Acórdão n.º 381/2006, de 16 de Agosto de 2006

Acórdáo n.o 381/2006

Processo n.o 299/2006

Acordam na 3.a Secçáo do Tribunal Constitucional:

I- Relatório - 1 - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relaçáo de Coimbra, foram pronunciados os ora recorrentes António Nuno Matias Fernandes, Joaquim Guilherme de Sousa Fernandes e José Joaquim Matias Fernandes pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada. Tendo arguido a prescriçáo do procedimento criminal, foi a mesma indeferida por despacho de 10 de Outubro de 2001 (fls. 606 e segs.). Inconformados, recorreram, tendo apresentado a motivaçáo em 31 de Outubro de 2001 (fl. 611); o recurso foi admitido em 29 de Novembro de 2001.

2 - Por sentença de 15 de Julho de 2002, do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, foi a pronúncia julgada improcedente e os réus absolvidos. Considerando náo estar prescrito o procedimento judicial (apreciaçáo que fez a título oficioso, já que o recurso do Ministério Público o náo questionava) e ter havido erro notório na apreciaçáo dos factos, o Tribunal da Relaçáo de Coimbra, por Acórdáo de Março de 2003, mandou repetir o julgamento.

3 - Marcada a data para novo julgamento, vieram, entretanto, os ora recorrentes aos autos arguir a prescriçáo. Por despacho de 29 de Outubro de 2003 (fls. 1411 e segs.), foi essa arguiçáo indeferida. Inconformados, recorreram, tendo alegado em 12 de Novembro de 2003 (fls. 1419 e segs.); o recurso foi admitido em 20 de Novembro de 2003 (fl. 1434).

4 - Na audiência de discussáo e julgamento que teve lugar em 30 de Junho de 2004, os arguidos suscitaram, uma vez mais, a questáo da prescriçáo. A pretensáo foi indeferida. Desta decisáo foi interposto recurso (fl. 1541), que ficou aguardando a motivaçáo no prazo de 15 dias. A motivaçáo foi junta em 15 de Julho de 2004 (fls. 1556 e segs.).

5 - Por decisáo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, proferida em 26 de Julho de 2004 (fls. 1569-1601) foram, entáo, os ora recorrentes condenados na pena de dois anos de prisáo, ficando a respectiva execuçáo suspensa por um período de quatro anos, na condiçáo de - solidariamente - pagarem ao Estado a quantia de E 692 502,88, no prazo de dois anos. Inconformados com esta decisáo, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relaçáo de Coimbra (fl. 1618), tendo afirmado na respectiva alegaçáo (fls. 1619-1641):

[. . .] 156.o Por fim entendem os recorrentes convicta e conscientemente que o procedimento criminal contra si instaurado se encontra prescrito tomando em conta os fundamentos dos recursos apresentados em 31 de Outubro de 2001 e fundamentalmente em 12-11-03, recursos esses que iráo subir afinal [sic] e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos [. . .]

Conclusóes: 1 - O acórdáo recorrido padece dos vícios a que aludem as alíneas b) e c) do n.o 2 do artigo 410.o do CPP, designadamente de contradiçáo insanável da fundamentaçáo e erro notório na apreciaçáo da prova;

2 - Pelo que se o douto acórdáo recorrido náo padece[sse] de tais vícios deveriam os arguidos ser[] absolvidos e náo condenados como o foram;

3 - Assim, tal acórdáo é nulo e de nenhum efeito, como tal deverá ser revogado;

4 - Ou quando assim se náo entender deverá reenviar-se o processo para novo julgamento para a reapreciaçáo da prova;

5 - Por outro lado, verifica-se que no acórdáo recorrido houve uma completa ausência de juízo crítico sobre o depoimento das testemunhas que tinham conhecimento dos factos bem como do relatório pericial de fl. 1128 a fl. 1186;

6 - Tomando em conta o depoimento dos arguidos e das testemunhas bem como o teor do relatório pericial de fl. 1128 a fl. 1186, náo há elementos nos autos perfeitamente seguros e concludentes que permitam ao tribunal dar como provado que houve um recebimento efectivo das quantias a que se referem os pontos 6 e 25 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;

7 - Pelo que se impunha que os mesmos arguidos fossem absolvidos pelo crime [por que] estavam pronunciados;

8 - Já que em concreto náo se verificam os elementos típicos desse crime designadamente qual o montante certo e exacto do dinheiro objecto da apropriaçáo e ainda o elemento do dolo, já que no caso em análise o mesmo é inexistente.

9 - Por outro lado verifica-se uma situaçáo de causa de exclusáo de ilicitude, já que a situaçáo em análise se enquadra no disposto no artigo 36.o,n.o 1, do CP.

10 - Na hipótese de se vir a entender que os recorrentes come-teram o crime, a pena de prisáo náo deverá ficar condicionada ao pagamento, tomando em conta os circunstancialismos que estiveram na origem de tal situaçáo económica dos recorrentes.

11 - Sendo que o procedimento criminal relativamente aos factos que ocorreram de Abril de 1994 a Junho de 1995 estáo previstos, tomando em conta os fundamentos invocados nas alegaçóes de recurso de 31 de Outubro de 2001 e fundamentalmente de 11 de Dezembro de 2001, recursos esses que subiráo a[]final.

12 - Finalmente e porque a situaçáo em concreto náo se enquadra ao abrigo do disposto no artigo 30.o,n.o 23, do CP, os recorrentes cometeram náo um crime sob a forma continuada mas sim dois crimes, um referente ao período de Abril de 1994 a Junho de 1995 e outro de Maio de 1997 a Agosto de 1997, náo obstante os factos a que corresponde aquele primeiro período estarem prescritos tomando em conta o vertido na conclusáo anterior.

13 - Neste sentido o acórdáo recorrido violou ou náo fez aplicaçáo correcta do disposto nos artigos 24.o do Decreto-Lei n.o 20-A/90, 13.o, 14.o, 30.o, n.o 2, 36.o, n.o 1, e 51.o do CP, 374.o, 410.o e 428.o do CPP, 2.o, 20.o e 32.o da Constituiçáo da República Portuguesa. [. . .]

6 - Por despacho de 2 de Dezembro de 2004 (fl. 1894), este recurso foi admitido. Pelo mesmo despacho, foi também admitido o recurso entretanto interposto, a fl. 1541, da decisáo proferida, na audiência de discussáo e julgamento de 30 de Junho de 2004, sobre a prescriçáo e a condenaçáo em taxa de justiça.

7 - O Tribunal da Relaçáo de Coimbra, por Acórdáo de 15 de Junho de 2005, após decidir náo tomar conhecimento do recurso que os arguidos haviam interposto a fl. 1541, com fundamento em que os mesmos «náo se referem nas conclusóes à manutençáo ou náo da apreciaçáo» desse recurso, como, em seu entender, exige o artigo 412.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, e sem nada dizer quanto ao recurso de 31 de Outubro de 2001 (fl. 611), admitido em 29 de Novembro de 2001 (fl. 637), nem sobre o recurso de 11 de Dezembro de 2003 (fl. 1419), admitido em 20 de Novembro de 2003 (fl. 1434), decidiu negar provimento ao recurso interposto da decisáo final.

8 - Inconformados, vieram os recorrentes requerer a aclaraçáo deste acórdáo, dizendo, nomeadamente, o seguinte:

[. . .] 1 - Embora náo figurando expressamente nas conclusóes finais da motivaçáo, a referência especificada ao recurso interlocutório a verdade é que náo existem dúvidas, de que, quer ao longo da motivaçáo, quer nas conclusóes, ressalta que os recorrentes mantêm interesse na apreciaçáo desse recurso.

2 - Basta, para tanto tomar em linha de conta o alegado pelos recorrentes no artigo 156.o das suas alegaçóes de recurso bem como o teor do n.o 11 das conclusóes dessa mesma motivaçáo.

3 - Dignar-se-á, assim, V. Ex.a esclarecer se o passo da decisáo constante do 2.o parágrafo da 1.a folha, quer significar o entendimento de que só a especificada e expressa manifestaçáo do interesse na subida satisfaria o preenchimento da estatuiçáo do n.o 5

do artigo 412.o do CPP.

4 - Isto considerando, além do mais, que a prescriçáo é do conhecimento oficioso e nem seria necessário os recorrentes colocarem a questáo para o Tribunal ter de se debruçar sobre a mesma.

5 - Acresce que tal passo (cujo esclarecimento se pretende) parece contraditório com o conteúdo da transcriçáo que se faz (a fl. 3 ao cimo) das conclusóes das alegaçóes, como segue 'sendo que o procedimento criminal relativamente aos factos que ocorreram de Abril de 1994 a Junho de 1995 estáo prescritos (erro material, cuja correcçáo igualmente se solicita para prescriçáo) tomando em conta os fundamentos invocados nas alegaçóes de recurso de 31 de Outubro de 2001 e fundamentalmente de 11 de Dezembro de 2003, recursos esses que subiráo a final'.

6 - Deste transcrito passo parece resultar o manifesto interesse dos recorrentes na subida desse recurso interlocutório.

7 - Se assim náo se entender [] (e V. Ex.a dignar-se-á esclarecer) entáo e na esteira do Acórdáo n.o 320/2002, do Tribunal Cons-titucional, de 9 de Julho de 2002 (in de 7 de Outubro de 2002), haveria uma interpretaçáo do preceito em causa (412.o, n.o 5) que afectaria desproporcionadamente o direito de defesa dos recorrentes na dimensáo do direito ao recurso, garantido pelo artigo 32.o,n.o 1, da Constituiçáo [. . .]

9 - O Tribunal indeferiu o requerido, afirmando o seguinte:

Tendo sido proferido o acórdáo a fl. 1935 e segs. vieram os arguidos solicitar o respectivo esclarecimento, referindo que, embora náo expressamente, náo renunciaram ao recurso interlocutório intentado, pelo que referiram no n.o 11 das conclusóes que formularam.

Neste referem que sendo que o procedimento criminal relativamente aos factos que ocorreram de Abril de 1994 a Junho de 1995 estáo previstos, tomando em conta os fundamentos invocados nas alegaçóes de recurso de 31 de Outubro de 2001 e fundamentalmente de 11 de Dezembro de 03, recursos esses que subiráo afinal.

Mas nas conclusóes náo indicam que pretendem a apreciaçáo de tal recurso. Daí que se tenha optado pela soluçáo defendida.

A qual resulta do teor do n.o 5 do artigo 412.o do CPP, onde se estatui que havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente nas conclusóes, quais o que mantêm interesse (sublinhado nosso). Como refere Maia Gonçalves a falta de especificaçáo implica a desistência dos recursos retidos que náo sáo especificados (Código de Processo Penal, 13.a ed., p. 820). Outra soluçáo náo pode resultar do próprio texto do normativo em questáo.

E náo...

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