Acórdão nº 2156/17.4T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1. L…, notificado da sentença proferida na acção que intentou contra Sociedade …, S.A.

, absolvendo-a do pedido que havia formulado para a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de 127.400,00€, acrescida de juros, interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: «1. Por meio da sentença ora em crise, veio o Tribunal a quo julgar improcedente por não provada a ação intentada pelo aqui Apelante contra a sociedade Apelada, com fundamento na invocada ausência de justa causa de destituição do mesmo, na qualidade de administrador daquela, fundamentando a referida justa causa, nos termos e ao abrigo do artigo 403.º n.º 4 do CSC num duplo fundamento, que faz subsumir à violação de dever de conduta e à inexigibilidade na manutenção das funções de administração; 2. Deste modo, fundamenta a sentença, ora em crise, a justa causa de destituição do Apelante, na violação do dever de conduta de administrador, que faz subsumir à ausência da prática de ato de gestão corrente, como seja a recusa da assinatura das folhas de vencimento, bem como na inexigibilidade da manutenção desse mesmo cargo, alicerçada no conflito existente entre o Apelante e os restantes acionistas/membros do conselho de administração e na desconfiança destes últimos relativa ao fundamento e legalidade do documento intitulado “Reconhecimento de Dívida”; 3. Ora, entende o Apelante que padece a sentença dos autos de manifesto erro de julgamento da matéria de facto e de manifesto erro na aplicação do direito a essa mesma matéria de facto, devendo, ao invés, a ação dos autos ser julgada procedente, por provada, concluindo-se pela ausência de verificação da justa causa de destituição do Apelante, na qualidade de administrador, à revelia da disposição legal contida no artigo 403.º n.º 4 do CSC e pela consequente verificação do direito à indemnização peticionada; 4. De facto, com todo o respeito e consideração pelo Tribunal a quo, entende o Apelante que, na senda da posição manifestada pela sociedade Apelada nos presentes autos, mais não enferma o conteúdo da sentença em crise de manifesto abuso de direito, previsto no artigo 334.º do CC, porquanto se limita a fundamentar a justa causa de destituição daquele em matéria previamente conhecida da sociedade Apelada, à data de nomeação do Apelante como Administrador, fazendo subsumir a causa da referida destituição a factualidade comumente conhecida que consubstancia, antes, consequência do ato de destituição e não causa, conforme se faz crer; 5. Ou seja, o Tribunal a quo qualifica a matéria de facto fundamentadora da justa causa de destituição do Apelante com a gravidade exigida a fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação de administração quando, ao invés, essa mesma factualidade que agora é erigida a justa causa de destituição, com gravidade que lhe é apontada, ou era conhecida da sociedade Apelada à data da nomeação do Apelante como administrador ou é consequência da aludida decisão, unilateral e exclusiva desta última, de destituição do Apelante, nisso mesmo consubstanciando o abuso de direito vindo de referir; 6. Ora entende o Apelante que a primeira manifestação do abuso de direito, patente na sentença em crise, encontra-se vertida na decisão sufragada pelo Tribunal a quo relativa à matéria de facto, dos autos.

7. Nesse sentido, a matéria de facto contida, respetivamente, nos artigos 24.º e 25.º dos factos provados e nos artigos 22.º, 31.º, 32.º 70.º, 71.º, 73.º, 74.º, 77.º e 82.º dos factos não provados encontra-se incorretamente julgada, mal andando a sentença em crise ao decidir como decidiu, à revelia do artigo 413.º do CPC; (…) [não se transcrevem aqui as conclusões 8 a 17, a respeito da concretização dos fundamentos invocados, à qual se atenderá aquando da decisão].

18. Aqui chegados temos que, a matéria de facto apurada nos autos, nos termos vindos de referir, não permite fundamentar a justa causa de destituição do Apelante, ao abrigo do artigo 403.º n.º 4 do CSC, porquanto não se alcança da violação de qualquer dever de conduta, imputável ao Apelante, na qualidade de Administrador, cuja gravidade coloque em causa a manutenção da relação de administração com a sociedade Apelada, nem tão pouco qualquer outra factualidade, cuja ocorrência e/ou conhecimento se tenha verificado no período em que exerceu funções de administrador (fevereiro a maio de 2017) que possa ser erigida a justa causa de destituição, ao abrigo da disposição legal anterior; 19. Mais se diga que, ainda que assim não fosse, a concreta factualidade dada como provada nos autos, nos precisos termos em que o foi, pelo Tribunal a quo, não se mostra apta a integrar o conceito de justa causa de destituição, previsto no artigo 403.º n.º 4 do CSC, mal andando a sentença dos autos ao decidir como decidiu, à revelia da disposição legal anterior.

20. Concretizando e no que concerne à recusa da assinatura das folhas de vencimento, pelo aqui Apelante, fundamento da pretensa violação de dever de conduta do Administrador, sempre se diga que se não verifica, no caso em apreço, a violação de qualquer dever, em sentido técnico jurídico, imputável ao administrador, que seja dotada de gravidade bastante.

21. A assinatura das folhas de vencimento consubstancia ato de mero expediente, despojado de qualquer cariz técnico, que poderia ser praticado por qualquer outro dos administradores (a sociedade apelada obrigava-se com a assinatura de dois dos três administradores) ou pessoa habilitada, pela sociedade Apelada, para o efeito, cuja recusa do Apelante não causou qualquer prejuízo à sociedade Apelada ou a terceiros trabalhadores – tendo em conta que os vencimentos foram pagos atempadamente – não colocando em causa a relação entre as Partes no que concerne ao vínculo de administração, o que desde logo, redunda na ausência de gravidade bastante da pretendida e (inexistente) violação, a qual, sempre se diga que, em apelo a argumentos de ordem lógica e cronológica e tendo ocorrido após o conhecimento, pelo Apelante, da decisão de destituição, sendo consequência da mesma, não pode, bem está de ver, ser erigida a causa dessa mesma destituição.

22. Por último, no que concerne à inexigibilidade da manutenção da relação de administração fundada, cumulativamente na relação conflituosa entre o Apelante e os restantes membros da sociedade Apelada e na desconfiança dos restantes membros da sociedade Apelada relativa ao documento intitulado “Reconhecimento de Dívida”, sempre se diga que, ambas as matérias em apreço remontam a data anterior à nomeação do Apelante como Administrador – conforme matéria de facto dada como provada nos autos – ignorando o Tribunal a quo, mais uma vez, e sempre com todo o respeito e consideração, que o conceito de causa (de destituição do Administrador), impõe que dada factualidade tenha ocorrido no decurso do mandato em discussão nos autos – fevereiro a maio de 2017 – e/ou tenha sido conhecida no mesmo período de tempo; 23. Padecendo a sentença dos autos neste concreto ponto, cumulativamente com o erro na aplicação do direito vindo de referir, de manifesta nulidade, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 c) e d) do CPC, porquanto a fundamentação deduzida pelo Tribunal a quo relativa à pretensa desconfiança por parte dos restantes membros da sociedade Apelada face ao documento intitulado “Reconhecimento de Dívida” ora se encontra omissa na matéria de facto dada como provada, ora se encontra em contradição com a mesma, inexistindo qualquer factualidade dada como provada nos autos que comprove a causa alegadamente ficcionada do documento anterior, considerada pelo Tribunal a quo na fundamentação em apreço, e encontrando-se a pretendida “desconfiança“ dos acionistas da Apelada em contradição com o efetivo conhecimento, pelos mesmos, do teor do aludido documento, dado como provado nos autos (vide artigo 19.º dos factos provados), em momento anterior à nomeação do Apelante; 24. Termos em que, pelas razões sobejamente demonstradas anteriormente, não pode proceder, igualmente, a fundamentação do Tribunal a quo relativa à inexigibilidade da manutenção da relação de administração, não podendo a mesma ser erigida a justa causa de destituição do Apelante, nos termos e ao abrigo do artigo 404.º n.º 3 do CSC, concluindo-se pela procedência da presente ação».

2.

A Apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

3.

Observados os vistos, cumpre decidir.

*****II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente das questões cujo conhecimento oficioso se imponha.

Assim, as questões colocadas pelo Recorrente para apreciação por este Tribunal da Relação, resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de nulidade, se a matéria de facto deve ser modificada nos termos que preconiza, e, em consequência, se existe fundamento para indemnizar o autor pela destituição do cargo de administrador da ré.

*****III – Fundamentos III.1. – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: «1 - A Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social consiste no exercício da indústria de destilação, nomeadamente a produção de álcool vínico, aguardentes vínicas e bagaceiras, bem como a sua comercialização. (artº 1º da petição inicial) 2 - A sociedade Ré é uma sociedade familiar cuja estrutura acionista é totalmente composta pelos membros da família B… e cujo Conselho de Administração sempre foi integrado por membros da família. (artº 2º da petição inicial e 9º da contestação) 3 – Após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração J… em 13.11.2016, a sua...

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