo de Frades; g) - A proceder à sua inscrição, em nome da autora AA e do réu BB; h) - A colaborar, para que seja efectuado o registo definitivo do prédio em causa na competente Conservatória, a favor da autora e seu marido, por aquisição por usucapião; Alega, como fundamento da sua pretensão, que, sendo casada com o 1º réu e nora dos 2.
os réus, estes últimos decidiram doar-lhes (à autora e 1º réu), ainda que verbalmente, em 1988, um terreno contíguo à respectiva casa de habitação, por forma a que ela e o marido ficassem a viver junto deles.
Nessas condições, logo começaram a praticar no imóvel todos os actos de posse inerentes, limpando-o, cuidando dele, à vista de toda à gente, sem oposição, continuadamente, como se de coisa sua se tratasse.
Nesse terreno, com a ajuda em materiais e mão – de - obra do pai da autora, que é construtor civil, levaram a cabo a edificação de uma moradia, que vieram a ocupar em 1991, cujo projecto encomendaram e custearam.
Essa nova casa foi objecto de inscrição nas Finanças em 22/06/93, como tendo 200 m.
2 de área coberta e 1600 m.
2 de área descoberta, e como estando implantada no prédio inscrito na matriz rústica respectiva sob o artigo 1780; Desde 1991 até à data da acção (2008), sempre a autora e o 1º réu fizeram a manutenção da referida casa, ali habitando, comendo, dormindo e fazendo obras, pagando a água (embora fornecida pelos 2.
os réus) e luz, recebendo visitas, igualmente à vista de todos, sem oposição, continuadamente, como se de coisa sua se tratasse; que só por não ter sido formalizada a doação verbal, essa sua casa ficou inscrita na matriz urbana de S. Paulo de Frades sob o número 0000, aí constando como seu titular, para efeitos fiscais, o 2º réu, marido, CC, apesar de não lhe pertencer, tal como o anterior prédio rústico, como os réus bem sabem.
Entretanto o 1º réu abandonou a autora e o filho do casal, deixando-os sós na casa que construíram, necessitando a autora de regularizar a situação do imóvel na Conservatória e nas Finanças.
Contestaram os 2.
os réus, impugnando no essencial a matéria alegada pela autora e alegando, em síntese, que a edificação levada a cabo por esta e pelo 1º réu não é uma moradia autónoma mas antes uma dependência da casa dos contestantes, cuja construção por eles foi integralmente suportada, sendo que a ocupação da mesma foi por eles meramente consentida, representando um acto de mero favor.
Em reconvenção, pedem que (i) sejam declarados possuidores e proprietários do prédio urbano inscrito na matriz de S. Paulo de Frades sob o nº0000, identificado nos artigos 37 a 45 da contestação; (ii) ser a autora condenada a reconhecer que os réus adquiriram o direito de propriedade sobre o referido prédio por usucapião, e o terreno rústico onde o mesmo foi edificado pela escritura pública de partilha a que aludem; (iii) ser a autora condenada a abster-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade dos réus.
Por seu turno, o 1º réu também contestou, impugnando os factos articulados pela autora e alegando, em síntese, que a construção em questão se tratou de uma ampliação da casa de seus pais, que despenderam diversas quantias na mesma e, se a autora e o réu contestante também o fizeram, foi com o consentimento daqueles, sabendo que a casa era dos 2.
os réus e não um bem comum do casal.
Replicou a autora, sustentando a sua versão de que a casa cuja propriedade pretende ver reconhecida, embora haja sido construída em terreno que pertenceu aos 2.
os réus, é independente da casa destes e não lhes pertence, formando com ela apenas um conjunto de casas geminadas, de tal modo que o terreno que lhes foi doado, sendo parte do artigo rústico 1780, originou o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo 2041, com 200 m.
2 de área coberta e 300 de área descoberta.
Alterando o pedido inicial, passou então a formular o pedido de condenação dos réus: a) – A reconhecer que a autora AA e o 1º réu (seu marido) BB são donos e legítimos possuidores do prédio urbano inscrito na matriz de S. Paulo de Frades sob o nº0000; b) – A reconhecer a existência de dois prédios urbanos com as características de vivendas geminadas, completamente distintos entre si, com composição, áreas e confrontações diferentes; c) – A reconhecer que a autora e seu marido adquiriram o prédio em causa por usucapião e o terreno rústico onde o mesmo foi edificado por doação verbal, prédio que tem a área de cerca de 500 m.
2; d) – A reconhecer que o artigo 2041 da freguesia de S. Paulo de Frades é um bem comum do casal, constituído pela autora e pelo 1º réu, sendo a sua casa de morada de família, e que tem cerca de 200 m.
2 de área coberta e 300 m.
2 de área descoberta; e) – A reconhecer que o nome do titular do prédio em causa não está conforme à realidade fáctica e de direito, reconhecendo que o proprietário não é CC e mulher; f) - A absterem-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade pela autora sobre o prédio em causa; g) - A colaborar, cooperando com a autora, na prática de todos os actos materiais e jurídicos necessários à rectificação do nome, área e confrontações do prédio urbano0000 da freguesia de S. Paulo de Frades, se necessário for, através do recurso à criação de fracções autónomas através da constituição da propriedade horizontal sobre o referido artigo ou sobre artigo a criar de novo, procedendo-se à inscrição do prédio descrito em nome da autora AA e do réu BB; h) - A colaborar, para que seja efectuado o registo definitivo do prédio em causa na competente Conservatória do Registo Predial a favor da autora e marido por aquisição por usucapião; i) - A colaborar e cooperar na prática de todos os actos necessários à legalização do prédio da autora e marido; j) – A condenar os réus, como litigantes de má fé, em multa e indemnização à autora de 5.000 euros, no pagamento de todas as despesas que esta vier a efectuar com o processo, bem como na liquidação integral dos honorários do mandatário e técnicos que intervenham no processo (…).
Os réus treplicaram.
Admitida a reconvenção e alteração do pedido, foi proferida a sentença que (i) julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo os réus do pedido e (ii) julgou a reconvenção parcialmente procedente, (a) declarando os réus CC e mulher proprietários do prédio descrito na matriz sob o artigo 2041 na Conservatória sob o nº 000, e (b) condenando a autora AA a tal reconhecer e bem assim a abster-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade pelos réus sobre o prédio em causa.
Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2011, julgou a acção parcialmente procedente, no que concerne aos pedidos constantes das alíneas a), c), d) e f), condenando os réus a reconhecerem que a autora e o 1º réu são donos, por a haverem adquirido por usucapião, de parte do prédio inscrito na matriz urbana de S. Paulo de Frades, Coimbra, sob o artigo 2041, parte correspondente a uma edificação implantada em 137 m.
2, com a descrição constante do n.º 50 dos factos provados, absolvendo-os de todo o demais peticionado; e julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a autora do respectivo pedido.
Inconformados, recorreram os réus para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª - Os recorrentes consideram ter havido erro de aplicação e de determinação de normas legais aplicáveis e por isso o presente recurso nos termos do artigo 722º do Código de Processo Civil; 2ª - Impunha-se que as duas instâncias aplicassem as normas correctas da usucapião e do registo aos factos dados como provados, tal não foi feito, e se, no que toca à decisão da 1ª instância, tal erro não afectou os ora recorrentes, tal não se pode dizer da decisão recorrida e impugnada neste recurso.
-
-Pretendendo a autora ver-lhe reconhecido o direito de propriedade sobre a edificação mais recente identificada nos autos, não pode para tal aquisição considerar-se em face da lei como possuidora de boa-fé nos termos do artigo 1260º do Código Civil.
-
- Com efeito, para adquirir o pretendido direito de propriedade, a autora sabia que a posse, que alega, teria de excluir o direito de propriedade dos recorrentes sobre a edificação mais recente, em termos de poder alegar que tal posse se manifestou por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, conflituando com a posse dos recorrentes e excluindo a destes nos termos do artigo 1251º do Código Civil, o que não foi o caso.
-
- E, no caso vertido, não foi o caso, porquanto, como resultou provado, os recorrentes nunca perderam a posse sobre a edificação mais recente, porquanto nela tinham de passar...
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