Acórdão nº 1268/03.6TBPMS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2011
Magistrado Responsável | MOREIRA ALVES |
Data da Resolução | 11 de Outubro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Relatório*No Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós, AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o 1) Estado Português, peticionando a condenação do R. na indemnização de 204.500,00€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, com fundamento na prisão preventiva, ilegalmente decretada por erro grosseiro, que lhe foi aplicada pelo juiz do Tribunal Judicial do Barreiro, em 27/Agosto de 1999.
*Na contestação o R. invocou a caducidade do direito de acção e alegou que a prisão preventiva sofrida pelo A. não foi ilegal, nem derivou de erro grosseiro na apreciação dos seus pressupostos.
*Replicou o A., concluindo como na petição.
*Proferiu-se despacho saneador, que declarou improcedente a excepção de caducidade arguida pelo R., fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
*O R. interpôs recurso do saneador na parte em que julgou improcedente a dita excepção, o qual foi admitido como de apelação a subir diferidamente a final.
*Procedeu-se a julgamento e, após a leitura da decisão de facto, proferiu-se sentença final que julgou improcedente a acção, com a consequente absolvição do R. do pedido.
*Inconformado apelou o A..
*A Relação conheceu dos dois recursos, julgando ambos improcedentes.
Confirmou, portanto, a sentença final recorrida.
*É agora o A. que, inconformado, recorre de revista para este S.T.J..
*Conclusão*Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente (A.) as seguintes conclusões:*1ª- Improcedeu o recurso interposto da sentença proferida na 1ª instância uma vez que o douto acórdão ora em apreciação considerou que no momento da aplicação da prisão preventiva ao autor existiam indícios suficientes a essa mesma aplicação.
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- A prisão preventiva é subsidiária relativamente às demais medidas de coacção uma vez que é a mais gravosa, obrigando o julgador a um maior cuidado na sua aplicação.
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- Daí a necessidade na motivação do despacho que a aplica, entendendo-se por essa motivação, entre outros, a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido e a enunciação dos elementos do processo que indiciam essa imputação (art° 194° n°3 do CPP).
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- Ora, no caso em apreço, o despacho que aplicou a prisão preventiva limitou-se a remeter para os factos descritos na acusação e para a moldura penal dos crimes imputados ao arguido, não fazendo qualquer enumeração dos factos concretamente imputados ao arguido, 5ª- E sem reparar que a lei tem um maior grau de exigência na gravidade dos indícios para os casos em que se pretende aplicar a prisão preventiva (indícios fortes - art° 202° n° 1 al. a) do CPP), do que para os casos em que se fica pela acusação pública (indícios suficientes - art° 283° n° 1 do CPP).
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- Pelo que, sendo que o despacho que aplicou a prisão preventiva se limitou a remeter para os indícios constantes da acusação, aplicou a prisão preventiva com base apenas em indícios suficientes do cometimento do crime e não com base nos fortes indícios exigidos pelo art° 202 n°1 do CPP, incumprindo o disposto neste artigo.
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- Só que se o erro na aplicação da prisão preventiva ao autor já se começava a desenhar com as incongruências acima referidas, ele surge inegável e "grosseiro" quando, analisada a acusação para a qual o referido despacho remete se constata que a mesma não individualiza qualquer actuação do então arguido, 8ª- Não definindo qual o seu papel ou actuação no crime de associação criminosa, 9ª- Sendo que, nas palavras do douto despacho de não pronúncia que se reproduz: "...finalmente, não resulta da prova produzida indícios suficientes da prática, pelo arguido AA, dos factos descritos na acusação ou quaisquer outros, sendo que o seu nome não é mencionado em lugar algum da acusação, sendo que ficou excluída a associação criminosa, bem como indícios da prática de actos ilícitos relacionados com o veículo Nissan Patrol ...".
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- Mas o erro grosseiro não se fica por aqui: a acusação refere a viciação de um Jipe Nissan Patrol, propriedade do autor (aliás, único veículo da propriedade do autor enunciado nos autos), facto reproduzido por remissão sem mácula no despacho que aplicou a prisão preventiva.
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- Sucede que muito antes do momento da dedução da acusação, já constava nos autos uma análise efectuada ao referido veículo pelo laboratório de polícia científica (fls. 576 e ss do inquérito), na qual se concluía não haver indícios no referido veículo de qualquer viciação.
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- Ora, em erro crasso, a acusação invocou tal viciação, acrescentando a lista dos crimes de falsificação de documento com base nesse erro, não reparando na informação laboratorial, 13ª- Erro esse reproduzido acriticamente pelo despacho que aplicou a prisão preventiva, por remissão para a acusação.
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- Erro esse, diga-se ainda, que se evitava pela simples leitura dos elementos do inquérito.
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- E tanto mais decisivo, que, relativamente a outro veículo não viciado (Hyundai Accent ...-...-FQ), foram os autos arquivados.
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- Ou ainda, quanto ao arguidoBB, por não ter sido apurado o seu grau de participação nos factos, foram os autos arquivados.
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- Ora, que dizer do tratamento dado ao autor, não obstante também não se ter apurado o seu grau de participação nos factos (a acusação é omissa quanto a tal factualidade), e o veículo por si possuído não apresentar sinais de viciação? Seria de aplicar a prisão preventiva? Ou os autos arquivados, como sucedeu aos demais? 18ª- E que indícios contra o arguido resultavam do inquérito? Segundo o relatório da PJ, não foi possível provar qualquer facto contra o ora autor (fls. 676 do inquérito).
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- Apesar da douta sentença em apreciação elencar um determinado número de alegados indícios, os mesmos são tão ténues e indirectos que não anulam a conclusão do relatório da PJ acima referido.
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- Aliás, tanto assim são que, em sede de instrução, sendo que o único acto de prova efectuado foi uma acareação entre o autor e CC, os mesmos não se reconhecendo, tal facto foi suficiente a despronunciar o autor e a acabar com a prisão preventiva.
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- Ora, se os indícios fossem fortes (como a lei o exigia), tal acareação não seria bastante para tal resultado.
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- Reproduz-se aqui a douta promoção do MP em sede de debate instrutório: "Em resultado das diligências de instrução efectuadas, nomeadamente as que o foram no dia de hoje e já na sequência do que parecia resultar de todo o processado, creio não existir fundamento para imputar ao arguido AA o crime de que vem acusado. Na verdade o veículo que a si pertencia veio a apurar-se não se mostrar viciado por qualquer forma; por outro lado, não se compreendendo a que título surge o arguido AA em toda a situação em apreço, até porque em resultado da acareação ora efectuada resulta que o mesmo nunca foi visto nas instalações onde ocorreram as apreensões que originaram os autos...".
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- Assim, conclui-se pela existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos da prisão preventiva, uma vez que a factualidade existente no inquérito não era suficiente sequer à acusação do autor, e muito menos à sua prisão preventiva.
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- Não só não resultavam indícios concretos da sua actuação criminosa, como os que foram reproduzidos no libelo acusatório e subsequentemente no despacho que aplicou a prisão preventiva continham factos errados, nomeadamente quanto à viciação do veículo propriedade do autor, não individualizando a sua actuação.
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- Perante a inexistência de indícios fortes contra o então arguido, nunca lhe poderia ter sido aplicada uma prisão preventiva, saltando aos olhos que a factualidade inserida na acusação contra si deduzida, e que serviu de justificativo à aplicação da prisão preventiva, nem sequer individualizava a actuação criminosa do autor.
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- Pelo que se verificam os pressupostos do art° 225° n°1 al. b) do CPP, devendo o réu ser condenado no pagamento da indemnização peticionada pelo autor, com base na factualidade provada quanto aos danos por si sofridos.
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- Mesmo que assim se não entendesse, a nova redacção dada ao art° 225 do CPP (pela inclusão na alínea c) no n°1) confere um direito indemnizatório a todo aquele que sofra prisão preventiva e relativamente ao qual se venha a provar que não foi agente do crime.
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- Ora, o autor encaixa nesta previsão legal.
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- Sendo que tal norma mais não faz do que explicitar o conteúdo do princípio constitucional subjacente ao art° 225 do CPP, 30ª- Pelo que se poderá considerar que a nova redacção do art° 225 do CPP, sendo uma norma interpretativa, é também aplicável a casos pretéritos (art° 13° do Código Civil), como o que se aprecia, servindo de base legal ao direito indemnizatório do autor.
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- Ainda quanto à redacção do art° 225 do CPP, padece a mesma de uma inconstitucionalidade material uma vez que restringe a aplicação dos princípios inseridos nos arts. 22° e 27° n° 5 da CRP, princípios esses que estabelecem a vinculação estatal no pagamento indemnizatório decorrentes dos erros da sua actuação, quer administrativa quer judicial.
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- De facto, nos princípios constitucionais inseridos nos arts. 22° e 27° n° 5 não se extrai qualquer necessidade adjectivante do erro estatal (derivado da actuação dos seus órgãos, entenda-se), nomeadamente pela exigência de que o erro seja "grosseiro" ou que a ilegalidade seja "manifesta".
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- Assim, conforma o art° 225° do CPP uma restrição ao princípio constitucional, confrontando a norma, de forma clara, o princípio que lhe subjaz - daí decorrendo a inconstitucionalidade formal da redacção dada ao art° 225 do CPP.
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- Razão pela qual, com a correcta interpretação desse mesmo artigo 225° do CPP (interpretação constitucionalmente conforme), bastaria à pretensão indemnizatória do autor a demonstração do erro de actuação estatal (neste caso na actuação judicial), situação perfeitamente evidente no caso sub judice.
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- Por fim, por lapso, foi fixada a Unidade de Conta (relativamente aos honorários fixados ao Patrono subscritor)...
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