Acórdão nº 246/99 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução29 de Abril de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 246/99

Proc. nº 283/97

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Beleza

Acordam, na 2ª Secção do

Tribunal Constitucional:

1. Por despacho de 12 de Dezembro de 1995, de fls. 66, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (2º Juízo) determinou que J..., R... e A..., arguidos em processo crime, no qual estão indiciados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, fossem restituídos à liberdade, por haver sido esgotado o prazo de prisão preventiva de oito meses, previsto na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 215º do Código de Processo Penal, sem que tivesse sido deduzida acusação. O Tribunal de Instrução considerou que não tinha aplicação o disposto no nº 3 do artigo 215º do mesmo Código, porque o pedido de elevação do prazo de prisão preventiva para doze meses não havia sido formulado e apreciado antes de extinto o prazo que decorria.

  1. Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público para o Tribunal da Relação (fls. 70). No que agora interessa, concluiu do seguinte modo a respectiva motivação:

    "III Conclusões

    a) A Mme Juiz ‘a quo’ no seu despacho de fls. 845 (v. vol) considerou que os arguidos R..., AS..., RL..., J... e A... se encontravam presos preventivamente desde 10.04.1995, data da sua detenção.

    (...)

    f) A interpretação da Mme Juiz ‘a quo’ confunde dois conceitos – detenção e prisão preventiva.

    (...)

    j) O(s) prazo(s) de prisão preventiva só se contam a partir da data do despacho judicial que determinou que o(s) arguido(s) aguardassem os ulteriores termos do processo sob prisão.

    (...)

    p) Em 12.12.1995, o MºPº ordenou a remessa dos autos ao T.I.C. afim de a Mme Juiz ‘a quo’ proferir despacho a elevar o prazo de duração de prisão preventiva aplicada aos arguidos. – ‘ex vi’ artº 215 nº3 C.P.P.

    q) Atempadamente.

    r) O C.P.P. não define prazo para que tal despacho seja proferido.

    s) Mesmo a entender-se que o prazo se contava desde a detenção sempre a Mme Juiz ‘a quo’ podia (e devia) proferir despacho a elevar o prazo de prisão preventiva (observados os condicionalismos legais).

    (...)

    v) Olvidou-se que arguidos estavam indiciados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21 nº 1 do Dec-Lei 15/93 de 22.01.

    x) Não se atendeu ao disposto no artsº 51 nº1 e 54 nº 1 e nº 3 do Dec-Lei 15/93 de 22.01.

    (...)

    aa) Acresce que, os autos dão expressiva nota da complexidade dos factos em análise.

    ab) A Mme Juiz ‘a quo’ devia proferir despacho a elevar o prazo de prisão preventiva dos arguidos para 12 (doze) meses ‘ex vi’ artsº 209, 215 nº 3 ambos do C.P.P. com referência ao artº 54 do Dec-Lei 15/93 de 22.01.

    ac) O despacho ora posto em crise violou por erro de interpretação e aplicação, entre outros, o disposto no artsº 254, 202, 194, 215, 209 todos do C.P.P. e 51 nº 1 e nº 2, 54 nº 1 e nº 3 ambos do Dec-Lei 15/93 de 22.01.

    ad) Pelo que deverá ser integralmente revogado e substituído, de imediato, por outro, que determine que os arguidos devem aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva."

    3. Os arguidos ora recorrentes responderam a esta motivação, sustentando a manutenção do despacho Juiz do Tribunal de Instrução.

    Em síntese, vieram opor que a aplicação do regime previsto no nº 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal, com a correspondente elevação de prazos máximos da prisão preventiva depende de promoção do Ministério Público e de despacho do juiz de instrução declarando o procedimento como de especial complexidade, proferido em momento anterior ao termo do prazo que seria aplicável sem aquela elevação.

    Entendimento diferente do nº 3 do citado artigo 215º seria, aliás, inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 27º (no entendimento de R...), 28º, nº 4 (de acordo com J...) ou 32º (na perspectiva de A...), todos da Constituição.

  2. Não acolhendo embora o essencial da argumentação do Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento ao recurso. Consequentemente, revogou o despacho recorrido e ordenou a sua substituição por outro que, "a manterem-se as exigências cautelarares que determinaram a aplicação da medida de coacção em causa aos arguidos, determine que estes aguardem os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, sem prejuízo da unidade dos prazos estabelecidos no nº 3 do art. 215º do Código de Processo Penal para as diversas fases processuais previstas nas alíneas a) a d) do nº 1 do mesmo artigo". Os fundamentos desta decisão foram, no que agora releva, os seguintes:

    "6. Porém, como se referiu, os arguidos estão indiciados pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes p. p. pelo artigo 21º, nº 1, do Dec-Lei nº 15/93, diploma que define o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, e que contém, no capítulo V, disposições especiais no âmbito do processo penal.

    Assim, depois de no nº 2 do artº 51º estabelecer a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Penal e legislação complementar, ‘na falta de disposição específica’ daquele decreto-lei, prescreve no art. 54º, nº3, no campo da prisão preventiva, que ‘quando o procedimento se reporte a um dos crimes referidos no nº 1 [tráfico de droga, desvio de precursores, branqueamento de capitais ou de associação criminosa], é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 215º, do Código de Processo Penal’.

    Ora, este normativo, ao remeter especificamente para o nº 3 do art. 215º do CPP/87, já transcrito no ponto anterior, não tem outra finalidade senão a de afastar, nos casos dos crimes mencionados, a aplicação dos nºs 1 e 2 do citado art. 215º, pois, se assim não fosse, e se se aplicassem aqueles números, o dispositivo do nº 3 do artigo 54º do Dec-Lei nº 15/93 era absolutamente inútil e sem justificação possível, pois a aplicação a que se reporta já resultava subsidiariamente do nº 2 do art. 51º do mesmo decreto-lei.

    Portanto, ao estipular que se aplica sempre o nº 3 do art. 215º do CPP/87, o nº 3 do citado art. 54º impõe que os prazos de prisão preventiva quando o procedimento for por um dos crimes nele referidos, são os previstos naquele primeiro normativo, aplicando-se ‘ope legis’, isto é, sem necessidade de qualquer despacho judicial que qualifique de ‘excepcional complexidade’ o processo em causa.

    Deste modo, o alcance daquele nº 3 do art. 54º é, no fundo, considerar como de "excepcional complexidade" todos os processos relativos aos crimes de tráfico de droga, desvio de precursores, branqueamento de capitais ou de associação criminosa previstos no Dec-Lei nº 15/93.

    No sentido exposto, já decidiu o Ac. da Relação de Coimbra, de 5-4-95, na ‘Col. Jur.’, ano XX, tomo II, pág. 41, cuja fundamentação se seguiu de perto.

    Pelo exposto, no processo em apreço, não era necessário, sequer, requerer a elevação do prazo de duração máxima da prisão preventiva para 12 meses, nem tão pouco proferir despacho nesse sentido, pois, por força do nº 3 do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
  • Acórdão nº 2/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Janeiro de 2008
    • Portugal
    • 4 Enero 2008
    ...Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I tomo, Coimbra, 2005, pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Segundo o regime do citado artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo de duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu in......
  • Acórdão nº 603/09 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 2 Diciembre 2009
    ...proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípi......
  • Acórdão nº 56/18.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Agosto de 2018
    • Portugal
    • 10 Agosto 2018
    ...proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípi......
  • Acórdão nº 685/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Dezembro de 2005
    • Portugal
    • 13 Diciembre 2005
    ...no presente recurso. Na decisão sumária reclamada invocou-se – e transcreveu-se, na parte considerada relevante – o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99, de 29 de Abril (publicado no Diário da República, II Série, n.º 161, de 13 de Julho, p. 10152 ss, e disponível em www.tribunalco......
4 sentencias
  • Acórdão nº 2/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Janeiro de 2008
    • Portugal
    • 4 Enero 2008
    ...Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I tomo, Coimbra, 2005, pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Segundo o regime do citado artigo 215º do Código de Processo Penal, o prazo de duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu in......
  • Acórdão nº 603/09 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 2 Diciembre 2009
    ...proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípi......
  • Acórdão nº 56/18.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Agosto de 2018
    • Portugal
    • 10 Agosto 2018
    ...proporcionalidade (idem, pág. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., pág. 321; entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99). Ora, não se vê, no caso concreto, em que medida é que a interpretação adoptada pelo tribunal recorrido poderá ferir o princípi......
  • Acórdão nº 685/05 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Dezembro de 2005
    • Portugal
    • 13 Diciembre 2005
    ...no presente recurso. Na decisão sumária reclamada invocou-se – e transcreveu-se, na parte considerada relevante – o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99, de 29 de Abril (publicado no Diário da República, II Série, n.º 161, de 13 de Julho, p. 10152 ss, e disponível em www.tribunalco......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT