Acórdão nº 06P4808 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução22 de Março de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

    No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, no âmbito do processo comum colectivo n.º 247/04.0JELSB, foram julgados os arguidos AA, BB, CC e DD, acusados: 1 - AA: - Em co-autoria material e na forma consumada, como reincidente, um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 75.º e 76.º do Código Penal e 24.º, alíneas b), c) e i), por referência ao 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugados com as tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este último diploma; - Em autoria material e na forma consumada, dois crimes de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, com referência aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. c), e 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04; - Em autoria material e na forma consumada, um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06; 2 - BB: - Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com as tabelas I-A, I-B e I-C a este anexas; 3 - DD: - Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa; 4 - CC: - Em co-autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.

    No decurso da audiência, foi proferido despacho do seguinte teor: "O despacho de pronúncia imputou ao arguido AA, além do mais, a prática de dois crimes de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275.º, n.º 3, com referência aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. c), e 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04.

    Ora, é concebível enquadrar juridicamente os factos que servem de fundamento a tal imputação de forma diversa.

    Assim, relativamente à alegada detenção da espingarda automática do tipo "Kalashnikov", se for entendido que esta última é uma arma de guerra, poderá tal conduta constituir um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo n.º 1 do art. 275.º do Código Penal e não pelo n.º 3 do mesmo artigo, como consta do despacho de pronúncia.

    No tocante à alegada detenção de uma pistola semi-automática de calibre 7,65 mm., se for entendido que esta última é uma arma de defesa, poderá tal conduta constituir um crime de detenção ilícita de arma de defesa p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06, e não pelo n.º 3 do art. 275.º do Código Penal, como consta do despacho de pronúncia.

    Ao arguido CC é imputada a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.

    Porém, os factos que o despacho de pronúncia, através de remissão para a acusação, imputa a este arguido, podem vir a ser integrados no tipo do n.º 1 do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, conjugado com a tabela I-C a este anexa.

    Pelo exposto e em cumprimento do n.º 3, com referência ao n.º 1, do art. 358.º do Código de Processo Penal, comunico as mencionadas alterações aos arguidos AA e CC, para que estes possam exercer, se assim o entenderem, a faculdade ali prevista." No final, foram os arguidos condenados: O arguido AA: - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, em vez do crime agravado do art. 24.º, alíneas b), c) e i) de que vinha acusado, numa pena de 8 (oito) anos de prisão; - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de guerra p. e p. pelo artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal (entretanto revogado pelo artigo 118.º, alínea o), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), com referência ao artigo 7.º, al. d), do Decreto-Lei n.º 37.313, de 21.02.1949 (entretanto revogado pelo artigo 118.º, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), aplicáveis nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de defesa p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, com referência ao artigo 1.º, n.º 1, al. a), ambos da Lei n.º 22/97, de 27.06 (entretanto revogada pelo artigo 118.º, alínea h), da Lei n.º 5/2006, de 23.02), aplicável nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão; - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção ilícita de arma de caça p. e p. pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27.06, aplicável nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, numa pena de 2 (dois) meses de prisão; Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, números 1 e 2, do Código Penal, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

    O arguido BB: Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexas a este diploma legal, numa pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; O arguido CC: Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa a este diploma legal, numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Inconformados, estes arguidos recorreram para este Supremo Tribunal.

      1. Em resumo, o arguido AA insurge-se contra as penas aplicadas, entendendo que "a dosimetria certa in casu é uma pena de cinco anos pelo transporte ⌠entenda-se tráfico⌡e de dois anos pelas armas: quantum global de seis anos".

        Isto, porque: - "as armas foram levadas sob uma única resolução criminosa e constituem de per si um único crime"; - A culpa não foi intensa; tratou-se de efectuar um único transporte de alguns quilos de uma erva consumida legalmente em variados produtos e controlada pelo Estado e União Europeia (…) semelhante ao efeito nocivo do tabaco e álcool"; - O arguido confessou e manifestou arrependimento.

        O arguido insurge-se ainda contra a perda do avião da sua propriedade, entendendo que o tribunal se baseou apenas no art. 35.º, n.º 1 do DL 15/93, esse artigo é inconstitucional por violar o princípio da proporcionalidade e da intervenção mínima do direito penal, o tribunal não fundamentou em concreto o perdimento e violou as regras da experiência comum (art. 410.º, n.º 2 do CPP).

      2. O arguido BB coloca também em causa a pena aplicada, pois teve "participação meramente residual", não conhecia o "Milhafre" ⌠o indivíduo que propôs o transporte ao arguido AA⌡, o qual "detinha o controle material da operação", estava "sem documentos num país estrangeiro, "num local ermo e deserto, rodeado de sujeitos armados e perigosos", "sempre prestou colaboração às entidades policiais e jurisdicionais desde o momento da sua detenção", devendo ser punido com uma pena "o mais aproximada do mínimo legal, isto é 4 anos de prisão"… C) O arguido CC pretende: A qualificação da sua conduta como cumplicidade, visto que o seu "desempenho foi acessório e marginal", mas também que os factos provados devem ser subsumidos ao art. 25.º, n.º 1 do DL 15/93; A pena deve ser fixada no âmbito da moldura penal prevista no referido artigo e não deve ser superior a 14 meses de prisão; Se assim não for entendido, o arguido deve beneficiar de atenuação especial da pena, isto por força do reduzido lapso temporal em que decorreram os factos e a conduta ter-se confinado a uma única actuação.

    2. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal "a quo", considerando correctas as penas aplicadas ao arguido AA, bem como a perda da aeronave , inadequada a alegação do arguido BB, por se basear em matéria de facto não provada, sendo certo que não existe fundamento para uma pena situada no mínimo, e quanto ao arguido CC, apesar de não ter interposto recurso da decisão, entende que ocorre diminuição acentuada da ilicitude, visto que este arguido só teve conhecimento dos factos ilícitos "num momento em que a sua capacidade de reflexão e decisão estavam condicionadas", não tendo obtido nem procurado vantagens económicas ou outras. Daí que, por diminuição acentuada da ilicitude, mas também (menos acentuada) da culpa, se justifique o abaixamento da pena e a suspensão da sua execução.

    3. Neste Supremo Tribunal, porque os arguidos AA e CC requereram alegações escritas, designou-se prazo para as referidas alegações e circunscreveram-se as questões a tratar.

      Os arguidos alegaram em sentido idêntico ao das respectivas motivações e o Ministério Público concluiu as suas alegações no sentido de: Se considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a pena que lhe foi aplicada, bem como a declaração de perda a favor do Estado da aeronave; Se considere também improcedente a pretensão do recorrente CC de convolação para o crime do art. 25.º e al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mantendo-se a condenação pelo crime do n.º 1 do art. 21.º deste diploma, embora a pena possa ser especialmente atenuada, face ao n.º 1 do art. 72.º do Código Penal.

    4. Colhidos os vistos, realizou-se a audiência de julgamento apenas no tocante ao arguido BB, dado que os dois restantes recorrentes optaram por alegações escritas.

      O Ministério Público defendeu que a participação do recorrente BB foi essencial e não acessória do ponto de vista realização do facto típico e, por isso, a sua condenação como autor material está correcta. Quanto à pena, apontando em princípio para a correcção da medida que foi fixada, salientou a ilicitude do facto, de grau elevado, e a culpa, que, não sendo das...

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