Acórdão nº 76/09.0PBPTG.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Novembro de 2011
Magistrado Responsável | JOÃO MANUEL MONTEIRO AMARO |
Data da Resolução | 15 de Novembro de 2011 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.
Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 79/09.0PBPTG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Portalegre, em que é arguido AV, por sentença, datada de 05-04-2011, foi decidido seguintes termos: “- Condenar o arguido AV pela prática, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e155º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa por cada um, à razão diária de € 7 (sete euros); - Condenar o arguido AV pela prática, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190º, nº 2 do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa por cada um, à razão diária de € 7 (sete euros); - Condenar o arguido AV, em cúmulo jurídico, pela prática, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1 e155º, nº 1, al. a) do Código Penal e de dois crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190º, nº 2 do Código Penal, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 7 (sete euros), o que perfaz a multa de € 1050 (mil e cinquenta euros); - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante FV e, em consequência, condenar o demandado AV a pagar ao demandante a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros), a título de danos não patrimoniais; - Julgar parcialmente improcedente o pedido de indemnização civil e, consequentemente, absolver o demandado do pagamento da restante quantia peticionada; - Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se aquelas em 2 (duas) U.C. e fixando-se a procuradoria em 1/4 – artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigos 82.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, al. b), 89.º, n.º 1, al. e) e 95.º, n.ºs 1 e 2 parte inicial, do Código das Custas Judiciais; - Condenar o arguido no pagamento de 1% da taxa de justiça fixada, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 3 do D.L. n.º 423/91 de 30 de Outubro; - Condenar o demandante e o demandado civis no pagamento das custas cíveis, na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal”.
Inconformado, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes conclusões: 1ª - Com excepção dos queixosos, nenhuma das outras testemunhas indicadas pela acusação presenciou os factos imputados ao arguido.
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- Assim sendo, e face à inexistência de outras provas, designadamente documentais, o tribunal não podia dar como provados os factos 1, 2 e 3 da matéria de facto provada.
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- O depoimento da ofendida RV não foi credível e foi contraditório com o depoimento do ofendido FV.
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- Os factos nºs 4, 5 e 7 da matéria de facto dada como provada não têm qualquer suporte na prova produzida.
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- Do facto provado nº 8 o tribunal, ao abrigo do princípio in dubio pro reo, devia ter concluído que o arguido não estava no seu estado normal, e, em consequência, não podia ter dado como provado que o arguido agiu livre e conscientemente e com intenção de amedrontar quem quer que fosse (e/ou de perturbar a sua vida privada).
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- Nenhuma prova se fez sobre o medo com que os ofendidos passaram a viver, ou que tenham temido pela sua segurança pessoal.
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- Quanto ao crime de perturbação da vida privada, e sabendo o ofendido que era o arguido quem lhe estava a ligar (via telemóvel), não se entende por que razão não desligou o telemóvel.
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- Ocorreu, por tudo isso, erro notório na apreciação da prova, e violação do princípio in dubio pro reo.
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- De igual modo, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que a prova produzida é insuficiente para a condenação do arguido.
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- Vistas as expressões imputadas ao arguido, e face à relação existente entre arguido e ofendido, as mesmas não podiam (nem podem) considerar-se adequadas a intimidar ou inquietar o ofendido, sendo expressões típicas de situações de conflito e discussão, não possuindo qualquer carga ameaçadora séria e credível.
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- Aliás, o ofendido nunca foi vítima de qualquer conduta do arguido com características semelhantes às do tipo das ameaças imputadas ao arguido.
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- O elemento subjectivo do crime de ameaça também não pode considerar-se verificado, pois não pode considerar-se provado que o arguido tenha representado sequer a possibilidade de o ofendido acreditar que, em momento posterior, o arguido o fosse matar ou agredir, conformando-se com essa eventualidade.
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- Perante o exposto, o arguido não praticou nenhum dos crimes pelos quais foi condenado, devendo reapreciar-se a prova gravada no que respeita aos depoimentos dos ofendidos e de todas as testemunhas.
O Ministério Público e o demandante FV responderam ao recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.
Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, a fls. 517, no sentido de o recurso dever improceder.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
1 - Delimitação do objecto do recurso.
Tendo em conta as conclusões acima enunciadas, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma a questão que vem suscitada no presente recurso: a fixação da matéria de facto.
2 - A decisão recorrida.
A sentença recorrida (quanto aos factos, provados e não provados, e à motivação da decisão fáctica) é do seguinte teor: “III. FUNDAMENTAÇÃO 1. DE FACTO: 1.1. Factos Provados: Da instrução e discussão da causa, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos: 1. Na madrugada do dia 5 de Abril de 2009, por volta das 5 horas e 20 minutos, quando FV, se encontrava na sua residência na rua MC, em Portalegre, o arguido telefonou para o telemóvel daquele dizendo-lhe: “dentro de poucos dias vou matar-te, falta já pouco tempo".
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Após este contacto e até cerca das 6 horas, com intervalos de cerca de dez minutos, o arguido ligou para o mesmo telemóvel de FV, o qual, apercebendo-se que era o arguido, não voltou a atender.
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Todavia, como os telefonemas persistissem, a esposa do F acabou por atender, tendo-lhe o mesmo dito: "vou matá-los a todos, vou acabar com vocês todos, já faltam poucos dias”.
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Tais comportamentos do arguido, causaram medo a FV e a RV, pois temeram que o arguido pudesse efectivamente fazer-lhes mal, já que existe um litígio sobre uma obra inacabada por parte do arguido pertencente ao filho de ambos.
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Além disso, a hora a que os contactos foram efectuados e a reiteração dos mesmos, perturbaram a paz e o sossego de FV e RV.
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Agiu o arguido livre e conscientemente, no intuito de infundir medo a FV e a RV e de lhe prejudicar a liberdade de determinação, bem como de perturbar a sua vida privada, paz e sossego.
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Desde então o ofendido e a sua família vivem amedrontados pela situação provocada pelo arguido, temendo pela sua segurança pessoal, devido às ameaças de morte.
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Na madrugada referida em 1. o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade não concretamente apurada, num bar em Portalegre, onde esteve numa festa com a sua mulher e com amigos.
Mais se provou que: 9. O arguido é empresário em nome individual no ramo da construção civil, possuindo 2 trabalhadores por sua conta e auferindo um salário mensal próximo dos € 500.
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Vive com a sua mulher, que aufere uma bolsa de formação no valor de €400/500 e com a filha do casal de 9 anos de idade.
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O arguido encontra-se a pagar uma prestação mensal de cerca de € 300, a título de amortização do empréstimo que contraiu para aquisição da casa onde habita.
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O arguido não tem antecedentes criminais.
1.2. Factos Não Provados: 1. No 1º Juízo do Tribunal de Portalegre corre termos o processo nº 877/08.ITBPTG que melhor retrata o contencioso que existe entre o arguido e FV e LV, filha e nora do queixoso.
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Estes mantêm com o arguido, desde muito antes de 4/5 de Abril de 2009 uma dívida de valor elevado emergente desse contrato de empreitada.
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Quem sempre tratou directamente com o arguido das questões relacionadas com a execução da obra e com os pagamentos, foi o queixoso, ainda que em representação do seu filho e nora.
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O arguido nasceu de uma família pobre e humilde.
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É um modesto empreiteiro da construção civil e executa trabalhos com alguns assalariados.
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Tem como únicas fontes de rendimento as proporcionadas pela sua actividade.
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O litígio com o filho e nora do queixoso e, reflexamente com este, como a dívida que estes com ele mantêm, tem causado ao arguido graves prejuízos, transtornos, acentuada perturbação emocional, angústia e grande preocupação.
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O arguido soube no dia seguinte à madrugada dos factos, por sua mulher, que durante a madrugada e quando já estava muito etilizado, utilizou por várias vezes o telefone e que em algumas delas proferiu frases disparatadas.
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O arguido não tem memória nem consciência do que disse, nem das pessoas com quem falou.
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O arguido confirmou depois ter ligado para o nº de telefone do queixoso, que tinha gravado na sua agenda de telefone com...
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