Acórdão nº 1206/06.4TVPRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: CCE - Controlo de Calçado para Exportação, Ldª intentou ação especial de prestação de contas contra Monteiro Ribas - Indústrias, S.A.

pedindo que esta fosse condenada: a) A prestar contas dos fornecimentos efetuados às fábricas de calçado, entre 19/5/1997 e agosto de 1998, nomeadamente através das guias de remessa assinadas por estas e das encomendas carimbadas e rubricadas pelo gerente da A., dos recebimentos quer das fábricas de calçado, quer das seguradoras de crédito, quer da reclamação e recuperação dos créditos junto dos Tribunais, quer da cessão de créditos entre 19/5/1997 e a presente data; b) A devolver à A. todas as garantias e a parte excedente do crédito da ex-URSS, que se vier a apurar; c) E que, caso já tenha recebido em excesso o valor em dívida, seja condenada à devolução do excedente.

Alegou para o efeito o seguinte: A R., desde 1992 até 1998, forneceu couros artificiais do seu fabrico para a confeção de calçado referente a encomendas colocadas pela firma inglesa denominada Atlantic Sail In Trend Limited (ATS), representada em Portugal por BB, legal representante da A., em diversas fábricas de calçado nacionais, sendo creditada à A. uma comissão incidente sobre a totalidade das encomendas que à R. eram feitas para fornecimento daqueles produtos; Como, em Abril de 1997, as dívidas à R. por parte das fábricas de calçado haviam atingido o valor de 300.000.000$00 (€ 1.496.408,60), a R. decidiu apenas efetuar os fornecimentos caso a A. ou a ATS ficassem fiadoras dos futuros fornecimentos e garantissem os pagamentos dos valores em dívida, pelo que, em 28 de Abril de 1997, para garantia daquele valor em dívida e a continuação dos fornecimentos às fábricas de calçado, foi dado pela ATS à firma “Peixoto & Nunes-Empreendimentos Imobiliários, S.A.”, firma associada da R., uma garantia real, através da cedência da posição contratual da compra e venda de um prédio urbano já pago, livre de ónus e encargos e pertença da AST; Em 19/5/1997, face ao aumento dos valores dos fornecimentos, que passaram de 300.000.000$00 para 378.384.346$00 (€ 1.887.373,10), foi essa garantia substituída por outra de valor superior, através de um “contrato de assunção de dívida e cessão de créditos”, celebrado entre A. e R., nos termos do qual a A. se comprometia a efetuar o pagamento dos fornecimentos feitos pela R. às fábricas de calçado que executavam encomendas para a AST até 15 de Maio de 1997, no referido valor de 378.384.346$00, com o esquema de datas referido na cláusula quarta desse acordo, tendo para esse efeito sido passados à R. cheques pré-datados, cujas datas neles mencionadas foram respeitadas, tendo sido liquidado todo o valor, acordo que funcionava como garantia e não como pagamento; Ainda de acordo com esse contrato - cláusula segunda -, a A. garantiu igualmente o pagamento de novos fornecimentos a partir de 15 de Maio de 1997, desde que, caso a caso, na respetiva encomenda colocasse o seu carimbo e rubrica do respetivo gerente; Ficou igualmente acordado que a R. forneceria à A. a relação de todas as faturas em débito e emitidas à quinzena, referentes à execução das encomendas mencionadas, bem como dava nota de quaisquer pagamentos efetuados; Para além do valor mencionado na cláusula sétima do acordo, foram ainda pagos € 623.503,50 relacionados com os novos fornecimentos efetuados a partir de 15 de Maio de 1997; Em Agosto de 1998 foram concluídas as encomendas da AST e também os fornecimentos feitos pela R. às fábricas de calçado; A R., que se comprometeu a devolver a parte excedente do crédito que não fosse necessária ao pagamento integral da dívida da A. para com ela, tem estado a receber avultadas quantias, cujo montante desconhece, designadamente na sequência da notificação da cessão de créditos que efetuou, em 3/12/1998, à Direção Geral dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais e da reclamação de créditos que fez junto dos processos de insolvência de algumas fábricas, sem informar a A., apesar das insistências nesse sentido.

Na contestação que apresentou, a R., defendeu-se por impugnação, pugnando pela inexistência da obrigação de prestar contas, com a consequente improcedência da ação, alegando em resumo que nem o seu crédito se encontra totalmente pago, nem a Federação … acabou de pagar o crédito que foi objeto de cessão, que apenas terminará em 20.8.2016, não sendo a A. titular desse crédito por o ter transmitido à R. por cessão, por ter sido acordado uma dação pro solvendo.

A A. respondeu, reiterando que a R. se obrigou contratualmente a prestar contas e que é dela credora pelo não pagamento das comissões, alegando que a R. litiga de má-fé na notificação que fez à Direção Geral do Tesouro em 16/9/1998, concluindo como na petição inicial, tendo a R. apresentado articulado de tréplica em que reitera que não tem obrigação de prestar contas, suscitando também a litigância de má-fé da A., cuja condenação no pagamento de multa peticiona.

Proferido despacho a determinar que os autos seguissem os termos subsequentes relativos ao processo ordinário, por se ter entendido que a questão da existência ou não da obrigação de prestação de contas não podia ser sumariamente decidida, foi, em sede de audiência preliminar, proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância, declarou os factos assentes e elaborou base instrutória, que se fixaram com desatendimento das reclamações deduzidas.

Tendo sido entretanto instaurado procedimento cautelar, que correu termos por apenso, nele as partes celebraram transação, homologada por sentença, após o que foi proferido despacho nos autos principais - fls. 535 -, a ordenar a tramitação desta ação, em consonância com a aludida transação, a dar sem efeito o despacho saneador proferido nos autos e a audiência de julgamento designada e ordenando que a R. prestasse contas, sob a cominação do disposto na parte final do nº 5 do art. 1014º-A do CPC, seguindo-se a tramitação prevista nos arts. 1015º a 1017º do CPC.

Veio, então, a R. prestar contas sob a forma de duas contas correntes, nos termos da transação efetuada no procedimento cautelar apenso, a primeira das quais considera o lançamento a crédito no montante de 130.000.000$00 (valor atribuído ao prédio objeto do contrato que constitui o doc. 1 da p.i. e de acordo com o contrato promessa junto a fls. 526 e 527) e a segunda conta-corrente que não releva nas contas o lançamento desse crédito, conforme fls. 538 a 980.

  1. contestou as contas apresentadas, impugnando quer o valor da dívida, quer o das receitas, peticionando que sejam havidas como não prestadas as contas pela R., que se tenham como prestadas as contas nos termos por si apresentados e que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 352,672.768$00, correspondente a € 1.759.141,90, e ainda no reconhecimento do direito de fazer seu tudo quanto se encontra depositado no Ministério das Finanças e da Administração Pública - Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais, proveniente dos créditos pagos pela República Russa no âmbito do denominado “C…..”.

A R. replicou, sustentando a correção das contas por si apresentadas e a improcedência das contas apresentadas pela A. e os pedidos da sua condenação no pagamento da quantia peticionada e de reconhecimento do direito peticionado pela A.

Foi realizada audiência preliminar, com declaração dos factos assentes e elaboração de base instrutória - fls. 1982 a 1992 -, que foram objeto de reclamações parcialmente atendidas por despacho proferido a fls. 2063 e 2064.

Em sede de instrução da causa, teve lugar prova pericial colegial, cujo relatório se mostra junto a fls. 2232 a 2319, objeto de pedidos de esclarecimentos escritos, prestados nos termos constantes de fls. 2425 a 3520, que incluiu a realização de exame à letra de BB.

Seguidamente teve lugar a audiência de julgamento, com gravação da prova, em que os peritos prestaram esclarecimentos orais.

Seguidamente doi proferida sentença, na qual, declarando-se a factualidade provada e não provada, se decidiu: “Pelo exposto, considero prestadas as contas nos termos expostos na presente decisão e, consequentemente: I) Condeno a Ré a pagar à Autora o saldo das contas, no valor de 358.473.906S00 (€ 1.788.060,30); II) Condeno a Ré a reconhecer o direito da Autora de fazer seu tudo quanto se encontra depositado no Ministério das Finanças e da Administração Pública - Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais, proveniente dos créditos pagos pela República Russa, no âmbito do denominado “C….”; III) Julgo improcedente o pedido de condenação da Ré a devolver à Autora todas as garantias que tem em seu poder resultantes quer do contrato de cessão de posição contratual, quer do contrato de assunção de dívida e cessão de créditos, dele absolvendo a Ré; IV) Julgo totalmente improcedentes os pedidos de condenação quer da Autora, quer da Ré, como litigantes de má-fé».

Na sequência e no âmbito de recursos de apelação de ambas as partes, a Relação …., por acórdão de 21.02.2018, decidiu: “I - Julgar parcialmente procedente a apelação da Ré, anulando-se a sentença recorrida, com a repetição da audiência de julgamentos em relação aos factos constantes dos pontos enunciados nos pontos III e IV da presente decisão: II - Alterando-se a decisão do facto 2 e 4 nos termos seguintes: 2) À autora era creditada uma comissão incidente sobre a totalidade das encomendas que à ré eram feitas para fornecimento dos produtos atrás citados.

4) Em Abril de 1997 a dívida à ré pelos fornecimentos por si feitos atingia o valor de 300.000.000300 (€ 1.496.408,60).

III - Aditando-se à base instrutória os seguintes quesitos: Iº A: A comissão referida em B) era devida à A. Pela Ré, sem dependência do efetivo recebimento do preço dos produtos por ela fornecidos? Iº B: A Autora, a sociedade ATS In Trend Ltd e o Sr. BB responsabilizaram-se pessoalmente pelo pagamento da quantia referida em D)...

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