Acórdão nº 422/16 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução27 de Junho de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 422/2016

Processo n.º 330/2016

2.ª Secção

Relator: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em 16 de maio de 2016 (fls. 41 534 a 41 573), a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 300/2016, com a seguinte fundamentação:

II – Fundamentação

9. Antes de mais, importa apreciar o requerimento, de 4 de maio de 2016, do recorrente A., o qual, aparentemente, veio desistir, por ora, do pedido. Ora, tendo em conta que, nos termos do artigo 78.º-B, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, cabe ao relator admitir a desistência, considera-se a mesma admitida, pelo que o seu recurso não será apreciado.

10. Em relação aos recursos interpostos pelos outros recorrentes, deve notar-se que o despacho de admissão do recurso de constitucionalidade proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76.º, n.º 3, da LTC), pelo que importa apreciar se é ou não possível conhecer do objeto dos mesmos.

Para melhor compreensão da presente decisão sumária, importa esclarecer a sistematização adotada. A análise de cada um dos recursos de constitucionalidade interpostos será efetuada, em separado, com exceção dos relativos a dois recorrentes – B. e C. – os quais, por apresentaram requerimentos, no essencial idênticos, com a ressalva de uma questão de constitucionalidade adicional suscitada pelo primeiro (que será adiante devidamente identificada), serão analisados em conjunto. Pretende-se, deste modo, tornar mais claro qual a parte da decisão que se aplica a cada um dos recorrentes. Sempre que as questões colocadas por um recorrente sejam idênticas a outras já anteriormente abordadas, far-se-á uma mera remissão para a fundamentação anteriormente expendida, de modo a evitar repetições inúteis.

A. Recurso de constitucionalidade de D.

11. Em primeiro lugar, importa notar que um dos requisitos de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC consiste na aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

11.1. O recorrente começa por afirmar que “ não foi notificado do acórdão, quando o deveria ter sido à luz do n.º 10 do artigo 113.° do CPP, que dispõe que o mesmo deverá ser notificado tanto ao defensor como (pessoalmente) ao arguido, começando o prazo processual subsequente a contar-se a partir da notificação realizada em último lugar”, razão pela qual, “prevendo a hipótese de uma tal interpretação (que confiadamente se crê não venha a ser sufragada por V. Exas.) deixa-se expressamente invocada a inconstitucionalidade material do n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que o acórdão de um Tribunal da Relação que decida o fundo da causa não tenha de ser notificado tanto ao arguido e como ao seu mandatário, por violar os artigos 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa - vício que à cautela se argui e que, a verificar-se, se imputa exclusivamente à decisão respeitante.”

Contudo, ao contrário do que afirma o ora recorrente, o tribunal recorrido não aplicou a alegada interpretação do n.º 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal («CPP»), nem qualquer norma constante deste enunciado. Como resulta da notificação constante de fl. 41140 (a qual, como é óbvio, não faz parte da decisão), a mesma foi efetuada, nos termos do n.º 6 do artigo 425.º do CPP.

Assim sendo, este Tribunal não deve conhecer do objeto do recurso quanto à alegada interpretação normativa.

11.2. O recorrente suscita também a fiscalização da inconstitucionalidade da alegada interpretação normativa tirada dos artigos 368.°/2, 374.º/1/d) e 2 e 375.°/1 do CPP”, “no sentido em que a fundamentação da matéria de facto não carece de uma apreciação crítica da prova sobre os factos dados como provados e dos não provados com relevância para a boa decisão da causa (nomeadamente os alegados na impugnação da decisão administrativa) e 1 ou que não há de ser fundamentada a decisão sobre o grau de culpa do arguido, por violação do disposto nos artigos 20.°/1, 32.°/1, 32.°/18, 202.°/2 e 205.°/1 da CRP.”

Analisados os autos, verifica-se que o tribunal recorrido não aplicou a interpretação normativa que lhe é imputada pelo recorrente.

Com efeito, o tribunal a quo começa por afirmar que “[c]arece de fundamento, por sua vez, a alegada falta na sentença revidenda de fundamentação e/ou de exame crítico, pois que a Juiz do julgamento além de ter, em virtude da oralidade e da imediação, uma perceção própria do material probatório, mostrando-se a convicção do tribunal, na medida do que se escreve – e para lá de, repete-se, não estar em causa aqui a apreciação de qualquer impugnação da decisão sobre a matéria de facto (“ex vi” RGCO, artigo 75.º, n.º 1) -, suficientemente alicerçada e exposta de forma clara e transparente, de molde a convencer da justeza da respetiva decisão, contendo os elementos que, por via das regras de experiência e/ou critérios lógicos, conduziram o tribunal a proferir «aquela» decisão” (fls. 40 565 e 40 566), para depois analisar detidamente a questão da alegada falta de fundamentação e falta de apreciação crítica da prova, e em seguida conclui que “«a sentença não é arbitrária e permite a reconstituição da lógica do tribunal», não se podendo negar «que, embora de forma sucinta – que a lei autoriza -, se contém na sentença o exame crítico da prova, resultando do respetivo enunciado devidamente evidenciados os aspetos que, conjugadamente, foram determinantes na formação da convicção do Tribunal a quo, em termos que permitem reconstituir o caminho o caminho lógico-valorativo percorrido pela decisão impugnada», nessa medida improcedendo, também a este respeito, a alegação dos recorrentes.” (fl. 40 593).

Assim, não restam dúvidas de que a interpretação normativa imputada ao tribunal a quo pelo recorrente não coincide com a que o tribunal a quo efetivamente aplicou.

11.3. O recorrente também requer ao Tribunal a apreciação da alegada interpretação normativa tirada dos “ artigos 340.° e 358.° do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.° do RGCO, quanto interpretadas no sentido em que o Tribunal, após proceder, a uma alteração penalizante da qualificação jurídica dos factos, indefira ao arguido a sua pretensão de ver produzida prova, mormente testemunhal, impedindo-o, deste modo, de exercer o seu direito de Defesa, por violador dos direitos, liberdades e garantias constitucionais que se acham encerrados nos princípios do contraditório, da garantias e direito de defesa, do acesso ao direito, da tutela jurisdicional efetiva e do processo justo e equitativo com assento nos artigos 1.°, 2.°, 18.°, n.º 2, 20.º e 32.°, n.ºs 1, 2 e 10 da Constituição da República Portuguesa bem como e no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”

Compulsados os autos, verifica-se que a razão decisiva que esteve na base da decisão do tribunal recorrido não coincide com a que lhe é imputada pelo recorrente.

Com efeito, o tribunal a quo afirma que “os factos descritos na sentença são, para o efeito, exatamente os mesmos da decisão impugnada, com a diversidade operada em sede de sentença a referir-se, quanto a alguns dos arguidos, a tratar-se de autoria (e não cumplicidade) por alusão à, no mais, mesma qualificação jurídica, derivando tal de circunstância de mera divergência conceptual, pela qual os mesmos factos imputados pelos recorrentes na decisão condenatória proferida pelo Banco de Portugal passam a ser qualificados como constituindo uma diversa modalidade de comparticipação criminosa, não ocorrendo alteração dos factos da qual tenha resultado uma modificação no grau de participação” (fl. 40 802).

Em face disto, conclui o tribunal recorrido que “os comportamentos e as condutas imputadas aos recorrentes naquela decisão não sofreram qualquer modificação em virtude da, fundamentada e com o aludido suporte legal, alteração da qualificação jurídica a procedeu o tribunal “a quo”, tendo, por aí, sustento legal e constitucional a indeferida inquirição de testemunhas, por inócua repetição da prova já produzida” (fls. 40 802 e 40 803).

Ou seja, a razão decisiva que subjaz à decisão do tribunal recorrido de não permitir a produção de mais prova não reside apenas na não alteração dos factos, mas também no facto de ser ter verificado a alteração da sua qualificação jurídica, que é uma questão de direito acerca da qual as testemunhas não se podem pronunciar, de onde o tribunal retira que “as questões colocadas às testemunhas e os seus depoimentos em nada ficam prejudicados pela mesma alteração da qualificação jurídica” (fls. 40 811 e 40 812).

Mais: o tribunal afirma ainda que “o exercício do direito de defesa, quando se concretize na produção de prova, deverá ter por objeto a produção de novos meios de prova e não a repetição da prova produzida, como pretenderam os Recorrentes, sem que tenham apresentado qualquer fundamentação particular para que pudesse ser deferida a sua pretensão, tendo-se antes limitado a requerer, em bloco, aquela repetição” (fls 40 812 e 40 813).

Não restam, pois, dúvidas de que a interpretação normativa que o recorrente imputa ao tribunal a quo não coincide com a que o tribunal a quo efetivamente aplicou.

Em conclusão, o Tribunal não deve conhecer do objeto do recurso quanto às questões supra mencionadas nos nºs 11.1; 11.2 e 11.3, justificando-se a...

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