Acórdão nº 251/20.1PCSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 251/20.1PCSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal [Juiz 3] da Comarca de Setúbal, o Ministério Público acusou AAA, divorciado, (…) nascido a 3 de setembro de 1973 (…), pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal.

O Arguido apresentou contestação escrita com o seguinte teor [transcrição]: «Oferecendo o merecimento dos autos, e tudo o mais que possa resultar em sua defesa da audiência de discussão e julgamento.

» Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 30 de novembro de 2021, foi, entre o mais, decidido: «

  1. Condeno o arguido AAA como autor material de um (1) crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de um (1) ano e um (1) mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período de um (1) ano e um (1) mês, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença.

  2. Mais condeno o arguido no pagamento dos encargos do processo [art. 514.º, n.º 1 do C.P.P.], fixando-se a taxa de justiça em duas (2) UC – [artigos 374.º, n.º 4, e 513.º, n.º 1 do C.P.P., e art. 8.º, n.º 9 do R.C.P. e tabela III a este anexa] (…)» Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «A. A sentença proferida pelo tribunal a quo padece de nulidade.

B. Em primeiro lugar, porque não foi tomada pelo tribunal uma posição sobre todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, como impõe o artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

C. De acordo com o artigo 368.º, n.º 2, os factos que relevam são, nomeadamente, os importantes para as questões de saber se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime, se o arguido praticou o crime ou nele participou, e se o arguido atuou com culpa.

D. Tendo o ARGUIDO e as testemunhas (…) e (…) apresentado uma versão inteiramente dos factos totalmente distinta da Acusação, impunha-se uma tomada de posição sobre os mesmos.

E. Pelo que está a Sentença inquinada de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), primeira parte, por não conter a completa enumeração dos factos provados e não provados, exigida no artigo 374.º, n.º 2.

F. Em segundo lugar, na sentença recorrida, não existe qualquer fundamentação para o facto de BBB e CCC, as queixosas, se enquadrarem no conceito de “funcionário” plasmado no artigo 347.º do Código Penal.

G. De facto, são apenas referidas na mesma generalidades sobre este conceito, não sendo nunca explicitado por que motivo se subsume a situação das vítimas do crime por que vem o ARGUIDO condenado a esta previsão.

H. Assim, não fica clara, nem subentendida, a relação entre os factos e o Direito, não podendo o ARGUIDO compreender qual a razão subjacente à sua condenação, nesse ponto.

I. A falta de fundamentação da sentença quanto às razões para o preenchimento do tipo plasmado no artigo 347.º do Código Penal impossibilita ao arguido a compreensibilidade e sindicabilidade da sentença nesta parte, ferindo-a de nulidade.

J. Estando, também, a sentença inquinada de nulidade por falta de fundamentação, por não tornar inteligíveis as razões de Direito que fundamentam a decisão, nos termos dos artigos artigo 379.º, n.º 1, alínea a), primeira parte e 374.º, n.º 2 do CPP.

K. Além disto, a sentença padece ainda de vícios no julgamento da matéria de facto.

L. Desde logo, decorre da intervenção do Meritíssimo Juiz do tribunal a quo que o mesmo parecia ter efetuado um juízo acerca da factualidade em causa antes da produção integral de prova, como decorre das declarações do ARGUIDO (prestadas no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 13:41 a 13:54, 15:04 a 15:13 e 15:21 a 15:43) e das declarações finais do mesmo (feitas no dia 23/11/2021, com início às 11:10:07 e fim às 11:17:18 (00:07:11), cfr. ficheiro áudio 20211123111005_3655132_2871798, minutos 02:42 a 03:14).

M. Os factos constantes do n.º 1 dos factos provados estão parcialmente incorretos.

N. Decorre das declarações do ARGUIDO (prestadas no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 07:40 a 08:47 e 09:18 a 09:43) e do depoimento da testemunha (…) (ouvida no dia 23/11/2021, com início às 10:06:30 e fim às10:35:12 (00:28:42), cfr. ficheiro áudio 20211123100631_3655132_2871798, minutos 07:42 a 08:46) que o arguido esteve, no dia 14 de Março de 2020, entre as 12h00 e as 12h25, o arguido entre o patamar do oitavo andar e o do nono, junto à morada (…).

O. Este facto não é contrariado por outra prova testemunhal, e decorrem de declarações coerentes entre si, e coerentes em si mesmas, não existindo razões para que exista dúvida acerca da sua veracidade.

P. No n.º 1 dos factos provados, deverá passar a ler-se “No dia 14 de Março de 2020, entre as 12h00 e as 12h25, o arguido estava entre o patamar do oitavo andar e o do nono, junto à morada sita na Rua (…), então, sede da empresa “… Lda.” e da qual era o legal representante, para receber notificação judicial avulsa, no âmbito do P.º 1154/20.5T8STV.” Q. Os factos constantes do n.º 2 dos factos provados estão, também, parcialmente incorretos.

R. Retira-se do aviso com dia e hora certos, cuja cópia consta dos presentes autos, com a ref.ª 5030242, de 24/03/2020, que a mencionada notificação seria feita no dia 14/03/2020, entre as 12h00 e as 12h15.

S. E do facto n.º 1 do elenco dos que foram dados como provados na sentença recorrida, bem como do auto de notícia, com cópia junta aos presentes autos no documento com ref.ª 5030242, que apenas ficou provado que os factos se passaram após as 12h25, tendo, portanto, BBB e CCC chegado ao local descrito após as 12h25, o que é depois das 12h15, fim da janela horária em que a notificação deveria ser feita.

T. Conforme o ofício n.º 89898142, o documento de identificação do agente de execução n.º 8wxEkGETXD07, de 16/03/2020, e o aviso para dia e hora certos que agenda o momento da feitura da referida notificação, todos com cópia junta aos presentes autos no documento com ref.ª 5030242, apenas se solicitou a notificação a BBB, constando apenas o seu nome profissional, BBB, no aviso a que o ARGUIDO havia tido acesso, o que é corroborado pelo depoimento de CCC (ouvida no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 14:24 a 14:30).

U. E resulta dos depoimentos das testemunhas BBB (ouvida no dia 16/11/2021, com início às 10:52:20 e fim às 11:12:25 (00:20:05), cfr. ficheiro áudio 20211123111005_3655132_2871798, minutos 00:25 a 00:33) e CCC, (ouvida no dia 16/11/2021, com início às 11:13:29 e fim às 11:36:14 (00:22:45), cfr. ficheiro áudio 20211116111330_3655132_2871798, minutos 04:43 a 04:50) bem como das declarações prestadas pelo ARGUIDO (no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 11:36 a 12:36) que o ARGUIDO e BBB não se conheciam anteriormente aos factos ora em questão.

V. Pelo que não haveria forma de o ARGUIDO saber que era BBB que chegava, W. Quanto a CCC, de acordo com o que se conclui das declarações do ARGUIDO (prestadas no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 17:15 a 18:07), do depoimento de BBB (prestado no dia 16/11/2021, com início às 10:52:20 e fim às 11:12:25 (00:20:05), cfr. ficheiro áudio 20211123111005_3655132_2871798, minutos 14:15 a 14:22) e do de CCC (prestado no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 12:38 a 13:29), que não tinha o ARGUIDO um ângulo de visibilidade que lhe permitisse saber que era dela que se tratava.

X. Pelo que não existia forma de o ARGUIDO se aperceber que eram BBB e CCC que chegavam.

Y. Também não existia forma de o ARGUIDO saber que alguma das duas o iria notificar, visto que chegaram fora da hora definida para a notificação, o mesmo não tinha conhecimento de qual o aspeto físico de BBB, que o iria notificar Z. Além disso, a única explicação avançada para que ele tivesse este conhecimento é dada pelo próprio Tribunal, que supõe terem BBB e CCC tocado à campainha do notificando, sendo que CCC não consegue fornecer qualquer característica da pessoa que atende essa campainha (cf. depoimento do dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 13:35 a 15:48 e 16:01 a 17:00), e que DDD afirma que ninguém terá tocado à campainha da residência onde se encontrava, que era a morada em que o ARGUIDO iria ser notificado (cf. depoimento do dia 23/11/2021, com início às 09:46:39 e fim às 10:05:27 (00:18:48), cfr. ficheiro áudio 20211123094639_3655132_2871798, minutos 09:11 a 10:07).

AA. Pelo que não poderia o ARGUIDO ter-se apercebido da chegada de CCC e BBB.

BB. Além do mais, apenas BBB foi atingida pela água que se encontrava no balde, como se conclui pelas declarações do ARGUIDO (prestadas no dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro Áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 11:36 a 12:36, 18:07 a 18:15, 19:44 a 20:07 e 24:44 a 25:00), e pela incoerência entre o depoimento de CCC (no depoimento do dia 16/11/2021, com início às 10:19:33 e fim às 10:52:18 (00:32:45), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 05:12 a 05:34) e o de EEE (prestado no dia 16/11/2021, com início às 11:36:52 e fim às 11:42:28 (00:05:36), cfr. ficheiro áudio 20211116101934_3655132_2871798, minutos 01:59 a 02:09), que...

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