Acórdão nº 262/01 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução30 de Maio de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 262/01

Proc. nº 274/2001

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente J..., e como recorrido o Ministério Público, a 6ª Vara Criminal de LIsboa, por acórdão de 5 de Novembro de 1999, deu como provada a seguinte factualidade:

    1

    O arguido J..., em data não apurada, contactou com desconhecido, residente na Colômbia, combinando o envio de um livro com estupefacientes, via CTT;

    2

    Para tal o arguido J... forneceu a identidade de A... e a morada de Rua..., Lisboa;

    3

    O arguido J... sabia que o destinatário já havia falecido e que conhecera por ser irmão de sua cunhada M..., continuando esta a morar naquele endereço, facto conhecido pelo arguido J...;

    4

    A referida encomenda, composta por um livro contendo dissimulado na respectiva capa 197, 818 gramas de cocaína, chegou a Lisboa no dia 12/1/99;

    5

    Com vista ao levantamento da encomenda foi deixado um Aviso de levantamento no nº 14 do pátio supra referido uma vez que no nº 16 ninguém se encontrava;

    6

    Na posse desse Aviso o arguido J... entregou-o ao arguido F..., seu irmão, para que este procedesse ao levantamento da encomenda;

    7

    O arguido F... solicitou a um colega seu, N..., também da Post Express, para proceder ao levantamento da encomenda que, uma vez na sua posse, entregaria ao seu irmão, o arguido J..., o que aquele fez;

    8

    O arguido J... conhecia a natureza estupefaciente do produto que destinava à venda, sendo o telemóvel Philips, modelo Twist, utilizado por este arguido nessa actividade;

    9

    O arguido J... agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei;

    * * *

    Do arguido J...

    10

    Vive com a mãe, uma irmã e um cunhado, e tem um filho com 10 anos de idade;

    11

    Vive numa casa arrendada;

    12

    Fez a 4ª classe;

    13

    Auferia cerca de 5.000$00 por dia no exercício da sua actividade profissional;

    14

    Apresenta modesta condição social e precária situação económica; e

    15

    Foi julgado e condenado por acórdão do 4º Juízo Criminal, 1ª Secção, de Lisboa, processo nº 100/93, por factos praticados em 2/1/92 e pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas agravado, p.e p. pelos art. 21º nº 1 art. 24º al. c) do DL 15/93, de 22/1, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão;

    Em consequência, condenou J... como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível nos termos do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão.

    2. J... interpôs recurso do acórdão de 5 de Novembro de 1999 para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações, o recorrente sustentou que o facto praticado devia ser qualificado como tentativa de tráfico de estupefacientes, uma vez que nunca chegou a ter a "disponibilidade sobre o produto" proibido. Não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.

    O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, julgou-se incompetente para apreciar o objecto do recurso, uma vez que o recorrente havia suscitado "erro notório na apreciação da prova". Consequentemente, os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 2 de Novembro de 2000, considerou o seguinte:

    Alega o recorrente que nunca teve disponibilidade sobre a droga que foi apreendida já que a mesma nunca foi levantada dos C.T.T. por ele ou por outrém a seu mando, daí extraindo a ilação que a falta de disponibilidade da sua parte sobre o produto estupefaciente impedia-o de exercer qualquer acto relativo ao mesmo, sendo que, consequentemente, não se pode ter por verificado o tipo objectivo do crime previsto no art. 21° do DL 15/93.

    Aduz ainda que se está perante um crime impossível, dado que a encomenda postal era feita em nome de pessoa já falecida e por essa razão não poderia proceder ao seu levantamento.

    Não lhe assiste, porém, razão.

    Com efeito, decorrendo da factualidade apurada que o arguido e ora recorrente contactou com desconhecido residente na Colômbia, combinando o envio, via C.T.T., de um livro contendo estupefaciente, fornecendo para o efeito a identidade e morada de um indivíduo falecido, o que era do seu conhecimento, que a referida encomenda, composta por um livro contendo dissimulado na capa 197,818 gramas de cocaína, chegou a Lisboa no dia 12/1/99, que na posse do Aviso de Levantamento entregou-o a seu irmão F... para que este procedesse ao levantamento da encomenda, que por sua vez entregou a outrém, e que ele, J... conhecia a natureza estupefaciente do produto que destinava à venda, e que agiu livre e conscientemente, sabendo bem que a sua conduta era vedada por lei, mostram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do mencionado ilícito.

    Com efeito, da factualidade dada como provada resulta uma actuação, voluntária e consciente, desenvolvida para a importação de droga através de uma encomenda postal, conduta essa que o arguido sabia ser vedada por lei.

    E a circunstância de o recorrente não haver tido qualquer contacto físico com a droga, que foi apreendida, não é caso de configuração do ilícito na forma de tentativa, antes havendo de considerar-se ter ocorrido a sua consumação.

    É que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, «designação que significa precisamente, ilícitos criminais que ficam consumados através da comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal preenchido pelo agente.

    Os "crimes exauridos", são aqueles a que, no direito alemão, se chama "delitos de empreendimento" ( cfr. Jescheck, tradução espanhola, edição de 1981, tomo I, pág. 362, e tomo II, págs. 715 ), ou, noutra terminologia, "crimes que se excutem no resultado ou com o resultado", ou "crimes excutidos", isto é, crimes que, como as falsificações e outros, ficam perfeitos com a comissão de um só acto gerador do resultado típico (...).» (vd. Ac do STJ, de 18-04-96, in CJ-STJ,1996-Tomo II, 172).

    E, como se refere ainda no citado aresto, «Enquadram-se nesta figura criminal, por exemplo, os crimes de uso de documento falso, de "contrafacção de moeda" (...), e de tráfico de estupefacientes, nas suas diversas modalidades, em que igualmente não é possível uma actuação enquadrável na figura da tentativa, visto que a previsão dos crimes de tráfico de estupefacientes engloba todos os actos possíveis que poderiam, teoricamente, corresponder a uma tentativa.».

    O sentido deste tipo de delito é o de agravar a reacção jurídico-penal, equiparando tentativa e consumação e assim impedindo a atenuação da pena na tentativa (cfr. Jescheck, obra referida, tomo II, pág. 715 )

    In casu, como refere o Digno Magistrado do MºPº junto do Tribunal "a quo", a consumação verificou-se no momento em que o recorrente, após a entrada da droga no país, recebe o aviso para levantamento da mesma.

    É que a consumação produz-se no momento em que se preenchem todos os elementos do tipo não dependendo da concretização do...

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