Acórdão nº 4978/16.4T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2023

Data02 Fevereiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

I – Relatório I.1 – relatório AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de € 212.815,00 (duzentos e doze mil, oitocentos e quinze euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em virtude de prisão preventiva de 15 de Julho de 2015 a 03 de Junho de 2016, o que perfaz 325 dias de reclusão, à ordem de processo 71/15...., onde foi proferida sentença pela Instância Central ..., Secção Criminal J... da Comarca ..., que julgou improcedente a acusação pública e absolveu o Autor dos crimes de que vinha acusado, bem como, declarou extinta a medida de coacção de prisão preventiva e determinou a sua libertação.

O Tribunal de 1.ª instância considerou que não ficaram demonstrados quaisquer danos de natureza patrimonial do autor, pelo que, e nesta sede, não é devida a fixação de qualquer indemnização.

No que se refere aos danos de natureza não patrimonial, aquele tribunal considerou que: “Tendo em conta a factualidade dada por provada e não provada e os concretos danos sofridos pelo Autor, a sua forma de vida e a forma como a sua vida se alterou com a detenção e após a detenção, nos termos que em se provaram ou não provaram, resultando provados os 325 dias de privação de liberdade e o sofrimento inerente a essa privação, julga-se equitativo fixar a indemnização devida pelo Estado ao Autor, em € 17.000 (dezassete mil euros), tendo em conta a duração da detenção, quantia essa a que acrescerão os juros de mora, à taxa legal em vigor.” Em recurso de apelação interposto pelo A. e pelo Magistrado do Ministério Público, o Tribunal da Relação de Coimbra veio a decidir que: (…) julgar o recurso do réu parcialmente procedente e, consequentemente, agora, condenar-se o mesmo a pagar ao autor a quantia de dez mil euros como compensação a título de danos não patrimoniais.

Interposto pelo A. recurso de revista o mesmo não foi admitido, por decisão proferida em 17 de Outubro de 2022.

Na reclamação por ele apresentada contra a decisão que não admitiu o recurso de revista foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça ser o recurso admissível.

O Autor interpôs recurso de revista onde apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões: A.

O tribunal da Relação de Coimbra proferiu decisão considerando que a decisão recorrida existe contradição na fundamentação dos factos enunciados nos 1.16, 1.17 e 1.21.

B.

Sanou tal vício de forma fundamentada quanto aos factos constantes dos pontos 1.17 e 1.21.

C.

Quanto ao facto constante no ponto 1.16 fê-lo de forma que, parece, precipitada e arbitrária, e veio a merecer reparo em voto de vencido.

D.

Tal facto 1.16 diz “O Autor sofreu angústia e ansiedade pela indefinição do seu futuro.” que o Tribunal “a quo” declarou como não provado sem indicar qualquer sustentação para esta conclusão.

E.

Sendo certo que a julgadora em primeira instância afirma e o acórdão recorrido reproduz “Pese embora resulte das regras da experiência comum que a reclusão importa danos a nível psicológico para os detidos …”, cfr. Ponto 5.3.2.

F.

Tal evidência, que é do conhecimento público, deveria traduzir-se na prova do facto e não o contrário.

G.

Pelo que, a conclusão do Tribunal “a quo” deve ser rectificada no sentido de ser declarado como provado o facto constante do ponto 1.16.

H.

Quanto à indemnização por danos patrimoniais, no essencial, o Tribunal “a quo” considera que não existe prova segura sobre a prestação do trabalho do recorrente no futuro de forma diária.

I.

Retirando da prova de que o recorrente “Presta o seu trabalho ocasionalmente, quando lhe é solicitado “a conclusão que “… o autor não acalentava ter um trabalho regular …” o que não deixa de insinuar um comportamento indolente ou ocioso, inexistindo nos autos qualquer evidência que justifique tal juízo.

J.

Sendo certo que, é do conhecimento geral, que a prestação do trabalho agrícola não é regular dependendo da procura pelos empregadores, da época do ano e das condições climatéricas.

K.

Pelo que, é inquestionável que ocorreu um dano de natureza patrimonial, resultante da privação do rendimento que o recorrente poderia obter pela retribuição do seu trabalho, impondo-se a declaração do direito a indemnização pelo valor peticionado.

L.

Quanto ao dano não patrimonial, parece-nos que o Tribunal “a quo” assenta as suas conclusões em juízo de valor e mesmo insinuações quanto à inocência do recorrente, persistindo num raciocínio jurídico que o Tribunal Constitucional já censurou e contra o qual o voto de vencido se insurge por ser violador do principio da presunção da inocência, princípio elementar e secular do Direito Penal e alicerce de qualquer sociedade minimamente humanista.

M.

Tal atitude evidência o dano moral do recorrente, em especial quanto ao estigma que vai continuar a sofrer pela comunidade e, como agora se demonstra, por parte do sistema judicial.

N.

Considerando os critérios que devem orientar um juízo de equidade, o valor indicado pelo recorrente para compensar economicamente cada um dos seus 10.000 dias de esperança de vida insere-se na dimensão da sua condição económica e revela-se adequado.

O.

Parecendo-nos que o Tribunal “a quo” não valorizou suficientemente os princípios constitucionais consignados no artº 1º e 27º da Constituição da República.

P.

e fez uma aplicação dos disposto nos artº 496º nº 1 e 4 e 494º do Código Civil que carece ser rectificada no sentido de arbitrar compensação monetária a favor do recorrente próxima do montante que foi peticionado.

Q.

em consequência, deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a Douta Decisão recorrida no sentido de declarar o direito de indemnização do recorrente por danos patrimoniais e não patrimoniais.

O Réu em suporte da decisão recorrida apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1.

Só não há dupla conforme (havendo revista normal nessa parte) no segmento em que a Relação não confirme a decisão da 1ª instância (ou confirme mas com fundamentação essencialmente diferente), ou no segmento em que o adjunto votou vencido.

  1. No douto acórdão recorrido decidiu-se: “Termos em que se acorda julgar o recurso do autor improcedente.” 3.

    Referindo-se no douto voto de vencido “Em suma, manteria a condenação proferida na1ª instância, por se apresentar como valor no limiar mínimo aceitável e julgaria improcedente o recurso do MP e do A.” 4.

    Assim, no que ao douto recurso do Autor respeita, houve, a nosso ver e no respeito por opinião contrária, dupla conforme.

  2. Do exposto, verificando-se dupla conformidade entre as decisões das Instâncias, impeditiva da admissibilidade da Revista Normal [cfr. art.º 671º, nº 3, do CPC] e não tendo sido requerida a Revista Excecional [cfr. art.º 672º do CPC], em nossa opinião e no respeito por diferente entendimento, deverá o presente recurso de Revista ser rejeitado, por inadmissibilidade legal.

  3. Do mesmo modo, no que ao recurso do Réu respeita, atento os valores em causa, deverá o presente douto recurso de Revista ser rejeitado, nos termos do art.º 629º, nº 1, do CPC.

  4. A previsibilidade dos danos futuros patrimoniais inculca, pois, um elevado grau de probabilidade, atendendo aos efeitos geralmente associados à lesão causada e às especificidades das circunstâncias concretas do lesado e do evento.

  5. Daqui resulta a necessidade da existência de “suficiente segurança”: i.e., os danos futuros devem ser previsíveis com segurança bastante. Se o não forem, o tribunal não pode condenar o lesante a reparar danos que não se sabe se virão a produzir-se.

  6. Por conseguinte, se os danos futuros não forem previsíveis com segurança bastante, o seu ressarcimento apenas pode ser exigido quando ocorrerem.

  7. Quanto aos danos não patrimoniais, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (cfr. artigo 496º n.º 3 do Código Civil).

  8. Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.

  9. Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

  10. Termos em que, a nosso ver e sempre no respeito por opinião diversa, serão de improceder as conclusões do douto recurso de Revista, mantendo-se, em consequência, o douto acórdão recorrido, com o que se fará a habitual, Justiça! * I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso Por decisão proferida pela relatora em 29 de Novembro de 2022, em sede de reclamação ao abrigo do disposto no art.º 643.º do Código de Processo Civil foi admitida a revista.

    Nas decisões proferidas pelas instâncias existem dois segmentos decisórios completamente autónomos, aliás seguindo a segmentação do pedido constante da petição inicial, um quanto à indemnização por danos patrimoniais e outro quanto à indemnização por danos não patrimoniais.

    No que à indemnização por danos patrimoniais diz respeito ambas as instâncias consideraram não ter sido efectuada prova bastante da respectiva existência e, nem mesmo o voto de vencido disside nesta questão, formando-se quanto a ela dupla conforme, impeditiva da admissibilidade, nesta parte de recurso de revista.

    O próprio autor aceitou este entendimento no requerimento inicial da reclamação que apresentou contra a decisão do Tribunal da Relação que não admitiu o recurso dizendo: “5. por despacho proferido em 17/10/2022 pelo Tribunal da Relação de Coimbra –... Secção foi decidido não admitir tal recurso com os fundamentos seguintes: “Primus, e em relação ao pedido do autor, há dupla conforme, pois que mesmo o elemento do coletivo que votou vencido quanto à redução...

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