Decisões Sumárias nº 250/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução08 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 250/06

Processo n.º 297/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – A. e B., Lda., melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade das normas jurídicas que tipificam o crime de abuso de confiança contra a segurança social, ou seja o art. 27.º-B, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (na redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro e pelo Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho), e o art. 107.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infracções Tributárias, de per si e quando conjugadas com o art. 205.º do Código Penal; art. 1.º, 18.º, nºs 1 e 3, art. 20.º, nºs 1 e 2, art. 28.º, n.º 1, art. 30.º, n.º 1, alínea a), art. 31.º, n.º 1 e art. 34.º, estes da Lei Geral Tributária; com o art. 1.º, art. 5.º, n.º 2 e art. 13.º, estes do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que aprovou o Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência; com o art. único do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro; com o art. 10.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho; e, bem assim, com o art. 78.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de [2] de Setembro” por entenderem que “as referidas normas que tipificam o crime de abuso de confiança contra a segurança social, de per si e quando conjugadas com as demais normas (…), violam: art. 2.º, art. 3.º, n.º 2 e n.º 3, art. 8.º, n.º 1 e n.º 2, art. 18.º, n.º 2, art. 27.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como o art. 1.º do Protocolo n.º 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cuja interpretação diferirá do que tem sido explanado pelo Tribunal Constitucional) e, consequentemente, os princípios constitucionais da legalidade, da proibição do excesso e da proporcionalidade (com os respectivos corolários princípios da adequação e da necessidade), e, bem assim, o princípio transconstitucional da unidade da ordem jurídica, e respectivo corolário princípio de justiça, subjacente ao Estado de Direito em sentido material”.

2 – Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, datada de 5 de Julho de 2004, foram os ora recorrentes condenados pela prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à segurança social, previsto e punido pelos artigos 30.º e 79.º do Código Penal e pelos artigos 24.º e 27.º-B do Decreto-Lei n.º 20-A/90, na redacção então vigente, e actualmente previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1, e 107.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/01, de 5 de Junho.

3 – Inconformados, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, onde sustentaram, em síntese, que:

A) - vem o presente recurso interposto da sentença que julgou quanto à:

I - Matéria Penal

parcialmente procedente o despacho de pronúncia e condenou o arguido A., ora recorrente, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 15,00, num total de € 1.350,00 e a sociedade/arguida "B., Lda.", ora recorrente, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 8,00 num total de € 1.440,00, cada qual pela prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à segurança social, p. e p. nos artºs 30º e 79º do Código Penal e nos artºs 27º-B e 24º, nº 1, ambos do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15/01 - Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (adiante, abreviadamente, designado por RJIFNA), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei nº 140/95, de 14/07 e pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24/11, e actualmente p. e p. pelos artºs 107º, nº 1 e 105º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/2001, de 05/06 - Regime Geral das Infracções Tributárias (adiante, abreviadamente, designado por RGIT);

II - Matéria Civil

parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e condenou os demandados-arguidos A. e "B., Lda." a pagar-lhe a importância de € 24.485,15, acrescida de juros moratórios computados desde o termo do respectivo prazo para pagamento voluntário de cada uma das prestações relativas aos meses de Fevereiro e Maio a Dezembro de 1999 e Janeiro a Maio de 2000, à taxa anual de 10% até 17/04/99, 7% de 18/04/99 até 30/04/2003, e de 4% desde então até pagamento integral e efectivo.

B) - a sentença recorrida é ilegal por ter condenado os arguidos ora recorrentes pela prática dum crime previsto e punido por disposição legal materialmente inconstitucional: art. 27º-B RJIFNA que corresponde ao actual art. 197º do RGIT -, assim infringindo o disposto no art. 204º da CRP;

C) - na verdade, estas normas que tipificam o crime de abuso de confiança em relação à segurança social padecem do vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional de proibição do excesso ou de proporcionalidade (e seus respectivos corolários: princípio da adequação e da necessidade), previsto no art. 18º, nº 2 da CRP e também por violação do princípio transconstitucional da unidade da ordem jurídica;

D) - com efeito, quanto ao princípio da proibição do excesso, o bem jurídico que as referidas normas inconstitucionais pretendem proteger, atenta a sua natureza meramente obrigacional e creditícia, não é um bem jurídico digno de tutela penal ou criminalmente vincuIante, já que a sua violação não põe em causa os bens ou condições indispensáveis à sociedade, que constituem a dimensão axiológica do bem jurídico-penal;

E) - sem conceder, ainda que tal bem jurídico tivesse dignidade penal, não se verifica o pressuposto da necessidade da pena, havendo no sistema jurídico outros meios legais menos lesivos dos direitos fundamentais dos cidadãos, neste caso do arguido, adequados e suficientes à defesa do bem jurídico em causa;

F) - é, assim, o direito penal, atenta à natureza das específicas sanções, um direito de tutela subsidiária ou de ultima ratio de específicos bens jurídicos, portadores de eminente dignidade penal e carentes de tutela penal;

G) - no que se refere ao princípio transconstitucional da unidade do sistema jurídico, a sua ofensa resulta das insanáveis contradições formais e axiológicas de que padece o referido crime de abuso de confiança em relação à segurança social;

H) - a contradição formal traduz-se no facto de estarmos perante uma relação jurídica de natureza obrigacional, cujo sujeito activo é a segurança social, e, em seu lugar, o legislador ter ficcionado uma relação de propriedade por parte desta entidade sobre o objecto de tal relação, ou seja sobre o montante das contribuições devidas pelos trabalhadores, assim possibilitando responsabilizar criminalmente a entidade patronal e a sua administração pela prática de um crime de abuso de confiança;

I) - do mesmo passo, o legislador pretendeu garantir, através da via criminal, a responsabilidade pessoal dos gerentes da sociedade, neste caso o arguido, pelo pagamento das referidas contribuições, sabendo, como sabia, que só o poderia responsabilizar tributariamente desde que o mesmo tivesse agido com culpa, nos termos do art. 78º, nº 1, do C.S.C., in Ac. Dout. S.T.A., nº 423, p. 374 e ss.; e também defendido pela doutrina, por exemplo pelo Prof. Diogo Leite Campos, in A responsabilidade subsidiária em direito tributário dos gerentes e administradores das sociedades - , R.O.A., Ano 56º, Agosto/96, p. 47 e ss.;

J) - aquela contradição formal dá, assim lugar, à contradição axiológica, quando o legislador confere ao não cumprimento da obrigação pecuniária não só a dignidade, mas também a necessidade de pena;

L) - tais contradições desarmonizam a ordem jurídica no seu conjunto, já que uma relação jurídica obrigacional é tratada como tal em todas as normas que lhe respeitam excepto pelas citadas disposições legais inconstitucionais, que atribuem ao seu não cumprimento a natureza de um crime;

M) - ora, a diversa valoração pela mesma ordem jurídica de factos com idêntico sentido, isto é, materialmente equivalentes, aparece como uma contradição axiológica que não é compatível com a exigência de justiça (Karl Larenz, Metodologia de Ciência do Direito, p. 373 e segs.);

N) - assim é que a eliminação das contradições lógico formais e axiológicas, nomeadamente através da declaração da inconstitucionalidade, corresponde a um postulado de justiça;

O) - sem conceder, não se devem considerar provados os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança em relação à segurança social tal como este vem tipificado nas mencionadas normas no art. 27º-B, do RJIFNA e actualmente no art. 107º do RGIT;

P) - na verdade, ao contrário do que refere a sentença recorrida, não se provou que o arguido tenha deduzido nem retido e muito menos se apropriado das contribuições devidas pelos seus trabalhadores referentes aos períodos de tempo constantes da acusação, nem tão pouco se provou que o houvesse na caixa da sociedade ou em depósitos bancários em seu nome quantia excedente aos salários líquidos pagos aos trabalhadores nos períodos referidos na acusação e nas datas em que se venceram as respectivas contribuições tributárias;

Q) - assim, a sentença recorrida não apreciou nem fixou correctamente a prova produzida quanto à matéria de facto, nomeadamente, no que se refere à matéria dos itens 2 (quanto à retenção das contribuições ), 3 (quanto à determinação de não proceder à entrega da importância das alegadas contribuições), 5 (quanto à afectação das referidas contribuições ao proveito da sociedade), 8 (quanto ao propósito de obter para a arguida benefícios patrimoniais indevidos, apoderando-se das contribuições devidas pelos trabalhadores) e 11 (quanto à apropriação das mesmas contribuições e a sua integração no giro económico da empresa);

R) - por outro lado, impunha-se também que a sentença considerasse...

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