Acórdão nº 560/07.5TBCBT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução29 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA intentou acção condenatória, na forma ordinária, contra a ré “BB, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 84.940,46, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a citação até efectivo e integral cumprimento, a título de ressarcimento dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, resultantes de atropelamento, causado culposamente pelo condutor da viatura segurada na R.; ulteriormente requereu a ampliação do pedido para o montante de €336.140,46, o que foi admitido.

A ré “BB, S.A.” contestou , impugnando a versão do acidente apresentada pela A. e sustentando dever a acção ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré do pedido.

A autora replicou, onde concluiu como na petição inicial.

Elaborado despacho saneador e organizada a base instrutória, realizou-se o julgamento, no termo do qual foi proferida sentença , julgando a acção improcedente e, em consequência, absolvendo-se a ré, “BB, S.A. da totalidade do pedido formulado pela autora AA, por se considerar o acidente imputável a culpa exclusiva desta.

Inconformada, a A. apelou, tendo a Relação julgado o recurso parcialmente procedente e ,em consequência, proferido decisão nos seguintes termos: 1) Condenar a ré e apelada a pagar à apelante a quantia de €33.642,58, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; 2) Condenar a ré e apelada a pagar à apelante 2/3 da quantia que se apurar em sede de liquidação, com referência aos pontos 32) e 33) da matéria de facto provada; 3) No mais, absolver a apelada.

Para alcançar tal decisão, a Relação valorou em termos substancialmente diferentes a culpa dos intervenientes no acidente, considerando que à A. se deveria atribuir uma percentagem de culpa de 1/3 , por atravessar a via fora da passadeira existente no local, e ao condutor atropelante uma culpa de 2/3, decorrente de não ter evitado o acidente, já que dispunha de espaço suficiente para passar por detrás da A., sem lhe tocar, atenta a posição que esta ocupava na faixa de rodagem, no momento do acidente –e repartindo a indemnização global pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que teve por provados de acordo com essa percentagem.

Afirma o acórdão recorrido: Ao peão que pretende atravessar a faixa de rodagem é imposto que o faça nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito ou, quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 m, perpendicularmente ao eixo da via, conforme resulta do artigo 101.º n.º 3 do Código da Estrada.

Por isso é exigível ao peão que, antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, se certifique da existência, ou não, de passadeira para o efeito, a uma distância inferior a 50 metros do local onde pretende efectuar a travessia, sob pena de não poder deixar de ser responsabilizado pelas consequências do atravessamento ilegal da via.

Mal se andaria se se justificasse a travessia das vias, independentemente do comando do artigo 101.º n.º 3 do Código da Estrada referido, alegando-se desconhecimento do local.

É ao peão que cabe a obrigação de se certificar da existência ou inexistência de uma passadeira a menos de 50 metros do local onde pretende efectuar o atravessamento e deslocar-se para esse local, caso exista passadeira e fazer a travessia da via na mesma, ou, não havendo, atravessar no local em que se encontrar, obedecendo aos cuidados que a lei impõe para tal atravessamento.

Afirma igualmente a apelante que “o condutor do veículo seguro na demandada seguia sem qualquer atenção nem cuidado; repare-se que só se apercebeu da presença da demandante, já a menos de 1 metro do eixo da via, quando já estava “em cima dela”.” Não existem factos provados que nos permitam concluir que o condutor do veículo segurado na ré seguia sem qualquer atenção ou cuidado, nem se pode tirar tal conclusão do facto de o mesmo só se ter apercebido da presença da demandante, já a menos de 1 metro do eixo da via, quando já estava “em cima dela”.

Seria necessário alegar e provar factos concretos que permitissem concluir pela desatenção ou falta de cuidado do condutor como sucederia se, por hipótese, seguisse com as mãos fora do volante, ou a falar ao telemóvel.

Por outro lado, o facto de o condutor só se ter apercebido da presença da autora quando já estava em cima dela, só por si, não revela desatenção, porque podia ter inúmeras causas, uma lomba, uma curva, nevoeiro, ter a visibilidade ocultada por um veículo que o antecedesse, sendo necessário, conforme se referiu, alegar e provar factos concretos que permitissem tirar essa conclusão.

Mas há um aspecto em que a autora tem razão, que tem a ver com o facto de a mesma ter iniciado a travessia da estrada, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha Lameira/Gandarela, que quando já se encontrava a cerca de 0,80 m do eixo da via, foi colhida pelo veículo , que circulava no sentido Gandarela/Lameira, dentro da faixa de rodagem direita, atento este sentido de marcha, que no local, a estrada mede 6,95 m de largura, tendo cada faixa de rodagem cerca de 3,50 m de largura, que o local do atropelamento se situa no interior de uma localidade, que o condutor do OO tinha um espaço de cerca de 3 metros até ao passeio para passar por detrás da autora sem lhe tocar.

Da matéria de facto provada não se refere qual a largura do veículo segurado na ré, mas, o normal será tal veículo não exceder cerca de 1,80 metros, pelo que o condutor do OO tinha um espaço de cerca de 3 metros até ao passeio para passar por detrás da autora sem lhe tocar.

Importa notar que algumas das medidas indicadas na matéria de facto dada como provada, são aproximadas e não exactas.

Com efeito, aí se afirma que a autora foi colhida pelo veículoOO quando já se encontrava a cerca de 0,80 m do eixo da via, que o condutor do OO tinha um espaço de cerca de 3 metros até ao passeio para passar por detrás da autora sem lhe tocar e que cada faixa de rodagem tem cerca de 3,50 m de largura.

Já assim não se passa com as dimensões da estrada, que mede 6,95 m de largura.

Portanto, nesta perspectiva, de algumas das medidas indicadas, serem apenas aproximadas, haverá que atentar em que, de qualquer forma, o condutor do OO dispunha de espaço suficiente para passar por trás da autora, sem lhe tocar, mas nunca se pode olvidar que a autora não podia atravessar a via naquele local e, como tal, é igualmente responsável pela produção do acidente.

Importa ter em conta que nos termos do disposto no artigo 13.º do Código da Estrada, “1 – O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.

2 – Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.

…”.

Ora, do exposto resulta que ao circular do modo descrito o condutor do veículo segurado na ré, violou o disposto no artigo 13.º n.º 1 do Código da Estrada, pelo que concorreu com a sua conduta culposa, para a ocorrência do acidente, uma vez que lhe era exigível que circulasse pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, o que o mesmo não fez.

Estamos, então, na presente situação, perante uma concorrência de factos culposos que contribuíram, ambos, para a eclosão do acidente dos autos.

Assim, ter-se-á de ter em conta que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Ora, ponderando as culpas de ambas as partes, afigura-se-nos que a concorrência das culpas dos intervenientes deverá ser de 1/3, para a autora e 2/3, para o condutor do veículo segurado na ré.

3. Inconformadas com a decisão proferida pela Relação, recorreram para o STJ, quer a seguradora/R., quer a A. – que interpôs recurso subordinado – encerrando as respectivas alegações com as seguintes conclusões que, como é sabido, delimitam o objecto da revista interposta: I- 1- 0 Venerando Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela autora, por ter entendido que "o condutor do 00-00-00 violou o disposto no artigo 13° -1 do Código da Estrada, tendo concorrido, com a sua conduta culposa, para a ocorrência do acidente, uma vez que lhe era exigível que circulasse pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais possível das bermas ou passeios, o que não fez".

2- Sufragando tal entendimento, o Tribunal da...

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