Acórdão nº 582/00 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução20 de Dezembro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 582/00

Proc. nº 730/99

  1. Secção

    Relatora: Maria Helena Brito

    Acordam da 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    I

    1. MS interpôs recurso para o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, nos termos do artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, da deliberação do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social do Centro (Serviço Sub-Regional de Leiria), de 16 de Janeiro de 1998, que indeferiu a candidatura a adoptante por si apresentada.

    Nas alegações produzidas nesse recurso (fls. 3 a 9), concluiu do seguinte modo:

    "1ª) A maternidade e o estabelecimento das condições de quem pode adoptar ou quem não pode adoptar, são conceitos extremamente complexos e que não admitem qualquer tipo de leviandade na sua fixação.

  2. ) É que, não pode omitir-se que a decisão positiva ou negativa de uma tal pretensão pode amputar, drástica e radicalmente a vertente afectiva de qualquer ser humano.

  3. ) Salvo o devido respeito, a decisão que ora se impugna poderá incorrer no vício da excessiva superficialidade.

  4. ) Entende a recorrente, de facto, que tem condições, humanas e materiais, para adoptar uma criança e que tem uma disponibilidade e experiência de vida susceptíveis de a levarem a desempenhar cabalmente o papel fundamental de Mãe.

  5. ) A essa convicção intrínseca não obstam as considerações tecidas tendentes a demonstrar o contrário pois que estas radicam em pressupostos fácticos algo desfasados da realidade histórica, e em elementos psicológicos circunstancialmente verdadeiros mas justificados por uma sucessão de eventos desagregadores da personalidade.

  6. ) Pelo que se conclui que o presente recurso deve proceder julgando-se a recorrente apta a ser Mãe e subsequentemente admitida como adoptante."

    1. No âmbito do mencionado recurso, foi determinada (cfr. despachos de fls. 85, 91 v.º, 94, 96 e 104): a realização de exame psicológico à requerente, a fim de aquilatar da sua capacidade para ser adoptante, e consequente notificação para a requerente formular quesitos a responder pelos peritos; a prestação de esclarecimentos pela requerente quanto a um seu anterior internamento em Estabelecimento de Saúde Mental; a inquirição das testemunhas indicadas pela requerente (a fls. 10 e 84) e pelo Ministério Público (a fls. 83 v.º).

      Posteriormente foram prestados os esclarecimentos pedidos (fls. 86, 88 e 90), foi junto ao processo um relatório pericial (fls. 100 a 101) e foram inquiridas as testemunhas indicadas pela requerente e pelo Ministério Público (fls. 105 a 109).

      O Ministério Público teve, de seguida, vista do processo, emitindo o seguinte parecer (fls. 110 a 110 v.º):

      "Analisando todos os elementos constantes dos autos, quer documentos recolhidos, quer declarações de peritos, quer o conteúdo das declarações das testemunhas inquiridas entendo que deverá ser mantida a decisão proferida pelo Conselho Directivo do C. R. S. S. do Centro sobre a pretensão formulada por MS de ser admitida como candidata à adopção.

      Com efeito, os elementos de prova trazidos aos autos não infirmam os fundamentos avançados por aquela instituição para denegar o pedido de MS.

      Em nosso entender, o direito a adoptar apenas poderá e deverá ser exercido por pessoas de recorte social, familiar, profissional e psicológico idóneo, em que, à priori, esteja afastado o risco de conferir qualquer instabilidade ou perigo ao desenvolvimento e integração de uma criança objecto de constituição do vínculo de adopção. No caso em apreço nos autos pensamos que o quadro pessoal e vivencial da requerente MS não se evidencia como claro, seguro, estável, em ordem a permitir a esta o assumir o papel de adoptante sem a ocorrência de risco para qualquer eventual adoptado.

      O melindre da situação em causa – admissão de MS como candidata a adoptante – exige uma certa unanimidade, uma certa convergência de opinião, uma inquestionável aprovação da mesma para o exercício do direito de adoptar que, no caso, não se verifica, legitimando assim as dúvidas expostas quanto à sua idoneidade e capacidade para adoptar.

      Face ao exposto, abstraindo de outras considerações, promovo se profira decisão."

      O recurso foi julgado improcedente, por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria de 24 de Novembro de 1998. Pode ler-se nessa decisão (fls. 110 v.º a 114 v.º), para o que aqui releva, que:

      "[...]

      Quanto à pessoa da candidata a adoptante, MS, para além do que flui dos autos, designadamente do processo administrativo, o seu carácter solitário, amargurado (solitário) e falho de referências afectivas, saiu seguramente reforçado pela prova que veio oferecer nos presentes autos. Tomemos as testemunhas inquiridas: nenhuma, dentre elas, conhecia a recorrente num outro contexto que não o da escola onde, em determinado ano lectivo, ambas leccionaram; nenhuma dentre elas conhecia uma outra MS que não a professora. A recorrente não trouxe aos autos um único elemento de carácter «doméstico», ou seja, nada sabemos sobre o seu lar, sobre a pessoa que é quando termina o seu dia de trabalho, sobre a forma como consome as suas horas de lazer. Não temos dúvidas em afirmar que a requerente não tem amigos pois se os tivesse quem, melhor do que eles, para depor sobre o seu carácter, a sua afabilidade, a ternura que diz ter para dar, as coisas que a emocionam ou as que a fazem rir.

      Por outro lado, e se é verdade que os filhos não escolhem os pais, bons ou maus, também o inverso é verdadeiro. Reconhecendo-se embora que a um candidato à adopção tal, como de resto, em relação ao pai ou mãe biológicos, é legitimo ter o desejo de que o seu filho seja saudável, já não se vislumbra como possível que um progenitor diga «Não quero o meu filho porque nada me garante que de futuro não venha a ter problemas de saúde».

      Em conclusão, também nós consideramos que a recorrente não detém a estabilidade afectiva, emocional e social adequadas e indispensáveis a alguém que se propõe acolher, criar e amar uma criança como se fosse sua filha, o que determina a improcedência do presente recurso."

    2. Notificada desta decisão, MS veio arguir a sua nulidade (fls. 116 a 121), em virtude de, designadamente, não lhe ter sido notificada a promoção do Ministério Público de fls. 110 dos autos. Tal circunstância tê-la-ia impedido de exercer o contraditório face à argumentação expendida pelo Ministério Público.

      Requereu, ainda, que fosse julgada inconstitucional a "norma constante do art. 8º, n.º 3, in fine [do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio], pelo menos na interpretação sufragada pelo Tribunal, na medida em que impediu o exercício do contraditório por banda da requerente, violando assim o art. 20º da CRP.".

      Notificado deste requerimento, veio o representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria dizer, em síntese, o seguinte (fls. 129 a 131):

      "[...]

      A presente Acção, apresentando-se como um recurso de decisão administrativa, não se apresenta como um «processo de partes», em que duas posições se confrontam e opõem, mas antes como um processo em que se pretende a apreciação judicial de decisão tomada administrativamente. Inexiste uma oposição institucionalizada e sistemática à posição da recorrente. Ninguém e, nomeadamente, o Ministério Público se posiciona «ab initio» contra a recorrente ou em defesa da posição da entidade administrativa. No caso, o Ministério Público, tal como a recorrente contribuem para a decisão judicial a proferir, solicitando diligências, promovendo a junção de elementos probatórios, carreando para o processo contributos que permitam ao Exmº Juiz decidir sobre o recurso interposto.

      Esta fase investigatória não está definida nem a produção de prova se mostra vinculada a condução obrigatória. Neste momento processual, a recorrente, o Ministério Público e o Juiz podem, sob o arbítrio deste, promover os autos, solicitando a produção de prova, diligenciando pela junção de elementos que entendam necessários para uma decisão.

      Concluída esta fase, é dada vista ao Ministério Público para se pronunciar. Esta intervenção permitida por força da Lei, cfr. art. 8, nº 3 do Dec-Lei 185/93, de 22.5, aparece como expressão da função e papel do Ministério Público como entidade jurisdicional. Ela não é colorida por uma posição, mas norteada por um sentido de legalidade e de justiça, com o objectivo de contribuir para uma decisão final correcta e adequada.

      O objecto do princípio do contraditório prende-se com a necessidade de equilibrar «partes», de colocar em pé de igualdade sujeitos processuais em confronto, o que, no caso vertente, não acontece, pois, nos autos ninguém está contra alguém, antes se procura analisar a bondade de uma decisão de tipo administrativo. Anote-se que o Ministério Público, ao pronunciar-se nos autos poderia ter aderido à tese da recorrente, opinando no sentido da sua admissibilidade a candidata a adoptar. Tal possibilidade demonstra a natureza especial dos presentes autos. Por outro lado, à recorrente foram dados todos os meios para pugnar pela sua posição, admitindo-se a produção da prova que entendeu necessária e a formulação de quaisquer juízos ou pareceres sobre a sua pretensão. Nesta medida não entendemos como possa ter sido violado o princípio do contraditório e como a norma acima indicada possa violar qualquer preceito constitucional.

      [...]."

      Por despacho de 26 de Julho de 1999, foi indeferida a mencionada arguição de nulidade e consequentemente mantida a decisão proferida, por fundamentos idênticos aos expendidos pelo representante do Ministério Público. Lê-se no texto do despacho (fls. 132º v.º a 133 v.º) que:

      "[...]

      Conforme bem refere o D. Magistrado do MP. o presente recurso não tem a configuração de um processo de partes nem existe litígio que oponha a recorrente ao MP., impondo o exercício do contraditório. A actuação do MP. inscreve-se no âmbito do disposto no art. 3º nº 1 al. a), 5º nº 4 e 6º da LOMP, que define a sua intervenção acessória, competindo-lhe contribuir para uma decisão mais justa, sem que assuma uma posição...

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