Acórdão nº 147/00 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Março de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução21 de Março de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 147/00

Proc. nº 56/00

TC – 1ª Secção

Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - M..., com os sinais dos autos, foi por força de despacho judicial de fls. 153, preso preventivamente.

Desse despacho recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. 192 e segs., negou provimento ao recurso.

Na motivação do recurso então interposto alegou o recorrente, no essencial, a falta de fundamentação do despacho impugnado, arguindo ainda a inconstitucionalidade das normas que regulam o regime das nulidades em processo penal (artigos 118º a 122º do CPP) por violação de vários preceitos constitucionais, no ponto em que permitissem que a falta de fundamentação pudesse ser objecto de sanação ou constituir mera irregularidade (sendo aqui invocada a norma do artigo 123º do CPP).

Ouvido sobre parecer emitido pelo Magistrado do MP junto da Relação, o recorrente invocou, ainda, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 97º nº. 4 e 194º nº. 3, ambos do CPP, quando interpretadas no sentido de que elas autorizam a simples remissão para as razões invocadas pelo MP noutro momento processual anterior achando-se com ela preenchido o dever constitucional de fundamentação das decisões que decretam a prisão preventiva.

No já citado acórdão de fls. 192 e segs. que negou provimento ao recurso, entendeu-se, entre o mais, que o despacho impugnado, encontrando-se embora fundamentado, enfermava de uma "deficiência formal" na medida em que fizera suas, reportando-se a elas mas sem contudo as reproduzir, razões constantes de outras peças processuais; tal constituiria uma mera irregularidade que, por não ter sido arguida no próprio acto, se encontraria sanada nos termos do artigo 123º do CPP; não atingindo aquela deficiência a substância do despacho, violado não seria nenhum dos princípios constitucionais que norteiam o citado artigo 205º nº. 1 da Constituição".

Requereu, ainda, o recorrente a aclaração deste aresto, aproveitando a oportunidade para pedir a apreciação da constitucionalidade do artigo 202º nº. 1 do CPP, se, aclarado o sentido em que fora aplicado, este fosse o de que os "fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, pudesse ter assento na "convicção pessoal" da entidade policial".

Indeferido o pedido de aclaração interpôs, então, o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 212 e segs. que se transcreve na íntegra:

M..., recorrente nos autos em epígrafe, não se conformando, salvo o devido respeito. com o douto acórdão que negou provimento ao recurso, vem respeitosamente através deste requerimento interpor recurso para o Tribunal Constitucional, fazendo-o ao abrigo da alínea "b" do nº 1 do artigo 70°, da Lei na 18/82, de 15 de Novembro,

razão porque passa a expor e requerer igualmente o seguinte:

  1. O douto acórdão de fls., que negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente, interpretou e aplicou os artigos 97º, nº 4 e 194º, nº 3, do CPP, no sentido de que autorizam a simples remissão para outra manifestação processual anterior, como suficiente para a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva.

  2. Contudo, salvo o devido respeito, o recorrente destaca para fins do n° 2 do artigo 75°-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que desde logo na peça processual de resposta à manifestação do Ministério Público, efectuada perante o Tribunal da Relação, suscitou a inconstitucionalidade dos citados artigos 97º, nº. 4 e 194°, n° 3, ambos do CPP, na interpretação e aplicação promovidas pelo douto acórdão, no sentido de autorizarem a referida remissão.

  3. E isto, salvo sempre o devido respeito, por considerar que tal interpretação e aplicação causam a inconstitucionalidade material dos referidos artigos, por violação dos artigos 1º,2º, 9º, al. b), 12º, nº 1, 17º, 18º, nº. 1, 20º, nº 1, 2, 4 e 5, 27º, 28º, 32º, nº 1, 205º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, bem ainda do artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

  4. E o douto acórdão interpretou e aplicou os artigos 118º, 119º, 121º, 122º e 123º, todos do CPP, no sentido de que "a deficiência formal da fundamentação implica simples irregularidade da decisão, passível de sanação".

  5. O recorrente suscitou, salvo sempre o devido respeito, a inconstitucionalidade de tal interpretação e aplicação dos referidos artigos, na peça processual de interposição de recurso do despacho que decretou sua prisão preventiva, o que igualmente destaca para fins do nº 2 do artigo 75º-A, da Lei 28/82, de 15 de Novembro.

  6. O douto acórdão de fls., salvo o devido respeito, aplicou e interpretou o artigo 202º, nº 1, do CPP, no sentido de que "os fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na convicção pessoal de entidade policial" (o que decorre cIaramente de sua afirmação, no sentido de que "...é manifesto que o Meritíssimo Juiz acolheu, implicitamente, no seu despacho, as razões de facto e de direito que aí constam...", sendo que de tal manifestação da entidade policial, que teria acolhido o MM. Juiz, consta a afirmação de que "... no caso, é nossa forte convicção...").

  7. Contudo, o recorrente destaca igualmente para fins do n° 2, do artigo 75º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que também suscitou a inconstitucionalidade de tal disposição, no apontado sentido em que veio interpretada e aplicada pelo douto acórdão, na peça processual de pedido de correcção, uma vez que não podia tê-lo feito antes por, salvo o devido respeito, não ser previsível tal interpretação e aplicação, que não apenas contrariam desde logo os próprios termos do douto acórdão recorrido, como tiveram assento em manifestação cujo conhecimento não foi dado ao recorrente, em virtude do segredo de justiça.

  8. E, salvo igualmente o devido respeito, entende o recorrente que o referido artigo 202º, nº 1, do CPP, na referida interpretação e aplicação promovidas pelo douto acórdão, encontra-se ferido de material inconstitucionalidade, por violação dos artigos 1º, 2º, 9º, al. b), 12º, nº 1, 17º, 18º, nº 1, 20º, nºs. 1, 2, 4 e 5, 27º,28º,32º, nº 1, 205º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, bem ainda do artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

  9. Pretende o recorrente, que as referidas inconstitucionalidades sejam apreciadas pelo Venerando Tribunal Constitucional.

  10. Salvo mais douto entendimento. o recurso tem efeito e regime de subida indicados no nº 3, do artigo 78º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.

    Nestes termos, aguardando a legal oportunidade para a apresentação de suas alegações, requer respeitosamente seja admitido em seus legais efeitos e regime de subida, o recurso que se interpõe ao abrigo da citada alínea "b", do n° 1, do artigo 70º, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, seguindo-se os respectivos termos legais, com o encaminhamento para o Venerando Tribunal Constitucional, para que venham a ser apreciadas e reconhecidas as inconstitucionalidades das referidas normas interpretadas e aplicadas pelo douto acórdão.

    Pelo despacho de fls. 218, o relator determinou que se procedesse a alegações, desde logo limitando o objecto do recurso.

    Transcreve-se na íntegra o referido despacho:

    "Nos presentes autos de recurso, o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas contidas nos seguintes preceitos legais, todos do Código de Processo Penal:

    Artigos 97º nº 4 e 194º nº 3

    Artigos 118º, 119º, 121º, 122º e 123º

    Artigo 202º nº 1

    Entende-se, contudo, que a questão normativa a apreciar, na perspectiva da constitucionalidade da norma ou normas aplicadas na decisão recorrida, é apenas a de saber se é conforme à CRP considerara como mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP, sanável por falta de impugnação, a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para as razões – que faz suas – de outras peças processuais.

    É este, de facto, o sentido do acórdão recorrido, ao declarar "sanada a irregularidade consistente na deficiência formal do despacho recorrido ", deficiência que residiria na circunstância deste despacho remeter, sem as especificar, para as razões expostas na promoção do Ministério Público.

    Para tanto, a norma concretamente aplicada é a do artigo 123º do CPP, que no entanto só poderá ser entendida convocando o regime estabelecido no CPP sobre nulidades – e neste sentido se admite, pois, que as normas pertinentes a esse regime constituam objecto do presente recurso (não constando expressamente das nulidades previstas aquele tipo de fundamentação, a questão é equacionada no âmbito das irregularidades).

    No que concerne à norma do artigo 202º nº 1do CPP o recorrente entende que este preceito legal "(...) foi interpretado e aplicado no sentido de que os "fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na "convicção pessoal" de "entidade policial", violando, também por essa via, o dever de fundamentação das decisões judiciais"

    Contudo, em vão se procura no acórdão recorrido a aplicação de tal dispositivo, pelo que, nesta parte, não pode este Tribunal tomar conhecimento do recurso por manifesta inobservância dos pertinentes pressupostos processuais, a saber: aplicação efectiva da norma impugnada pela decisão recorrida como ratio decidendi.

    Mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que o recorrente só suscitou a questão de inconstitucionalidade no pedido de aclaração do acórdão recorrido, podendo e devendo fazê-lo, ao menos na fase em que respondeu ao parecer do Ministério Público em 2ª instância que "já mantinha as razões expostas a fls. 125 a 127"; era então, enquanto admitia como de resto admitiu na referida resposta que tivesse havido tal remissão, que o recorrente...

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