Acórdão nº 79/00 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Fevereiro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 79/00

Proc. nº 396/99

  1. Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. O Ministério Público deduziu acusação contra R. C., imputando-lhe a prática, enquanto Ministro da Educação, de um crime de peculato, previsto e punível pelo artigo 20º, nº 1, da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, e de um crime de violação de normas de execução orçamental, previsto e punível pelo artigo 14º da citada Lei.

    O arguido R. C. requereu a abertura de instrução.

    Nas conclusões apresentadas pelo advogado do arguido no debate instrutório, pode ler-se, sob o nº 22 (fls. 38 dos presentes autos):

    "Uma interpretação do artigo 20º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, que considerasse como nele incluídos os actos administrativos atribuídos ao arguido, ou seja, os despachos que atribuíram a funcionários dependentes do Ministério da Educação compensações monetárias pelo exercício efectivo de funções superiores às dos cargos por que eram remunerados – despachos que se limitaram a aderir a propostas dos serviços competentes – tornaria aquele preceito manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade, decorrente do princípio da legalidade, exigências do Estado de Direito e, designadamente, por violação dos artigos 2º, 3º, nº 2, 9º, b) e ainda por violação do disposto nos artigos 185º, 194º, nº 2 e 202º, c), d) e e), todos da CRP".

    Na decisão instrutória, de 15 de Janeiro de 1999 (fls. 45 a 87 destes autos), o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de violação de normas de execução orçamental, previsto e punível pelo artigo 14º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, e pronunciou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de peculato, na forma continuada, previsto e punível pelo artigo 20º, nº 1, da referida Lei nº 34/87, e pelos artigos 30º, nº 2, e 78º, nº 5, do Código Penal de 1982 (a que correspondem actualmente os artigos 30º, nº 2, e 79º, nº 5, do Código Penal revisto).

  2. R. C. arguiu a nulidade da decisão instrutória (requerimento de 27 de Janeiro de 1999, fls. 89 a 147), fundamentando-se na disposição do artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, "aplicável à decisão instrutória ex vi artº 4º CPP – sendo este preceito rigorosamente idêntico ao homólogo preceito da alínea d) do artº 668º, nº 1 CPC".

    O arguido invocou que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa – como anteriormente o Ministério Público – não teve presente, quando lhe competia apreciar, "o regime legal decorrente do [...] artº 36º, nº 1 do Decreto-Lei nº 22257, de 25 de Fevereiro de 1933", "questão expressa e enfaticamente suscitada no decurso da instrução" (fls. 97). De tal disposição legal resultaria, no entender do arguido, que, "face à própria descrição que o tribunal de instrução faz dos factos, jamais o ex- Ministro da Educação, R. C., poderia ter sido pronunciado, como nem deveria ter sido sequer objecto de acusação pelo Ministério Público".

    Invocou igualmente que a decisão instrutória omitiu a apreciação da especial situação de transição da administração pública desportiva, cujo quadro considera definido por diversos diplomas, de entre os quais enumera: o Decreto-Lei nº 3/87, de 3 de Janeiro (Lei orgânica do Ministério da Educação), a Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de bases do sistema educativo), o Decreto-Lei nº 215/97, de 18 de Agosto (Regime de instalação da Administração Pública).

    Sustentou ainda o arguido que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa conheceu de questões de que não podia ter tomado conhecimento, maxime declarando a ilegalidade de actos administrativos (cinco despachos proferidos pelo ex-Ministro da Educação, R. C.), para, a partir da ilicitude administrativa, concluir pela ilicitude criminal.

    Em dado passo do seu requerimento, afirmou (fls. 145 e 146):

    "Ao ajuizar – mal – como ajuizou, a Merª. Juíza do tribunal de instrução do fez [...] bem mais do que uma simples interpretação errada do citado Regulamento [...] invadiu a esfera privativa própria da Administração Pública e do Governo, violando o princípio constitucional da separação de poderes.

    Não pode o tribunal fazer um entendimento que tornaria inconstitucionais, quanto ao alegado «crime» [...] o artº. 20º, nº 1, da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, e do artº. 1º, nº 1, alínea a), do CPP. Ou um entendimento que tornaria inconstitucionais, quanto à instrução criminal, aos «indícios» e à decisão instrutória", os artº. 9º, nº 1, artº. 308º, nº 1, e artº. 283º, nº 2 (este ex vi artº. 308º, nº 2), todos do CPP.".

    Na perspectiva do documento então apresentado,

    "[...] relevar como pressupostos preconceitos (errados e infundados) da Merª. Juíza de instrução, entrando mesmo pela invasão da esfera própria alheia no quadro da separação de poderes, que é o regime constitucional e princípio fundamental do Estado de Direito democrático, acarretaria a inconstitucionalidade de todos aqueles preceitos por violação directa no disposto nos artº. 2º, art. 9º, alínea b), artº. 108º, artº. 110º, artº. 111º, nº 1, artº. 182º, artº. 199º, alínea d) e artº. 201º, nº 2, alínea a) da CRP."

  3. A Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por despacho de 10 de Fevereiro de 1999 (fls. 151 e seguinte), indeferiu as invocadas nulidades, "por falta de fundamento".

  4. R. C. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (requerimento de 4 de Março de 1999, fls. 157 e seguinte), ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 20º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, na interpretação que lhe foi dada na decisão de pronúncia, e que explicitou do seguinte modo:

    "[...] a decisão de pronúncia, ora recorrida, dá ao artigo 20º da Lei nº 34/87 uma interpretação segundo a qual quaisquer actos administrativos de membros do Governo que envolvam disposição de valores do Estado, desde que considerados ilegais, e mesmo que tais actos se limitem a aderir a propostas dos serviços competentes, representam apropriação ilícita para os efeitos do citado preceito.

    Com tal interpretação, o citado preceito viola os princípios da tipicidade e da proporcionalidade, decorrentes do princípio da legalidade, exigências do Estado de Direito, e ofende, designadamente, os artigos 2º, 3º, nº 2, 9º, b) e ainda os artigos 182º (anterior 185º), 191º, nº 2 (anterior 194º, nº 2) e 199º, alíneas c), d) e e) (anterior 202º, c), d) e e), todos da C.R.P."

    O recurso não foi admitido (despacho de 12 de Abril de 1999, fls. 163, 164), com o seguinte fundamento:

    "Foi proferido, em 15 de Janeiro de 1999, despacho de pronúncia contra o arguido R. C., conforme fls. 11.018 a 11.060, despacho esse que foi nesse mesmo dia notificado ao arguido e seu mandatário constituído, conforme fls. 11.061.

    Nesta conformidade, e atendendo ao teor do...

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