Acórdão nº 349/02 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2002

Data15 Julho 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 349/01

Proc. nº 632/01

  1. Secção

    Relator: Cons. Sousa e Brito

    (Cons. Maria dos Prazeres Beleza)

    Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1. Relatório

    1. O Ministério Público vem recorrer, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 321, pela "circunstância de no douto Acórdão (...) ter sido afastada a aplicação do artigo 7º alínea h) do Código das Custas Judiciais na interpretação de que o referido artigo deve ser aplicado independentemente do valor da acção para efeito de custas e da maior ou menor actividade jurisdicional envolvida pela acção, incidente ou recurso, por infringir os princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais consignados nos artigos 18º, nº 2 e 266º, nº 2 e 20, nº 1 da C.R.P.".

      O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).

    2. O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de um processo de jurisdição voluntária instaurado no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal por A., destinado a obter autorização para a redução do capital social de 192 229 088 784$00 para 24 996 857 746$00, que decorreu sem qualquer oposição e veio a ser julgado favoravelmente pela sentença de fls. 63, do 4º Juízo Cível daquele Tribunal.

      Por essa mesma sentença foi a requerente condenada em custas, nos seguintes termos: "Custas a cargo da requerente – art. 446º do CPC." O contador, ao fazer a conta, reduziu a metade o montante, presumivelmente ao abrigo do disposto no artigo 17º, nº 2, a.l. a) do Código das Custas Judiciais.

      Tendo sido notificada da conta de custas, no valor de 1.254.173.900$00, A veio requerer a respectiva redução, "seja (...) através da rectificação da sentença, nos termos do artigo 667º do CPC, ou subsidiariamente, através da alteração da sentença, nos termos do artigo 1411º do CPC"; subsidiariamente ao pedido de redução, veio ainda reclamar "da conta de custas, por erro na sua elaboração"; finalmente, invocou a inconstitucionalidade da "norma do artigo 7º, alínea h), do Código das Custas Judiciais", por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da confiança e do acesso à justiça e, ainda, a infracção do Direito Comunitário (requerimento de fls. 80).

      Pelo Despacho de fls. 161, foram indeferidas, quer a redução da condenação, quer a reclamação da conta; foi todavia entendido ter existido um lapso na referência ao artigo 446º do Código de Processo Civil, o que levou à correcção "da parte final da sentença (...) da seguinte forma: 'custas a cargo da requerente - art. 449º, n.ºs 1 e 2, a) do CPC' ". Igualmente se entendeu não ocorrerem, nem a alegada inconstitucionalidade, nem a pretensa violação do Direito Comunitário.

      Recorreram o Ministério Público, alegando que não deveria ter sido alterada a sentença, porque a rectificação só foi requerida depois do trânsito em julgado, e A, por não se conformar com a decisão.

    3. O recurso veio a ser julgado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. 321, do qual foi interposto o presente recurso de constitucionalidade.

      Quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa veio revogar "o conteúdo da referida substituição" e manter a "expressão substituída constante da sentença", por considerar que o tribunal recorrido "infringiu o princípio da estabilidade da decisão ou do caso julgado formal a que se reporta o artigo 666º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil".

      No que toca ao recurso interposto pela autora, e apenas no que agora releva, o Tribunal considerou que a norma constante da alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não infringe o princípio constitucional da igualdade. Mas chegou à conclusão oposta no que toca à sua aferição à luz dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, vindo, assim, a afastar a correspondente aplicação por inconstitucionalidade material, pois que "nos feitos submetidos a julgamento, não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados ( artigo 204° da Constituição)".

      Assim, e após referir o significado do "princípio da proporcionalidade, ou de proibição do excesso", enquanto "corolário do princípio da confiança ínsito na ideia de Estado de Direito democrático constante do artigo 2° da Constituição", que "tem essencialmente a ver com a ideia de justa medida no quadro das desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins", o Tribunal da Relação de Lisboa procedeu à análise global do regime definido para o cálculo das custas judiciais, concluindo que, embora utilizando como critério geral o do valor da causa, "todo o sistema de custas" é dominado pela "ideia matriz de fixação da taxa de justiça à luz do princípio da proporcionalidade, por referência à actividade judicial desenvolvida nas acções, recursos, incidentes ou procedimentos".

      Após uma síntese da jurisprudência constitucional relativa ao princípio da proporcionalidade, lido em conjunto com a garantia fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no n° 1 do artigo 20° da Constituição, o Tribunal da Relação de Lisboa passou à análise do preceito em causa, a alínea h) do artigo 7º do Código das Custas Judiciais, concluindo da seguinte forma:

      "O legislador não pode, como é natural, dada a variedade da realidade da vida, prever situações anormais, como é o caso vertente, em que a redução do capital social se cifra em cento e sessenta e sete biliões, duzentos e trinta e dois milhões e duzentos e trinta mil e trinta e oito escudos.

      Acresce que a acção declarativa com processo especial de jurisdição voluntária em causa não teve oposição, apenas comportou um processado de sessenta e cinco páginas, teve a duração de três meses e oito dias, e a lei apenas prevê a redução da taxa de justiça a metade.

      Assim, ressalta com evidência, conforme alegou A, que a taxa de justiça de oitocentos e trinta e seis milhões e cento e oitenta e três mil escudos, que resulta da aplicação da lei, se revela assaz desproporcionada em relação à actividade processual desenvolvida na acção em causa.

      Em consequência, a interpretação do normativo do artigo 7°, alínea h), do Código das Custas Judiciais tal como foi operada no tribunal recorrido, ou seja, no sentido de que o valor para efeito de custas dele constante não pode ser reduzido no quadro processual desenvolvido na acção declarativa com processo especial em causa, queda afectada de inconstitucionalidade material por infracção do princípio da proporcionalidade. (...)".

      Relativamente ao "princípio do acesso ao direito e aos tribunais", após lembrar a sua "dupla dimensão de garantia de defesa de direitos e de necessidade de a lei ordinária assegurar que ninguém...

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