Acórdão nº 07S2879 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução27 de Novembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 14 de Abril de 2005, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB PUBLICAÇÕES, S. A., pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e a ré condenada a reintegrá-lo no posto de trabalho, com a categoria e antiguidade que lhe pertenciam ou, caso viesse a optar pela substituição da reintegração por uma indemnização, a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento ilícito e abusivo, a calcular atendendo à data do trânsito em julgado da decisão final e que no momento da propositura da acção ascendia a € 51.776,40.

Mais pediu a condenação da ré a pagar-lhe: (i) € 1.339,55, correspondente ao valor da retribuição vencida nos trinta dias anteriores à data da propositura da acção, acrescida das que se vencerem até à data do trânsito em julgado da decisão final; (ii) € 12.500,00, a título de danos não patrimoniais; (iii) € 503,90, respeitante ao descanso compensatório em virtude do trabalho suplementar prestado e que, desde o início do contrato de trabalho, não gozou, nem recebeu; (iv) € 593,85, relativo ao subsídio de alimentação que, desde 1 de Julho de 2004, deixou de pagar-lhe; (v) € 2.663,85, no que respeita à prestação de trabalho aos feriados que, desde Março de 2003, lhe foi retirada; (vi) € 1.217,45, atinente às férias correspondentes ao trabalho prestado em 2003, vencidas em 1 de Janeiro de 2004; (vii) € 890,00, referente ao valor das acções atribuídas aos trabalhadores; (viii) as diferenças salariais relativas à percentagem de aumento que atribuiu aos restantes colegas, percentagem a ter em conta nos cálculos das quantias reclamadas na presente acção, ou então ser relegada para execução de sentença; (ix) juros de mora à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que foi contratado pela ré, em 2 de Março de 1981, para exercer as funções de desenhador/ilustrador/maquetista/arte finalizador no «Jornal de Notícias», publicação de que a ré é proprietária, mediante a retribuição mensal de € 1.339,55, sendo € 918,00 de remuneração base, € 156,25 de diuturnidades, € 143,20 de complemento de trabalho nocturno e € 122,10 de subsídio de alimentação.

Em 29 de Novembro de 2004, e após a instauração de processo disciplinar, a ré comunicou-lhe a aplicação da sanção de despedimento, sendo que o mesmo é ilícito, por inexistência de justa causa, e abusivo, porque motivado por reclamação de direitos legítimos, acrescendo que o processo disciplinar é nulo porque não foi realizada a acareação requerida na resposta à nota de culpa e porque a ré ultrapassou o prazo de 30 dias para proferir a decisão final.

Quanto às retribuições peticionadas, alega que, desde o início do seu contrato, nunca gozou o descanso compensatório atinente ao trabalho extraordinário prestado, que, desde o dia 1 de Julho de 2004, a ré deixou de pagar-lhe o subsídio de alimentação, e, a partir de Março de 2003, retirou-lhe a prestação de trabalho aos feriados, a qual se processava através de uma escala previamente definida e rotativa, e, ainda, que a ré não lhe atribuiu um lote de 100 acções, o que fez relativamente aos demais colegas, e não procedeu ao aumento da sua retribuição mensal, tal como fez para os restantes trabalhadores.

A ré contestou, impugnando os factos articulados pelo autor e defendendo a existência de justa causa para despedir o autor e a inexistência de qualquer nulidade relativa ao processo disciplinar, concluindo pela improcedência da acção.

O autor respondeu, mantendo a posição assumida na petição inicial.

Após o julgamento, foi exarada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor € 4.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, e € 1.217,45, a título de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2004, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde 30 de Novembro de 2004 e até integral pagamento, absolvendo a ré dos demais pedidos formulados.

  1. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do autor e condenando a ré (i) a reintegrar de imediato o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, (ii) a pagar ao autor as remunerações que o mesmo deixou de auferir desde 15 de Março de 2005 e até ao trânsito em julgado do acórdão, que à data da prolação do mesmo importavam em € 37.646,57, acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ano, a contar da data do vencimento de cada uma delas e até integral pagamento, (iii) a pagar ao autor a quantia de € 593,85, a título de subsídio de alimentação, desde 1 de Julho de 2004 até à data do despedimento, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, a contar da data do vencimento de cada um deles e até integral pagamento.

    É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão, ao abrigo das seguintes conclusões: «lª A Ré, BB Publicações, SA, ora Recorrente, não pode conformar-se com o Acórdão recorrido que julga a apelação procedente e em consequência revoga a sentença na parte em que absolveu a Ré do pedido de declaração da ilicitude do despedimento e do pagamento do subsídio de alimentação - que, salvo o devido respeito, que muito é, não fez uma correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos dados como provados, uma vez que deles resulta a verificação de todos os requisitos exigidos no n.º 1 do artigo 396º do Código do Trabalho; 2ª Conclui o Acórdão recorrido que "[a]tenta a matéria de facto provada - e só esta conta para apreciação da ilicitude do despedimento - não existem dúvidas de que o Autor desobedeceu a uma ordem dada pelo seu superior hierárquico. Por isso, há que concluir que o seu comportamento é culposo por violador do disposto no artigo 121º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do CT"; 3ª Considera, porém, que se não fosse a existência de um "conflito" entre o Autor e Ré à data do despedimento "a desobediência do Autor seria interpretada pela Ré como um acto mal pensado da parte do seu trabalhador numa longa carreira de 23 anos" e que, por isso, "a conduta do Autor não é em si demasiadamente grave ao ponto de tornar irremediavelmente impossível a subsistência da relação laboral, não se verificando justa causa para o seu despedimento"; 4ª Acrescenta, ainda, que as consequências da conduta do Autor não foram determinativas de quaisquer prejuízos reais e objectivos para a Ré, sendo que não basta, no caso concreto, o "risco" de verificação desse prejuízo; 5ª Considera a Recorrente que nem o alegado "conflito" entre Autor e Ré, nem a "inexistência de prejuízos reais e objectivos" são susceptíveis de afastar a aplicação do artigo 396 nº 1 do Código do Trabalho; 6ª No que respeita ao alegado "conflito decorrente do facto de esta (a Ré) ter retirado ao Autor algumas das funções que ele exercia" resultou provado que não foi a Ré, ora Recorrente, responsável pela menor ocupação do Autor, ora Recorrido, mas sim o Autor que se colocou, consciente e deliberadamente nessa situação de desocupação parcial, provocando e alimentando, reiteradamente, o alegado "conflito" pela sua atitude ao longo dos últimos meses da relação laboral com a Ré; 7ª Com efeito, resultou provado que "foi o A. que quis manter o seu horário de trabalho a partir das 17,30 (n.º 95 do ponto II - matéria dada como provada - do Acórdão recorrido), sabendo que, com o funcionamento do novo sistema, o trabalho na maquetagem, designadamente os trabalhos de elaboração, disponibilização e acompanhamento das páginas passaram a ser efectuadas mais cedo, a partir das 14 horas e essencialmente até às 17,30 horas, sendo o fecho do jornal entre as 23 e as 24 horas (n.º 94 do ponto II - matéria dada como provada - do Acórdão recorrido), ao contrário dos seus colegas que aderi[r]am à antecipação dos seus horários de trabalho (n.º 95 do ponto II - matéria dada como provada - do Acórdão recorrido); 8ª Face à intransigência do Autor em alterar o seu horário de trabalho, o que originou a sua menor ocupação, a Ré, ora Recorrente, deu-lhe funções de maquetagem e composição de páginas do Jornal do Fundão, elaborado também na Ré e ainda no anterior sistema informático (n.º 96 do ponto 11 - matéria dada como provada - do Acórdão recorrido); 9ª A Ré atribuiu, igualmente, ao Autor trabalhos de elaboração de diversas revistas produzidas e distribuídas com o jornal, como resulta provado no n.º 100 do ponto II - matéria dada como provada - do Acórdão recorrido; 10ª É certo que a Ré retirou ao Autor funções de ilustração, por não confiar na qualidade ética e estética dos seus desenhos (cfr. como exemplo ilustração de fls. 303 junta aos autos da autoria do Autor com crianças nuas para ilustrar um texto sobre o caso "Casa Pia") faculdade que lhe é conferida ao abrigo do artigo 20º nº1 a) da Lei de Imprensa; 11ª Sem, no entanto, deixar o Autor desocupado, como prova o mencionado nos pontos supra referidos e foi confirmado por três decisões judiciais que se pronunciaram, todas elas no mesmo sentido, pela não violação do dever de ocupação efectiva por parte da R. e, em consequência, pela falta de razão do Autor na sua reclamação ao Sindicato e à IGT; 12ª Essas decisões foram: (i) Acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto de 29 de Novembro de 2006 (transitado em julgado), referente ao processo n.º 0612976, que só veio a ser proferido depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento da presente causa, absolveu a Ré e anulou a coima aplicada. Nesse Acórdão o Tribunal da Relação do Porto conclui o seguinte: "[p]erante esta factualidade, é possível concluir que não estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma completa ocupação teve em vista causar prejuízos ao trabalhador AA ou pressioná-lo em...

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