Acórdão nº 2903/05.7TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | NUNO CAMEIRA |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.
Resumo dos termos fundamentais do litígio e do recurso AA propôs uma acção ordinária contra os sucessores habilitados de CC, que são DD, DD e EE, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de compropriedade sobre a fracção autónoma onde reside, identificada na petição inicial, e se ordene a rectificação, em conformidade, da respectiva descrição predial e inscrição matricial.
Em resumo, para fundamentar o pedido, alegou que viveu maritalmente com EE desde 1985 até ao seu falecimento, em 1998, e que em 1994 acordaram na compra de uma casa de habitação a fim de nela residirem; que não obstante na respectiva escritura se ter mencionado unicamente como adquirente o falecido EE, o referido imóvel não era propriedade do falecido, mas compropriedade de ambos; e que no contexto da economia comum que partilhava com o de cujus suportou metade do valor das prestações bancárias emergentes do empréstimo contraído para aquisição do citado imóvel, onde continua a habitar, não dispondo de outra habitação.
Somente a primeira ré/habilitada contestou, impugnando por desconhecimento a generalidade dos factos alegados pela autora, designadamente quanto à alegada união de facto, e sustentando, no mais, que o imóvel ajuizado sempre foi um bem de propriedade exclusiva do falecido EE, não tendo a autora qualquer direito de propriedade sobre o mesmo, pois nunca suportou nenhuma parcela do valor das respectivas prestações bancárias uma vez que não auferia quaisquer rendimentos.
Em reconvenção afirmou que a autora ocupa o imóvel sem dispor de título que legitime a ocupação, impedindo-a, assim, de na qualidade de cabeça de casal entrar na referida fracção autónoma e dela tomar posse.
Pediu, em conclusão, a condenação da autora a entregar-lhe livre e desocupada a referida fracção autónoma e respectivo recheio, bem como a pagar-lhe indemnização no valor de 46.000,00 €, acrescida da quantia mensal de 500,00 € até efectiva entrega do imóvel, por ocupação ilegal.
A autora replicou, defendendo que ocupa a casa por ser sua comproprietária e por se tratar da casa de morada de família do casal constituído por si e pelo falecido EE, invocando ainda a inconstitucionalidade dos artigos 4º, nº 1, da Lei n.° 135/99, de 28 de Agosto e 4º, nº 1, da Lei n.° 7/2001, por violação do princípio constitucional da protecção da família estabelecido no artigo 36.°, nº 1, da CRP.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, absolveu os réus do pedido, condenando a autora/reconvinda a entregar à ré/reconvinte DD, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC, a fracção autónoma referida, absolvendo-a do restante peticionado.
A autora apelou, mas a Relação, introduzindo embora modificações pontuais no elenco da matéria de facto, confirmou a sentença.
Mantendo-se inconformada, a autora pede revista, tendo formulado no fecho da sua alegação quarenta e duas conclusões suscitando as seguintes questões úteis: 1ª) Ao dar procedência parcial ao segmento da apelação em que a recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, alterando, em consequência disso, as respostas aos quesitos 6º e 12º, mas, contraditoriamente, julgando o recurso totalmente improcedente, a Relação cometeu a nulidade prevista no artº 668º, nº 1, c), CPC; 2ª) A Constituição estabelece no seu artº 36º um direito fundamental a constituir família que não se confunde com o direito a contrair casamento, sendo certo que a tutela constitucional directa da união de facto tem sido assumida pela mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, mormente a partir dos acórdãos 690/08, 275/02 e 195/03; 3ª) Este novo paradigma exclui que a situação da autora retratada no conjunto dos factos provados possa ser equiparada à de qualquer comum credor; 4ª) À vista dos factos apurados terá de concluir-se que a autora é comproprietária da fracção autónoma em causa no processo, interpretando-se para tanto os artºs 1316º e 1403º CC à luz do que o artº 36º da Constituição determina; 5ª) Não está em causa nos autos a validade formal da escritura de compra e venda, mas sim a extensão ou não à autora dos efeitos da aquisição; 6ª) A presunção decorrente do registo predial mostra-se afastada, pois provou-se que foi vontade do falecido companheiro da autora e desta que os efeitos da aquisição se estendessem à sua pessoa; 7ª) Tendo a autora agido desde a data da aquisição - 27/10/94 - como comproprietária da fracção, sobre esta exercendo uma posse não titulada, pública, pacífica e de boa fé, impõe-se concluir que acedeu à propriedade, ainda que por via da usucapião, sendo de presumir que as quotas são quantitativamente iguais, nos termos do artº 1403º, nº 2, CC; 8ª) Quanto à reconvenção, a conduta dos réus constitui abuso do direito, nos termos do artº 334º do CC, pois não é admissível que a lei tutele uma situação em que a autora investiu o seu dinheiro na compra da fracção com a intenção expressa por ambos - ela e o seu falecido companheiro - de a adquirirem e nela estabelecerem a casa de morada de família, o que veio a suceder, e depois acabe na rua, sem qualquer outra habitação; 9ª) Viola o artº 36º da Constituição, que é de aplicação directa, a interpretação da lei que em concreto conclui pela ausência de qualquer protecção da casa de morada de família de uma pessoa que vive em união de facto há mais de treze anos quando o companheiro morre, permitindo que seja posta fora de casa sem a...
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