Acórdão nº 278/98 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 1998

Data10 Março 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 278/98

Proc. nº 215/97

  1. Secção

Rel: Cons. Ribeiro Mendes

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

1. Em 16 de Agosto de 1996, a COMPANHIA DE SEGUROS B..., S.A., fez entrar petição de acção declarativa com processo sumário no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, contra a SOCIEDADE A..., LDA, com sede em Santo Estevão, Chaves, pretendendo a condenação da ré no pagamento de prémios de seguros em dívida, no montante de 195.614$00 e os correspondentes juros.

Distribuída a acção ao 10º Juízo Cível de Lisboa e citada a sociedade ré, veio esta apresentar contestação em que aceitou a matéria de facto constante dos dois primeiros artigos da petição inicial (exercício pela autora da indústria de seguros; celebração de contratos de seguros de acidentes de trabalho por acordo entre autora e ré nos termos de certa apólice

e com início em 10 de Novembro de 1970) e de parte do artigo 4 no que toca à anulação do seguro (verificada em 21 de Maio de 1994), alegando não ser verdade que estivessem em débito os montantes indicados no artigo 3º, não sendo esse o valor dos prémios respectivos como decorreria do documento junto com a petição inicial (artigo 2º da contestação), afirmando ainda não ser verdade que a autora tivesse procedido aos avisos referidos no artigo 5º da petição inicial. Concluiu no sentido da improcedência do pedido.

Através de saneador-sentença proferido em 26 de Novembro de 1996 a acção foi julgada procedente e provada, tendo o Senhor Juiz considerado que a ré se limitara na contestação a negar os factos articulados pela autora. Ora, segundo esta decisão, "ao contestar pela forma como o fez, limitando-se a negar os factos articulados pela A., a Ré deixou de cumprir o ónus de impugnação especificada imposta pela 1ª parte do nº 1 do art. 490º do Cód. Proc. Civil, tudo se passando como se não tivesse contestado, pois que, conforme expressamente se dispõe no nº 3 do mesmo artigo, não é admissível a contestação por negação" (a fls. 18).

Notificada desta decisão, dela interpôs recurso a ré para o Tribunal Constitucional, considerando que o art. 490º, nº 1, conjugado com o nº 3, do Código de Processo Civil, interpretado "no sentido de que a negação dos factos da p. i. nos termos constantes dos arts. 2º e 3º da contestação de fls.... corresponde à violação do ónus de impugnação especificada, que deve levar a que se julgue que os factos em causa estão admitidos por acordo", era inconstitucional por violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição. Nesse requerimento, considerou que não tivera oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, tendo sido confrontado com uma decisão "a todos os títulos surpreendente". Aí se acrescentou que, se a ré "não pudesse contestar como contestou", não poderia "exercer eficazmente o seu direito de se opor ao pedido do A. e a ver julgada pelo tribunal a posição jurídica legítima que expressou", situação que seria "especialmente flagrante relativamente à matéria do art. 3º da contestação, que contesta a matéria do art. 5º da p.i.".

Este recurso foi admitido por despacho de fls. 30, tendo aí sido afirmado o seguinte pelo Senhor Juiz recorrido:

" Em bom rigor, não se mostram satisfeitas as exigências do art. 75º-A da Lei nº 28/82, pois que a inconstitucionalidade sustentada pela Ré não foi suscitada em qualquer outra peça processual, para além do requerimento de interposição ora em apreciação.

Não obstante, não poderemos deixar de admitir que, em sede de direito processual e tendo os autos sido decididos imediatamente no despacho saneador, no caso em apreço não poderia antes ter sido suscitada a questão de inconstitucionalidade nos termos em que o foi.

Posto isto e ponderando ainda que o valor da causa veda a possibilidade de recurso ordinário, opta-se por admitir o recurso para o Tribunal Constitucional."

2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.

Nas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

" A - A decisão proferida e ora recorrida interpreta o nº 1 do art. 490º do C.P.C. (antes de revisto), devidamente conjugado com o respectivo nº 3, no sentido de que a negação especificada de factos devidamente concretizados corresponde à violação do ónus de impugnação especificada e à admissão de que há acordo quanto à sua existência.

B - Tal entendimento consagra uma restrição intolerável à actuação processual das partes, que, nesse contexto, não podem adequada e eficazmente exercer os seus direitos e ver julgada a lide que estão envolvidos.

C - O entendimento dado aos segmentos acima referidos do art. 490º do CPC viola o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais que o art. 20º da Constituição consagra." (a fls. 40-41)

A seguradora, por seu turno, concluiu as contra-alegações do seguinte modo:

"1. A Recorrente não suscita, e nunca suscitou a inconstitucionalidade das normas constantes dos nºs. 1 e 3 do Art. 490º do Cód. Proc. Civil.

  1. Questionou, isso e sim a interpretação e aplicação que o Mtº. Juiz «a quo» fez do Direito.

  2. Ao recorrer como o fez, a Recorrente, ao questionar a interpretação «inconstitucional» das normas, e não a inconstitucionalidade das próprias normas, não respeitou a alínea b) do nº 1 do Art. 70º do Lei 28/82 de 15 de Novembro, razão pela qual se impugna a decisão de admitir o presente recurso.

  3. As normas constantes dos nºs. 1 e 3 do Art. 490º do Cód. Proc. Civil são a garantia da realização da Justiça através do conhecimento pelo juiz da verdade da situação de facto, pelo que são conformes à Constituição, não se traduzindo numa restrição intolerável ao princípio do acesso ao direito e aos tribunais.

  4. A...

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