Acórdão nº 483/00 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Novembro de 2000
Data | 22 Novembro 2000 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.o 483/00
Processo: n.º 670/98.
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Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1 A., melhor identificado nos autos, requereu em 3 de Abril de 1998 à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 30 de Março de 1998 que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva.
Em 15 de Abril de 1998, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais deliberou ratificar o despacho do Presidente desse Conselho, de 7 de Abril do mesmo ano, proferido no âmbito do incidente de suspensão de eficácia deduzido, que reconhecera a grave urgência para o interesse público na imediata execução do acto cuja suspensão de eficácia fora pedida.
Por intermédio de pedido que deu entrada no Supremo Tribunal Administrativo em 27 de Abril de 1998, o requerente veio questionar esta decisão, terminando por requerer, ao abrigo do disposto no artigo 81.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho:
Que o tribunal adopte, com urgência, «as providências convenientes», nomeadamente, as seguintes: a) Que ordene à entidade ré que diligencie pelo processamento dos vencimentos do requerente: b) Que ordene à entidade ré que diligencie no sentido de repor imediatamente o vencimento subtraído da conta do requerente, respeitante ao corrente mês de Abril.
Em 13 de Maio de 1998, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu acórdão que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia requerida e decidiu
não conhecer do pedido de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida ou relativo à reposição de vencimentos.
2 Desta decisão pretendeu o requerente interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional), com vista à apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos seguintes preceitos:
artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro;
artigo 80.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho;
artigo 170.º, n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85 de 30 de Julho, na redacção da Lei n.º 10/94, de 5 de Maio.
O relator no Tribunal Constitucional, por despacho de 13 de Outubro de 1998, depois de ponderar que «no momento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente não gozava como seria necessário, não tendo constituído advogado (artigo 83.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional) do direito de advogar em causa própria, por o acto de aplicação da pena de aposentação compulsiva estar a produzir efeitos», fixou ao recorrente o prazo de dez dias para constituir mandatário, vindo este a juntar aos autos procuração forense.
3 Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1.ª A alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril [Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)], na parte em que defere ao Supremo Tribunal Administrativo a competência para conhecer dos actos praticados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, chama a decidir um «tribunal» cujos juízes estão na absoluta dependência e subordinação à parte contrária, já porque estão sujeitos à respectiva «acção disciplinar», já porque estão sujeitos à «acção pedagógica» dos respectivos agentes, já porque são por ela livremente «distribuídos» e amovíveis, e não têm a garantia de que receberão o seu vencimento ao fim do mês, já porque podem ver as suas contas bancárias particulares congeladas por elementos da entidade ré.
2.ª Por outro lado, a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um «tribunal» que forneceu e fornece, pagou e paga, todos os funcionários da parte contrária, a quem fornece igualmente instalações, telefone, faxes e dinheiro do seu orçamento e deixa utilizar gratuitamente a sala de sessões do mesmo e faculta que os membros da parte contrária se sentem nas cadeiras dos juízes.
3.ª Acresce que a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um «tribunal» que, em violação do artigo 216.º, n.º 3, da Constituição, aceitou que um juiz seu desempenhasse funções administrativas ao serviço da parte contrária e deixa-se presidir pela mesma pessoa que preside à parte contrária, e que tem poder disciplinar sobre os funcionários judiciais, encarregados de tramitar o processo.
4.ª A questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um «tribunal» que daria, como deu, acesso total e permanente aos autos por banda da parte contrária, dispondo deles 24 horas por dia, sem ter necessidade de os pedir a ninguém. Não assim por parte do requerente.
5.ª A questionada alínea c) do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um «tribunal» no qual um Magistrado do Ministério Público interviria, como interveio, em apoio da parte contrária, e que deu parecer no sentido de «indeferir-se o pedido» feito pelo recorrente, aduzindo argumentos novos, sobre os quais o recorrente nada pôde dizer, por nem sequer lhe ter sido notificado, e que se destinou a influenciar, a decisão do tribunal.
6.ª Sendo certo que o requerente jamais foi convocado para qualquer audiência ou para a leitura do acórdão e jamais usou da palavra, a questionada alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF chamou a decidir um «tribunal» em que o Magistrado do Ministério Público seria como, convocado para a sessão secreta em que o tribunal decidiu o processo e tomou parte nela, sendo «ouvido», defendendo posição todo favorável à posição da parte contrária e desfavorável à posição do requerente. Ademais, o Magistrado do Ministério Público que esteve presente até tinha poderes de mover processo crime ao juízes que estavam a decidir e, sendo caso disso, podia prendê-los. Vincando bem a sua presença, o Magistrado do Ministério Público assinou também o acórdão do «tribunal».
7.ª A decisão recorrida (como aliás, o despacho do Ex.mo Conselheiro relator, de 13 de Outubro de 1998) considerou que a «resolução fundamentada» prevista no n.º 1 do artigo 80.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [LPTA], constituída pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, pode ser emitida pela «autoridade administrativa» contra um juiz.
8.ª Todavia, uma tal solução viola o princípio do Estado de direito, que exige a subordinação da Administração Pública à jurisdição, assim como viola a garantia da inamovibilidade dos juízes e o princípio constitucional, que se extrai dos artigos 2.º, 130.º, n.os 2 e 3, 157.º, n.os 2 a 4, 160.º, n.º 1, alíneas a) a d), 196.º, n.os 1 e 2, 216.º, n.º 1, e 222.º, n.os 5 e 6, da Lei Fundamental, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem perder o cargo em virtude de acto de outro órgão de soberania. Se assim não fosse, a entidade ré seria, com o Conselho Superior da Magistratura, a autoridade máxima no país e seria legal a sua prática de desligar juízes do serviço com efeitos retroactivos, deste modo, tornando inexistentes ou, pelo menos, nulas e de nenhum efeito as respectivas sentenças.
9.ª Além disso, na situação dos autos, o n.º 1 do artigo 80.º da LPTA é orgânica e formalmente inconstitucional quando feito valer contra um juiz, pois foi emitido pelo Governo, exercendo, aliás, competência legislativa própria.
10.ª A decisão recorrida aplicou o n.º 2 do artigo 170.º da Lei n.º 21/85, na interpretação segundo a qual o recurso interposto das decisões expulsivas de juízes não tem, por si só, efeito suspensivo, tendo o interessado de interpor processo de suspensão de eficácia da decisão.
11.ª Ora, o recurso só teria efeito meramente devolutivo se a Administração Pública fruísse do privilégio de execução prévia contra o juiz, o que resulta já demonstrado não ser o caso, tanto mais que os juízes têm um estatuto constitucional próprio, sendo que a Constituição, nos seus precisos termos e mais não permitindo, apenas defere ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) o «exercício da acção disciplinar» e não o «poder disciplinar», ou seja, o CSTAF tem a faculdade de actuar «apenas como promotor de justiça junto de um órgão independente que, atendida a defesa do arguido, profere uma sentença», não lhe cabendo exercer o poder de condenar, o poder de julgar e punir.
12.ª O douto acórdão recorrido violou as seguintes normas e princípios constitucionais:
a) Quanto à alínea c) do n.º 1 do artigo 26.º do ETAF, mostram-se violadas as normas dos artigos 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, e 8.º, n.os 1 e 2, da Constituição, os princípios do Estado de direito e separação de poderes consagrados no artigo 2.º da Constituição, o disposto no artigo 203.º da Constituição, que consagra o direito do recorrente a «tribunais [que sejam] independentes», o direito de defesa, consagrado nos artigos 32.º, n.º 1, e 269.º, n.º 3, da Constituição e o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição que confere ao requerente o direito a um «processo equitativo»;
b) Quanto ao n.º 1 do artigo 80.º da LPTA, mostram-se violadas as normas dos artigos 2.º, 167.º, alínea g) (versão de 1982), e 216.º, n.º 1, da Constituição, e o princípio constitucional, que se extrai dos artigos 2.º, 130.º, n.os 2 e 3, 157.º, n.os 2 a 4, 160.º, n.º 1, alíneas a) a d), 196.º, n.os 1 e 2, 216.º, n.º 1, e 222.º, n.os 5 e 6, da Lei Fundamental, segundo o qual os titulares de órgãos de soberania só podem ser afastados do cargo por outro órgão de soberania;
c) Quanto ao n.º 2 do artigo 170.º da Lei n.º 21/85, foram violadas as normas dos artigos 2.º e 216.º, n.º 1, da Constituição, e o princípio...
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