Acórdão n.º 242/2002, de 28 de Agosto de 2002

Acórdão n.º 242/2002 Processo n.º 724/97 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional: I - 1 - O Provedor de Justiça requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República e 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 1.º e 2.º do Decreto Regional n.º 17/78/M, de 29 de Março, e dos artigos 1.º e 3.º do Decreto Regional n.º 2/82/M, de 6 de Março, por entender que as mesmas violam o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 38.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, alínea a) [artigo 229.º, n.º 1, alínea a), na versão anterior à quarta revisão constitucional], e 167.º, alínea c), todos da Constituição da República, este último na versão originária do diploma, e pediu, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade das referidas normas, por violação do princípio fundamental contido no artigo 1.º da Lei n.º 60/79, de 18 de Setembro.

2.1 - O Decreto Regional n.º 17/78/M, de 29 de Março, contemplou a publicação, nos órgãos da imprensa regional, de notas oficiosas emitidas pelo Governo Regional da Madeira.

Consoante se retira da leitura da sua nota preambular, o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, conhecido por Lei de Imprensa, previu, no seu artigo 15.º, a publicação de notas oficiosas enunciadas pelo Governo da República. Mas, porque não estava ainda criado o específico regime constitucional dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, não teve em conta os Governos Regionais, não obstante 'o interesse das comunidades insulares justificar também a publicação das notas oficiosas destes executivos', o que o diploma em causa se propõe fazer, 'inserindo-se no espírito do artigo, 15.º da Lei de Imprensa, prolongando-o logicamente ao Governo Regional'.

É, assim, que o seu artigo 1.º preceitua: 'As publicações informativas diárias da Região Autónoma da Madeira não poderão recusar a inserção, na íntegra e num dos dois números publicados após a recepção, de notas oficiosas com o máximo de 1500 palavras que lhes sejam enviadas pelo Governo Regional.' E, por sua vez, dispõe o artigo 2.º: 'As publicações informativas não diárias não poderão recusar a inserção, nos termos previstos no número anterior, das notas oficiosas com o máximo de 500 palavras que expressamente lhes sejam enviadas pelo Governo Regional para publicação.' 2.2 - O Decreto Regional n.º 2/82/M, de 6 de Março, tendo presente o regime legal existente para os meios de comunicação escrita e a necessidade sentida, em nome do eficaz exercício da actividade executiva da Região Autónoma, de difundir aquelas notas oficiosas - bem como mensagens e comunicados provenientes da Assembleia Regional da Madeira - através dos Centros Regionais da Madeira da RDP e da RTP (e também da então ANOP, Agência Noticiosa Portuguesa), veio criar o regime legal a observar nestes meios de comunicaçãosocial.

De acordo com o seu artigo 1.º: 'Os Centros Regionais da Madeira da RDP e da RTP divulgarão na íntegra, obrigatória e gratuitamente, com o devido relevo e a máxima urgência, as mensagens e comunicados cuja difusão seja solicitada pelo Presidente da Assembleia Regional, bem como, nos termos do presente diploma, as notas oficiosas provenientes do Presidente do Governo Regional.' Nos termos do artigo 3.º: 'As mensagens e comunicados da Assembleia Regional e as notas oficiosas do Governo Regional são de divulgação obrigatória e gratuita nos meios de comunicação social referidos nos anteriores artigos, desde que nãoexcedam: a) 300 palavras para a informação radiodifundida; b) 200 palavras para a informação televisiva.' 3 - O Provedor de Justiça fundamentou o seu pedido com base em argumentação que pode ser sintetizada nos seguintes tópicos essenciais:

  1. A liberdade de imprensa inclui, como sua faculdade essencial, a liberdade de orientação editorial - ou 'autonomia' ou 'liberdade editorial' - que compreende tanto uma vertente positiva (publicar o que se deseja) como uma outra negativa (não publicar o que não se quer publicar): assim, configura uma restrição à liberdade de imprensa a imposição ou obrigatoriedade de publicação de notas oficiosas que recaia sobre os órgãos de comunicação social.

    Sendo a liberdade de imprensa um dos 'direitos, liberdades e garantias' protegidos pelo regime de limitações estabelecido pelo artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, tal restrição não parece conforme com o 'princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito'.

    Conclui, deste modo, a entidade requerente que os artigos 1.º e 2.º do Decreto Regional n.º 17/78/M desrespeitam o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 18.º, n.º 2, citado, constituindo, por isso, uma restrição ilegítima à liberdade de imprensa, constitucionalmente consagrada no artigo 38.º b) O poder legislativo próprio das Regiões Autónomas continua a ter como limite, inter alia, o da reserva da competência própria dos órgãos de soberania, ou seja, da Assembleia da República e do Governo.

    Ora, incluindo-se na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República a matéria relativa aos 'direitos, liberdades e garantias', representando o regime estabelecido pelos artigos 1.º e 2.º do Decreto Regional n.º 17/78/M uma restrição à liberdade de imprensa, e regulando eles, assim, matéria atinente a tais direitos, 'as suas normas são organicamente inconstitucionais por violação do artigo 167.º, alínea c), da versão originária da Constituição - actual artigo 165.º, n.º 1, alínea b).

  2. Outro limite, agora positivo, ao poder legislativo regional é a ocorrência de 'interesse específico' das Regiões - a constar, actualmente, da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º do texto constitucional -, limite esse cuja 'densificação' só a partir da quarta revisão constitucional encontrou uma tradução parcial na Constituição e que foi sendo basicamente realizada pela jurisprudência constitucional, com recurso à ideia de matérias que 'respeitam exclusivamente às regiões ou nelas exijam um especial tratamento por aí assumirem uma particular configuração', ideia ou critério que haverá sempre de apreciar-se em concreto e cujo preenchimento, por isso, não poderá considerar-se logo verificado a partir de qualquer enunciado geral que a esse respeito conste do Estatuto regional.

    Ora, pese o facto de o actual Estatuto Político-Administrativo da Madeira (Lei n.º 13/91, de 5 de Junho) considerar, no seu artigo 30.º, alínea aa), que a 'comunicação social' constitui matéria de interesse específico para a Região, certo é que 'a matéria das notas oficiosas não respeita exclusivamente à Região Autónoma da Madeira' e 'não se vislumbra igualmente qualquer motivo para inferir que nela assuma uma particular configuração, merecedora de um tratamento especial'.

    Conclui-se, assim, que o regime instituído pelos artigos 1.º e 2.º do Decreto Regional n.º 17/78/M e pelos artigos 1.º e 3.º do Decreto Regional n.º 2/82/M não se reveste de interesse específico para a Região Autónoma da Madeira, pelo que as referidas normas violam o disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

  3. A Lei n.º 60/79, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5/86, de 26 de Março, confere à Assembleia da República e ao Governo, no seu artigo 1.º, o poder de recorrer à publicação de notas oficiosas 'em situações que pela sua natureza justifiquem a necessidade de informação oficial, pronta e generalizada, designadamente quando se refiram a perigo para a saúde pública, à segurança dos cidadãos, à independência nacional ou outras situações de emergência' (na sua versão originária, o preceito contemplava apenas a emissão de notas oficiosas...

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