Acórdão nº 01030/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução28 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO A...

Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, veio requerer a suspensão de eficácia da deliberação do CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (CSTAF) de 5 de Novembro de 2008, que lhe aplicou a sanção disciplinar de 100 (cem) dias de suspensão de exercício de funções, por violação do dever profissional de zelo, prevista e punida pelos artº 89º, 94º e 104º, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho ex vi artº 57º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).

Alega fazê-lo como preliminar à acção administrativa especial de impugnação de actos que irá intentar, ao abrigo dos artº 168º e segs. do EMJ e artº 112º e seguintes do CPTA.

Como questão prévia, o Requerente defende que o artº 170º, nº 5 do EMJ, que dispõe que « a suspensão da eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções», deve ser interpretado à luz do direito à tutela judicial efectiva consagrado nos artº 20º e 268º, nº 4 da CRP e com apelo ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo exigido pelo artº 18º da CRP, pelo que, pese embora a redacção daquele preceito, a presente providência deve ser admitida, desde que verificados os pressupostos exigidos por lei, sob pena de violação dos citados preceitos constitucionais e ainda do princípio da presunção de inocência do arguido, previsto no nº 2 do artº 32º da CRP.

Quanto aos pressupostos da providência requerida, alega, em síntese, que: - verifica-se o fumus boni iuris, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, já que é manifesta a ilegalidade do acto suspendendo, porquanto está ferido de vários vícios geradores de nulidade insanável e de anulabilidade, a saber: (a) não indicação concreta dos deveres profissionais violados e das infracções cometidas, (b) não indicação da pena aplicável às alegadas infracções cometidas, (c) incorrecta definição do período temporal abrangido pelo processo disciplinar, (d) violação do princípio do contraditório por produção da prova e respectiva valoração após a resposta ao requerente, (e) não verificação de infracção disciplinar, (f) não consideração do facto de não ser exigível outro comportamento ao requerente, (g) desproporcionalidade da pena aplicável, (h) não atenuação especial da pena; - quanto ao periculum in mora, a não suspensão do acto, atento os efeitos que são atribuídos à pena de suspensão de exercício previstos no artº 104º do EMJ, nomeadamente a perda de remuneração, é susceptível de lhe causar danos patrimoniais e não patrimoniais irreparáveis, na medida em que o requerente fica privado do seu vencimento durante o mesmo período, pelo que não terá condições para suprir as suas necessidades e as do seu agregado familiar, além dos danos na sua reputação e imagem profissional e natural tristeza de ver manchada a sua carreira; - quanto à ponderação de interesses, refere, em suma, que analisado o desvalor das condutas imputadas ao ora Requerente e as suas condições de trabalho, as mesmas não revestem gravidade que coloque em causa o bom funcionamento dos serviços e a imagem e o prestígio da justiça e da magistratura, referindo, por outro lado, que a suspensão da deliberação punitiva aqui em causa até é favorável ao interesse público, pois, dado a escassez de magistrados nos Tribunais Administrativos e Fiscais, o CSTAF terá que providenciar, se não providenciou já por um substituto para o desempenho das mesmas funções, substituto que terá de exercer essas mesmas funções em regime de acumulação, pelo que é inevitável que a celeridade da Justiça seja posta em causa.

*Citada a entidade requerida, veio deduzir oposição alegando, em síntese, que: - o artº 170º, nº 5 do EMJ, na redacção actual que é a introduzida pela Lei 143/99, de 31.08, visou alterar o regime anterior, que permitia a suspensão da eficácia da pena disciplinar de suspensão do exercício de funções de magistrados judiciais e que tal preceito não é inconstitucional, seja encarado como um condicionamento, seja como uma restrição ao conteúdo do direito de acesso à justiça do visado pela sanção disciplinar, antes constitui uma medida legal necessária para a preservação de valores superiores, também eles constitucionalmente consagrados, como os valores de acesso ao direito, da administração da justiça e da confiança no sistema judicial, sendo que, como é jurisprudência do STA e do T. Constitucional que a plenitude do direito de acesso aos tribunais não é necessariamente posta em crise pela imposição de condicionamentos a esse direito.

- quanto aos pressupostos da providência requerida, entende que não se verificam, refutando todos os argumentos invocados pelo requerente para sustentar a manifesta ilegalidade do acto suspendendo e, portanto, o fundamento previsto na alínea a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, não considerando igualmente preenchidos os requisitos exigidos pela alínea b) do nº 1 e pelo nº 2 do citado preceito legal.

Foi ainda junta aos autos resolução fundamentadado CSTAF, a ratificar o despacho do seu Presidente junto a fls. 243 e segs. (cf. fls. 299 e segs.), a qual foi notificada ao Requerente.

Vêm agora os autos à conferência, para decisão.

*II - OS FACTOS Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos: a) O requerente é actualmente juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

b) O serviço prestado anteriormente pelo requerente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... no período compreendido entre 02.01.2004 e 15.09.2006, foi objecto de uma inspecção judicial ordinária, tendo-lhe sido proposta pelo Senhor Inspector que à mesma procedeu, a classificação de "Suficiente", a qual veio a ser homologada pela entidade requerida, o CSTAF, por deliberação de 20.03.2007 (cf. relatório de inspecção e deliberação do CSTAF, juntos, por cópia, a. fls. 41 a 47 e a fls. 48 a 52, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

c) Por despacho do Senhor Presidente do CSTAF, foi determinado em 10.04.2007, o seguinte: «Por deliberação de 20 de Março de 2007, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais atribuiu a classificação de "Suficiente" ao serviço prestado pelo Senhor Juiz A..., no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., no período compreendido entre 02.01.2004 e 15.09.2006.

Ora, de acordo com os elementos na posse deste Conselho, verifica-se que, após o termo daquela inspecção, a produtividade evidenciada pelo referido Magistrado continua muito inferior à da média dos restantes juízes daquele Tribunal.

Aliás, e relativamente à actuação daquele Magistrado, o Exmo. Inspector referiu que "inexplicavelmente e no que toca aos processos não urgentes (o Magistrado) mostrou um alheamento quase total, tanto mais incompreensível face à evidência verificada em todo o TAF/... de leveza da distribuição".

Assim, ao abrigo dos poderes delegados pelas deliberações de 18 de Dezembro de 2006 e de 31 de Maio de 2004, determina-se a instauração de inquérito para apuramento cabal das circunstâncias em que vem tendo lugar a actividade profissional do referido Magistrado.

Para o efeito, vai designado o Senhor Juiz Conselheiro, Dr.(... ).

Comunique-se por via confidencial.».(cf. doc. fls. 54) d) Na sequência do despacho referido em c), foi instaurado o processo de inquérito que obteve o nº 795 do CSTAF e realizada a respectiva instrução, foi elaborado em 23.01.2008, pelo senhor Conselheiro Instrutor, o relatório final, onde concluiu e propôs o seguinte: "Assoalhada assim a produtividade mensal do Senhor Juiz após encerramento da falada inspecção, afigura-se-nos que ela é bem inferior ao mínimo exigível a um magistrado já com quatro anos de efectivo exercício da judicatura. Na verdade, é de todo inaceitável que finde só 43 processos no ano judicial de 2007. Na área administrativa, em 1ª Instância, o patamar mais baixo aceitável de processos findos em dez meses úteis ronda, em nosso critério, a centena.

Objectivamente, perfila-se, portanto, reiterada e permanente violação do dever de zelo e de contribuição para a tarefa de administração pronta da justiça, do dever de adequação dos métodos de trabalho às exigências da função.

(...) Meio ano transcorrido, tudo continua na mesma em sede de eficácia - singularmente baixa. Resultados claramente negativos, sem que se vislumbre da parte do Senhor Juiz a reacção enérgica que se impõe (há muito).

Como assim, indicia-se alheamento e aparente despreocupação pelos processos e pelos prejuízos inerentes ao seu arrastamento indefinido, causados às pessoas neles implicadas e ao prestígio do poder judicial. Em vão, pois, a veemente exortação que ao Senhor Juiz fizemos, em mais de uma ocasião, no sentido de maior empenhamento no exercício das suas funções, de decidida entrega à ingente tarefa de diminuição bem acentuada das pendências.

Sendo insustentável esta crónica e grave situação anómala, não podendo, evidentemente, a inerente responsabilidade passar em claro, propomos a conversão do presente inquérito em processo disciplinar (artº 110º, nº 1 do EMJ)." Perante o exposto, a apontar para a existência de infracção disciplinar e concordando integralmente com a proposta formulada pelo Senhor Conselheiro Inquiridor, o Conselho delibera, nos termos e ao abrigo do artº 135º do EMJ ex vi artº 57º do ETAF, instaurar processo disciplinar contra o Senhor Juiz A... convertendo-se o processo de inquérito na parte instrutória do processo disciplinar, para o qual vai designado, como instrutor, o Senhor Juiz Conselheiro ....

Comunicações necessárias».(cf. doc. de fls. 56/57).

e) Face ao relatório referido em d), foi, por deliberação do CSTAF de 06.01.2008, determinado o seguinte: «Perante o exposto, a apontar a existência de infracção disciplinar e concordando integralmente com a proposta formulada pelo Senhor Conselheiro Inquiridor, o Conselho delibera, nos termos e ao abrigo do artº...

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