Acórdão nº 244/99 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução29 de Abril de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 244/99

Processo nº 234/97

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Acordam, na 2ª Secção do

Tribunal Constitucional:

  1. Por despacho de 8 de Março de 1996 do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, no que interessa ao presente recurso, foi a E..., SA pronunciada, na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público, como autora, de " 1 crime de fraude fiscal p. e p. pelos artº 7º e 23º, nº 1, alínea a), nº 2 alíneas a) e d) e nº 3 alíneas a) e b) do DL nº 20-A/90, de 15/1 – RJIFNA" e de "35 contra-ordenações fiscais, p. e p. pelos artºs 22º do RJIFNA, 19º, nº 3, 96º alínea d) e 95º do Cód. IVA e 3º do DL nº 20-A/90, de 15/1, ou pelo artº 29º, nºs 1 e 6 alínea a) e 9º do RJIFNA, após as alterações introduzidas pelo DL 394/93, de 24/11, devendo aplicar-se o regime que em concreto for mais favorável."

    Em 11 de Abril de 1996, veio a recorrente "intentar recurso directo para o Tribunal Constitucional" do "Despacho de Pronúncia contra ela proferido", fundamentando-se, por um lado, na sua incindibilidade e, por outro, na irrecorribilidade "por disposição legal expressa". Pretendia que este Tribunal declarasse inconstitucionais "o artº26º do citado Dec.-Lei nº 20-A/90 e o artº 14º" do mesmo diploma, por violação, respectivamente, dos artigos 13º e 29º, nº 5, da Constituição.

    Da não admissão deste recurso pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa reclamou a arguida para o Tribunal Constitucional, que, pelo acórdão nº 147/97, o julgou admissível. Formou-se, pois, nos termos do nº 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, caso julgado quanto à admissibilidade do recurso desta decisão.

    Decidiu-se nesse acórdão nº 147/97:

    "2. Viu-se já que a ora reclamante, com o recurso que intentou interpor, visou a apreciação da conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 14º e 26º, números 1 e 2, do R.J.I.F.N.A..

    Mister é, desta sorte, que se saiba se tais normativos foram aplicados na decisão desejada impugnar, não porque, considerando-a no seu todo, não deixasse de ter havido, num dos seus passos, um expresso juízo decisório sobre as questões de constitucionalidade levantadas àcerca dos mesmos normativos, mas sim porque, no tocante à parte em que nela se pronunciou a reclamante, e relativamente à subsunção jurídica aí efectuada, nenhuma referência é expressamente feita aos mesmos.

    2.1. Ora, nesta maneira de colocar a questão, não poderá olvidar-se que a decisão instrutória, ao acolher na pronúncia a acusação deduzida pelo Ministério Público no que tange à arguida E..., não deixou, de um lado, de ter como válida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade, uma interpretação dos números 1 e 2 do artº 26º do R.J.I.F.N.A. que conduza a que a ‘faculdade’ neles prescrita não implica, de modo necessário, um verdadeiro ‘poder-dever’.

    Poderá, é certo, visualizar-se que o decidido nesta parte vem, ao fim e ao resto, a consubstanciar uma questão prévia ou incidental e que, por isso, não era vedado o recurso da decisão instrutória nessa mesma parte.

    Contudo, menos certo não é que, ao se pronunciar a ora reclamante, se teve como válida, do ponto de vista da sua conformidade constitucional, uma interpretação dos números 1 e 2 do aludido artº 26º segundo a qual, não obstante estar reposta a verdade fiscal, é possível ao Ministério Público deduzir ou não acusação. Interpretação essa que, no caso, aceitou a efectivação do juízo acusatório sem o qual não seria possível a dedução de pronúncia.

    De outra parte, porque - tudo o indica - os mesmos factos indiciariamente imputados à E... serviram, na decisão de pronúncia, para que aí se qualificassem como integrando um crime de fraude fiscal e 35 contra-ordenações fiscais, então haverá de concluir-se que no raciocínio ínsito nessa decisão não deixou de estar presente uma interpretação do artº 14º do mesmo R.J.I.F.N.A. de molde a que, constituindo os mesmos factos, simultaneamente, crime e contra ordenação, o respectivo agente deveria, indiciariamente, sofrer punição por um e outra.

    É incontestável que da pronúncia, no que respeita a este particular, não se pode desde logo extrair que a ora reclamante venha a ser duplamente condenada pelos mesmos factos indiciariamente descritos, dupla condenação essa decorrente de tais factos virem a ser subsumidos ao cometimento de um crime de fraude fiscal e de 35 contra-ordenações fiscais.

    Essa é, na verdade, uma questão a resolver em sede de julgamento.

    No entanto, não se pode deixar passar em claro que, em prisma indiciário, a questionada interpretação do artº 14º do R.J.I.F.N.A. vai, no fundo, condicionar o processo até essa fase, com evidentes implicações no estatuto de arguida da ora reclamante.

    Haverá, assim que concluir que houve, por banda da decisão pretendida impugnar - ainda que perspectivada somente na parte em que nele se pronunciou a reclamante - o acolhimento de uma interpretação normativa que, previamente à sua prolação, tinha sido questionada pela mesma reclamante do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional".

    Encontra-se assim fixado o objecto do presente recurso: a apreciação da invocada inconstitucionalidade de duas normas do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), na interpretação que lhes foi dada nos autos: o artigo 26º, por violação do nº 1 do artigo 13º da Constituição, e o artigo 14º, por contrariedade ao disposto no nº 5 do artigo 29º da Constituição. É segundo esta mesma ordem que se vão apreciar.

  2. Na redacção anterior à que lhes foi dada pelo Decreto-lei nº 394/93, de 24 de Novembro, os nºs 1 e 2 do artigo 26º do RJIFNA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro), determinavam:

    Arquivamento do processo e isenção da pena

  3. Se enquanto o auto relativo a crimes previstos nos artigos 23º a 25º não tiver transitado para o Ministério Público, o agente, espontaneamente ou a solicitação da administração fiscal, repuser a verdade sobre a sua situação fiscal, o processo poderá ser enviado ao Ministério Público para efeitos de eventual arquivamento nos termos do número seguinte, desde que se mostrem estarem pagos o imposto ou impostos em dívida e os eventuais acréscimos legais ou terem sido restituídos ou revogados os benefícios injustificadamente obtidos.

  4. Se o auto referido no número anterior transitar ou tiver já transitado para o Ministério Público e se verificarem os restantes pressupostos naquele número exigidos, pode o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, decidir-se pelo arquivamento do processo se este ainda não tiver sido remetido para julgamento.

    A redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro, é a seguinte:

    Arquivamento do processo e isenção e redução da pena

  5. Se, enquanto o auto relativo a crimes fiscais que não sejam exclusivamente puníveis com prisão não tiver transitado para o Ministério Público, o agente, espontaneamente ou a solicitação da administração fiscal, repuser a verdade sobre a situação fiscal, o processo será enviado ao Ministério Público para efeitos de eventual arquivamento nos termos do número seguinte, desde que se mostrem estarem pagos o imposto ou impostos em dívida e os eventuais acréscimos legais ou terem sido restituídos ou revogados os benefícios injustificadamente obtidos.

  6. Se o auto referido no número anterior tiver já transitado para o Ministério Público e se verificarem os restantes pressupostos naquele número exigidos, pode o Ministério Público, ouvido o assistente e com a concordância do juiz de instrução, decidir-se pelo arquivamento do processo até à sua remessa para julgamento, se considerar satisfeitas as exigências de prevenção que no caso se façam sentir e a conduta do agente não se revestir de forte gravidade.

    Na perspectiva da arguida, sustentada ao longo do processo e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
7 temas prácticos
  • Acórdão nº 422/16 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2016
    • Portugal
    • 27 de junho de 2016
    ...crime” mas apenas que a questão é discutível, como afirma logo em seguida que “[e]sta questão foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/99, tendo-se concluído no mesmo que «o princípio ne bis in idem consagrado no nº 5 do artigo 32º da Constituição, pode ter......
  • Acórdão nº 298/21 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2021
    • Portugal
    • 13 de maio de 2021
    ...ou possam acarretar a sujeição do arguido a dois julgamentos pelos mesmos factos - conferir, por todos, acórdão do Tribunal Constitucional nº 244/99, disponível eletronicamente em tribunalconstitucional.pt, Relator: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; conferir Nuno Brandã......
  • Acórdão nº 123/08.8TACNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2014
    • Portugal
    • 5 de fevereiro de 2014
    ...proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e Certo é que, como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 212/95, o princípio ne bis in idem não obsta a que p......
  • Acórdão nº 1741/09.2IDLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Outubro de 2013
    • Portugal
    • 30 de outubro de 2013
    ...proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e (…) Desde que, porém – como é o caso dos autos -, a responsabilidade solidária do gerente acresce à responsabilidade própria......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
7 sentencias
  • Acórdão nº 422/16 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2016
    • Portugal
    • 27 de junho de 2016
    ...crime” mas apenas que a questão é discutível, como afirma logo em seguida que “[e]sta questão foi apreciada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/99, tendo-se concluído no mesmo que «o princípio ne bis in idem consagrado no nº 5 do artigo 32º da Constituição, pode ter......
  • Acórdão nº 298/21 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2021
    • Portugal
    • 13 de maio de 2021
    ...ou possam acarretar a sujeição do arguido a dois julgamentos pelos mesmos factos - conferir, por todos, acórdão do Tribunal Constitucional nº 244/99, disponível eletronicamente em tribunalconstitucional.pt, Relator: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; conferir Nuno Brandã......
  • Acórdão nº 123/08.8TACNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Fevereiro de 2014
    • Portugal
    • 5 de fevereiro de 2014
    ...proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e Certo é que, como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 212/95, o princípio ne bis in idem não obsta a que p......
  • Acórdão nº 1741/09.2IDLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Outubro de 2013
    • Portugal
    • 30 de outubro de 2013
    ...proíbe que as normas penais possam sancionar substancialmente, de modo duplo, a mesma infração (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 244/99, 303/05, 356/06 e (…) Desde que, porém – como é o caso dos autos -, a responsabilidade solidária do gerente acresce à responsabilidade própria......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT