Acórdão nº 183/01 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Abril de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução18 de Abril de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 183/01

Proc. nº 397/2000

  1. Secção

    Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. O Ministério Público junto do Tribunal Criminal da Comarca do Porto deduziu acusação contra T..., imputando-lhe a prática de sete crimes de emissão de cheque sem provisão, previstos e puníveis pelo artigo 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro. A lesada, C..., SA, deduziu pedido cível, no montante de 12.134.754$00.

    O Tribunal Criminal da Comarca do Porto, por sentença de 3 de Julho de 1998, julgou extinto o procedimento criminal, por força da descriminalização da conduta operada pelo Decreto-Lei nº 316/97, de 19 de Novembro, condenando a arguida a pagar à lesada uma indemnização no valor de 8.703.926$00, acrescida de juros.

    2. T... interpôs recurso da sentença de 3 de Julho de 1998 para o Tribunal da Relação do Porto, sustentando nas respectivas alegações que a conduta da arguida, não constituindo crime em face do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro, também não constituía crime em face do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção originária, pelo que não devia ter sido condenada no pagamento de indemnização cível.

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 13 de Janeiro de 1999, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

    3. T... interpôs recurso do acórdão de 13 de Janeiro de 1999 para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O recurso não foi admitido, por despacho de 10 de Fevereiro de 1999, nos termos do disposto nos artigos 6º, nº 2, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, e 400º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, na redacção anterior à conferida por aquela lei.

    T... reclamou do despacho de 10 de Fevereiro de 1999, sustentando que o artigo 6º, nº 2, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, tal como foi interpretado e aplicado no despacho reclamado, viola os artigos 32º, nº 1, e 20º da Constituição.

    A reclamação foi deferida, por despacho de 5 de Junho de 1999. Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Maio de 2000, decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso, em virtude de o mesmo ter sido interposto de decisão que não o admitia, nos termos dos artigos 6º, nº 2, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, e 400º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, na redacção anterior à conferida por aquela lei.

    4. T... interpôs recurso do acórdão de 10 de Maio de 2000 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 6º, nº 2, da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, e 400º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, na redacção anterior à conferida por aquela lei.

    Junto do Tribunal Constitucional a recorrente alegou, concluindo o seguinte:

  2. Através do presente recurso, pretende-se ver apreciada a questão da (in)constitucionalidade das disposições conjugadas do n° 2 do artº 6° da Lei n° 59/98, de 25 de Agosto, e do art° 400º, n° 1, alínea d), do Código Penal de 1987, quando aplicadas com a interpretação e o alcance que lhes foi dado pelo Supremo, uma vez que, no entender da recorrente, elas violam o disposto no art° 3º, nº 1, da C.R.P., bem como o princípio constitucional consagrado no art° 20° da Lei Fundamental;

  3. As recentes alterações ao CPP em matéria de recursos demonstram que o legislador não terá deixado de considerar a iniquidade do regime anterior, uma vez que, em derradeira análise, não foi o princípio da realização da Justiça que justificara o regime da supressão do duplo recurso, mas apenas a declarada finalidade de diminuir o volume de trabalho dos tribunais superiores;

  4. Mas quando a questão se coloca em relação às consequências práticas da aplicação do regime do C.P.P. de 87, aos casos em que o recurso incide sobre matéria da sentença relativa à indemnização civil, é patente que as garantias defesa ficam ainda mais prejudicadas;

  5. Na verdade, estando o julgamento da matéria cível confiado aos tribunais de competência especializada criminal, mal seria se as garantias de recurso ficassem diminuídas nesta sede, relativamente ao regime previsto na lei civil, quando aqueles tribunais não estão dotados do mesmo nível de preparação técnico-jurídica que se reconhece aos tribunais de competência especializada cível, para a apreciação e julgamento das matérias próprias do direito civil e comercial;

  6. A questão da inconstitucionalidade do regime da limitação do direito de recurso a uma única instância é deste modo deslocada das normas do C.P.P. de 87 para a citada norma transitória do diploma que veio introduzir a reforma do Código;

  7. O problema já não é agora o da simples apreciação dos fundamentos ou do critério do legislador de 87 (que criou um regime de recursos assente, basicamente, numa única possibilidade de impugnação das decisões judiciais desfavoráveis), mas sim o da situação concreta que decorre, para a recorrente, num processo já pendente de recurso à data da entrada em vigor da nova lei, que se vê impedida de beneficiar de um regime de duas instâncias de recurso, acabado de consagrar, em consequência de uma excepção prevista numa norma transitória dessa mesma lei.

  8. Por outras palavras, enquanto na vigência do Código de 87 se entendia que o regime de um único grau de recurso constituída uma limitação válida imposta pelo legislador ao direito de defesa de um arguido, com as alterações introduzidas pela nova lei veio declaradamente reconhecer-se que o regime anterior não assegurava, de forma efectiva, esse mesmo direito;

  9. Não terá sido por acaso que, na exposição de motivos da proposta de lei que o Governo apresentou à A.R., para a aprovação da cit. Lei n° 59/98, a propósito da caracterização do regime dos recursos no C.P.P. de 87, se afirmava que "houve certamente a consciência de que o projecto se aproximava, em alguns capítulos, dos limites constitucionais";

  10. Como é evidente, estando hoje legalmente consagrado, para a hipótese dos autos, um sistema de duplo grau de recurso, constitui uma clara violação do princípio da igualdade (previsto no artº 13° da C.R.P.) o estabelecimento de uma excepção na aplicação desse regime aos processos que, à data da entrada em vigor da nova lei, já estivessem pendentes de recurso;

  11. Aliás, à data da entrada em vigor do novo regime, ele deve aplicar-se imediatamente a todos os processos pendentes, salvo se daí resultar uma limitação ao direito de defesa do arguido (o que não acontece na situação em análise), ou não for possível respeitar a harmonia e a unidade dos actos processuais decorrentes da pendência do recurso (o que também não era o caso) - cfr. artº 5° do C.P.P.;

  12. Isto significa que a norma do n° 2 do artº 6° da Lei n° 59/98 enferma de um vício de inconstitucionalidade, igualmente por violação das citadas disposições dos artºs 20° e 32°, n° 1, da C.R.P., na medida em que limita...

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