Acórdão nº 07P3253 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2007
Magistrado Responsável | RAÚL BORGES |
Data da Resolução | 28 de Novembro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No processo comum colectivo nº 326/06.0JELSB do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Silves foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, nascido a 10.08.1977, natural de Marrocos e de nacionalidade marroquina, filho de ... e de ..., com residência em ..., n.º 29, 3.º B, Málaga, Espanha, actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional de Portimão.
Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Portimão de 17-07-2007, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas II-A e II-B, anexas a tal diploma, na pena de 6 anos de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 291 a 300, tendo requerido a produção de alegações por escrito, o que foi deferido, concedendo-se o prazo de 15 dias.
O arguido rematou a motivação apresentada com as seguintes conclusões: 1. Em face do direito aplicável e da factualidade provada, não resulta evidente que o Arguido ora Recorrente tenha praticado como Autor do crime de tráfico de estupefacientes p.e p. pelo art.º 21.° do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro; 2. Mesmo que assim não fosse, a circunstância de o Arguido, ora Recorrente desconhecer o que transportava, não ter recebido elevada contrapartida económica, o produto estupefaciente não ter sido entregue, distribuído, colocado no mercado e comercializado, diminui (a existir) ou mesmo exclui a sua culpa; 3. O Arguido ter 29 anos, não ter antecedentes criminais quer em Marrocos, quer em Espanha e/ou Portugal, demonstra bem que sempre viveu de acordo com a Lei e o Direito; 4. Existindo em Processo Penal a presunção de inocência dos Arguidos, são necessários factos concretos que, sem margem para dúvidas, levem à conclusão de que é culpado, sendo as doutas conclusões insuficientes para concluir que sabia, agiu de forma livre e deliberada, entre outros, todo o douto acórdão de fls. se referindo a factualidade praticada por AA, impondo-se dar cumprimento ao principio constitucional da presunção de inocência.
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Sem elementos de facto bastantes, decidiu o douto Tribunal "a quo" condenar o Arguido AA, na pena de seis anos de prisão efectiva; 6. O douto Acórdão ora em recurso, pelas razões ora apontadas, não pode ser confirmado, havendo que o revogar, merecendo provimento o presente Recurso, pois assim o implicam a incoerente ou falta de fundamentação, a ausência da matéria de facto, contradição, do conhecimento oficioso e a excessiva severidade na punição, bem concreta no presente caso.
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Deveria, o douto Tribunal "a quo", ter absolvido o Arguido, ora Recorrente, por falta de matéria de facto bastante, ou, assim não o entendendo, suspender-lhe a pena a aplicar, por verificados os requisitos respectivos.
E não o tendo feito, violou, o douto Tribunal " a quo" o disposto nos art.os 40°, n.º 2; 72.°; 73.° e 50°, todos do C.P.P., devendo, consequentemente, revogar-se o douto Acórdão de fls., a ser substituído por outro que absolva o ora Recorrente, ou, caso se entenda haver matéria para o condenar, o condene em pena especialmente atenuada, suspensa na sua execução, caso não entenda este Supremo Tribunal determinar o reenvio do processo para repetição do Julgamento.
Nestes termos, a não ser o douto Acórdão de fls. anulado e reenviado o processo para repetição do Julgamento, face a eventuais e alegadas nulidades, do conhecimento oficioso deverá o douto Acórdão ora recorrido ser revogado e substituído por outro que, a não absolver o ora Recorrente, como se espera, condene o Arguido ora Recorrente em pena inferior a três anos de prisão, suspensa na sua execução, merecendo provimento o presente Recurso.
Na resposta, a fls. 310/4, o MºPº extrai as seguintes conclusões: 1ª. O Tribunal recorrido produziu diversas provas - designadamente a inquirição de testemunhas agentes da Polícia Judiciária que procederam à detenção do arguido - que evidenciam que o arguido conhecia as características estupefacientes das substâncias que transportava tendo perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida; 2ª O arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (artº 21°, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01), pela posse de 32 834,8 gramas de estupefacientes, anfetamina e MDMA, pelo que tal pena se mostra ajustada; e 3ª Atendendo o crime pelo qual o arguido foi condenado não poderá a pena ser inferior a 3 anos de prisão já que a respectiva moldura penal é de 4 a 12 anos de prisão.
Defende a manutenção da sentença recorrida.
A Exma Procuradora Geral-Adjunta apresentou alegações escritas de fls. 330 a 336, defendendo aplicação de uma pena de 5 anos de prisão, não suspensa na sua execução.
O recorrente juntou as alegações de fls.337 a 340, repetindo no fundo o já exposto na motivação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Como é pacífico, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, onde resume as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso.
Questões a resolver O recorrente alinha várias pretensões que vão desde o pedido de absolvição por falta de matéria de facto bastante, passando por condenação em pena especialmente atenuada, suspensa na sua execução, caso se não entenda "determinar o reenvio do processo para repetição do julgamento, face a eventuais e alegadas nulidades, do conhecimento oficioso", referindo-se ainda à excessiva severidade na punição.
Factos provados 1. No dia 6 de Outubro de 2006, pelas l6hl0m, o arguido foi interceptado na A2, sentido Algarve/Lisboa, ao Km 225, Comarca de Silves, quando conduzia o veículo automóvel de matrícula 4168BPV, marca Peugeot, vindo de Sevilha com destino não concretamente apurado, em Portugal.
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O arguido transportava então consigo, na bagageira da referida viatura, uma mala de viagem cor-de-vinho, marca Corona, contendo um produto que se revelou ser anfetamina sob a forma pastosa, com o peso líquido total de 27.510,4 gramas, dividida em catorze embalagens de plástico envolto em fita cinzenta e, no interior de uma mochila de cor creme e preta, marca Nike, transportada no chão do automóvel, à frente, no lugar de passageiro, os seguintes produtos: - 2349 comprimidos de MDMA (3,4- metilenodioximetanfetamina), de cor branca e o logótipo "cereja", com o peso líquido de 693,6 gramas, dentro de um saco de plástico; - 7697 comprimidos de MDMA, de cor rosa, com o peso líquido de 1857,7 gramas, dentro de um saco de plástico; - 3575 comprimidos de MDMA, de cor branca e o logótipo "mitsubishi", com o peso líquido de 955,6 gramas, dentro de um saco de plástico, - anfetamina em pó, com o peso líquido de 1817,5 gramas, dentro de uma embalagem de plástico.
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O arguido conhecia as qualidades estupefacientes dos produtos que transportava, bem sabendo que o respectivo transporte e detenção são proibidos.
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Sabia o arguido que tal conduta lhe estava vedada por lei e, tendo capacidade e liberdade de determinação segundo as legais prescrições, ainda assim não se inibiu de a realizar.
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Em Portugal, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.
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O arguido é originário de Marrocos onde fez todo o seu processo de desenvolvimento enquadrado em padrões sociais, culturais e religiosos muçulmanos e provém de uma família numerosa com 12 irmãos. Desde cedo adquiriu hábitos de trabalho tendo trabalhado como camionista no seu país de origem Há cerca de 3 anos emigrou para Espanha residindo, desde então em Málaga, juntamente com a mulher, um cunhado e a esposa deste e trabalhava num restaurante como ajudante de cozinha. Em meio prisional mantém um comportamento adequado às normas instituídas, trabalhando como faxina e frequentando as aulas de português e recebe visitas mensais da esposa e dos cunhados.
Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto Formou o tribunal a sua convicção no conjunto dos depoimentos credíveis e idóneos prestados pelas testemunhas de acusação inquiridas em audiência, que revelaram conhecimento directo dos factos em função da sua intervenção nos factos enquanto inspectores da Polícia Judiciária e na detenção do arguido e apreensão dos produtos estupefacientes, conjugados com o teor do auto de busca e apreensão de fls. 20 e 21, fotografias de fls. 25 a 32, relatório de exame pericial do LPC de fls. 81 e respectivo aditamento de fls. 163 e relatórios de exame pericial do LPC de fls. 84, 87, 165, 186, 188, 190 e 199, CRC de fls.201 e relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social junto a fls. 252 a 255. Refira-se que apesar do arguido não ter confessado os factos, tendo dado uma versão de que desconhecia o conteúdo quer da mochila quer da mala e de que se deslocou a Portugal a pedido de um amigo de Marrocos para vir buscar o dono da viatura que aqui se encontrava, o tribunal criou a convicção segura de que o arguido conhecia perfeitamente o conteúdo da referida mochila e mala, tendo mesmo assim se disponibilizado a transportar o mesmo para Portugal para aqui entregar a alguém, supostamente em troca de contrapartida monetária, não só pela manifesta falta de credibilidade da sua versão (o arguido referiu que nem sequer...
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