Acórdão nº 993/16.6T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 993/16.6T8VFR.P1 Comarca de Aveiro, Instância Local de Santa Maria Da Feira – Secção Criminal – J2 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório: A finalizar a fase administrativa do processo de contraordenação supra identificado, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária aplicou ao arguido B… (melhor identificado nos autos) sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 81º, nºs 1 e 6, 138º e 146º, al. j), todos do Código da Estrada, ocorrida em 21/08/2014 (o arguido havia pago a correspondente coima).

De tal de decisão administrativa, o arguido interpôs recurso para o tribunal judicial de 1ª instância, o qual, fazendo apelo ao disposto no artigo 311º, nº 1 do Código Processo Penal, em questão prévia, proferiu decisão arquivando o processo por irregularidade da decisão da entidade administrativa.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) «1.

Por despacho proferido a fls. 23 a 34 dos autos, o Tribunal "a quo" declarou a irregularidade da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que condenou o arguido B… na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 (sessenta) dias.

  1. Entendeu que houve uma omissão de pronúncia quanto às condições económicas do arguido, ao benefício económico por ele retirado, não resultando da decisão administrativa factos que fundamentassem a imputação da contra-ordenação a título de negligência e pugnou pela falta de indicação dos critérios quanto à fixação da sanção acessória de inibição de conduzir.

    Questão prévia: 3.

    Num primeiro momento, cumpre salientar que o artigo 311.°, do Código de Processo Penal não é aplicável no âmbito do procedimento contra-ordenacional.

  2. Na verdade, o Tribunal "a quo" ou decide não aceitar o recurso, porquanto o mesmo foi interposto fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma, conforme resulta do artigo 63.°, n." 1, do RGCO, ou recebe-o, designando data para a realização da audiência de discussão e julgamento ou decidindo por mero despacho (cfr. Artigo 64.°, do referido diploma legal).

  3. Ora, o Tribunal "a quo" recebeu o recurso de impugnação judicial, decidindo de várias questões de direito mediante a prolação de despacho.

  4. Assim sendo, o que o Tribunal "a quo" faz na verdade é decidir por mero despacho, determinando o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no artigo 64.°, n.º 3, do RGCO, o que faz sem sequer questionar o arguido se se opunha à decisão por mero despacho, nos termos do disposto no artigo 64.°, n.º 2, do RGCO.

  5. Tanto assim é, que o Tribunal "a quo", na sua decisão, invoca o disposto no artigo 70,°, n.º 2, do RGCO, que se reporta às situações em que o Julgador arquiva o processo, nos termos do disposto no artigo 64,°, n.º 3, do mesmo diploma legal.

  6. Assim sendo, consideramos que se verificou a nulidade insanável prevista no artigo 119.°, alínea c), do Código de Processo Penal, que expressamente se invoca e que deverá ser declarada, com as necessárias consequências legais, ou seja, com a declaração de ilegalidade do despacho judicial.

    Caso não se considere verificada a nulidade insanável, 9.

    Decorridos quatro dias desde a prática dos factos, o arguido procedeu ao pagamento da coima, sendo que, nas suas alegações, o mesmo reconhece a prática dos factos, pelo que não poderia o arguido impugnar a decisão da Autoridade Administrativa quanto à coima que lhe foi aplicada.

  7. Se o próprio não impugna a decisão da Autoridade Administrativa nesse tocante, consideramos que não poderia o Tribunal "a quo" apreciar tal aspecto (Acórdãos da Relação do Porto, de 20 de Fevereiro de 2008 e 19 de Setembro de 2007, Processos nºs 0746655 e 0742214, in www.dgsi.pt.).

  8. Mesmo que assim não se entenda, ainda assim, não vislumbramos qualquer omissão de pronúncia por parte da Autoridade Administrativa.

  9. No presente caso, não podemos deixar de ter presente que está em causa uma contra-ordenação estradal que, como tal, implica que a coima atinente à mesma seja fixada de acordo com o determinado no Código da Estrada, nomeadamente, com o disposto no artigo 139.°, n.º 2.

  10. Ora, a decisão da Autoridade Administrativa reporta-se aos critérios apontados na referida norma legal, com excepção da situação económica do infractor, sendo que apenas está obrigada a considerá-la no caso de a conhecer, o que não sucedeu nos autos.

  11. Contudo, não se afigura ser de exigir à Autoridade Administrativa que se pronuncie quanto a tais aspectos, uma vez que a coima foi fixada no mínimo legal e paga nos termos do disposto no artigo 172.°, do Código da Estrada, pelo que a Autoridade Administrativa não foi omissa neste tocante.

  12. No que concerne à sanção acessória, o arguido também não invocou, nas suas alegações, que tenha sido omitida a referência na decisão administrativa da sua situação económica.

  13. Neste tocante, e ao contrário do Tribunal "a quo", há que ter presente o previsto no artigo 139.°, n.º 1, do Código da Estrada: "A medida e o regime de execução da sanção determina-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos".

  14. Analisada a decisão da Autoridade Administrativa constata-se que a mesma, ainda que de forma simplificada, espelha na sua decisão qual o processo lógico, bem como os elementos a que atendeu, para se decidir pela aplicação da sanção acessória, que se quedou pelo mínimo legal, pelos que as considerações tecidas na decisão são por demais suficientes para justificar a sanção acessória aplicada.

  15. No que diz respeito à alegada ausência de menção quanto ao elemento subjectivo, é de salientar que a fundamentação das decisões administrativas não tem que ser tão rigorosa e exaustiva como a das sentenças penais.

  16. Atento o teor do artigo 58.º, do RGCO, o fundamental é que o arguido, segundo critérios de normalidade, perceba os factos que lhe são imputados, a sanção que lhe é aplicada e por que motivos lhe é imputada, de forma a poder impugnar a mesma (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 3 de Outubro de 2012, Processo N.º 14/12.8TBSEI.Cl, in www.dgsi.pt).

  17. A decisão administrativa, na factualidade dada como provada, não tem necessariamente que conter factos atinentes ao elemento subjectivo da infracção, pois tal elemento extrai-se da concreta actuação objectiva do agente.

  18. A culpa, em sede contra-ordenacional apenas se reporta à violação de certo procedimento imposto ao agente e não está relacionada com a censura éticopenal.

  19. Ainda que assim não se entendesse, a decisão administrativa em apreço pronuncia-se expressamente quanto ao elemento subjectivo, no seu ponto 6 ..

  20. O aí alegado afigura-se suficiente para que o arguido lograsse perceber, como percebeu, se lhe estava a ser imputada uma conduta dolosa ou negligente, estando, portanto, perfeitamente habilitado a impugná-la.

  21. Assim sendo, apenas podemos concluir que a decisão administrativa mostra-se suficientemente fundamentada, não padecendo de qualquer vício, nulidade ou mesmo irregularidade, sendo que foi garantido o direito de defesa do arguido.

  22. Pelas razões, consideramos que mal andou o Tribunal "a quo" ao arquivar os presentes autos, pelo que o despacho em análise deverá ser substituído por outro que dê continuidade aos ulteriores termos do processo, convidando o arguido para, em prazo a conceder, apresentar conclusões.

    Em suma, o despacho recorrido padece dos apontados vícios, tendo sido efectuada uma incorrecta interpretação do disposto nos artigos 139.º e 172.º do Código da Estrada, do artigo 58.º, 64.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações, assim como do artigo 311.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser decretada a nulidade insanável e o despacho judicial substituído por outro que convide o Arguido a apresentar conclusões, seguindo o recurso os seus ulteriores termos, como é de inteira e sã JUSTIÇA.» O recurso foi admitido por despacho de fls. 59.

    Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

    Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado no processo.

    Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

    II-Fundamentação: Em processo de contraordenação, o regime de recurso interposto, para o Tribunal da Relação, de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Geral das Contraordenações), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (artigo 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

    O Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o nº 1 do artigo 75º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. artigo 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).

    Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código.

    No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as...

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