Acórdão nº 172/02 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Abril de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 172/02

Processo n.º 227/01

  1. SecçãoRelator – Paulo Mota Pinto

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1. Relatório

    A, a requerimento dos expropriados B, C, D, E e mulher, F e marido, e em cumprimento do disposto no artigo 50º n.º 2 do Código das Expropriações, remeteu a juízo o processo de expropriação n.º 177/97, referente à parcela de terreno designada com o n.º 77, sita no lugar de G..., concelho de H.... Nos termos dos artigos 42º e segs. do Código das Expropriações, foi constituída a arbitragem e fixado o montante indemnizatório em Esc: 38.555.200$00, e adjudicada a propriedade da parcela acima referida à entidade expropriante.

    Discordando do valor atribuído à parcela em causa, quer a expropriante quer os expropriados interpuseram recurso, pedindo que o montante indemnizatório fosse fixado em Esc: 11.770.500$00 e Esc: 99.345.767$00, respectivamente. Foram indicados e nomeados os peritos, tendo apresentado os seguintes laudos de avaliação, resumidamente e no que ora importa:

    "– Os peritos indicados pelo Tribunal classificaram a parcela como de ‘solo apto para construção’, junto á E. M. e até aos 50 metros de profundidade (...) Para além dos 50 metros, classificam o terreno como apto para produção florestal e vinha (...) Tudo desaguando no montante global indemnizatório de Esc: 59.761.100$00;

    – O perito indicado pelos expropriados também considerou o terreno com capacidade construtiva, na área junto à E. M. e até à profundidade dos 50 metros (...)

    (...) chegou ao valor total de Esc: 71.687.000$00;

    – O perito indicado pelo expropriante entendeu que o terreno não reúne condições para ser classificado como ‘solo apto para construção’, pelo que só poderá ser classificado como ‘solo apto para outros fins’, em função do rendimento agrícola possível de obter.

    (...) E, entendendo que não há qualquer depreciação das partes sobrantes, concluiu que a indemnização deve fixar-se em Esc: 20.191.700$00."

    Após alegações das partes, o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima proferiu sentença que fixou o montante indemnizatório em Esc: 59.761.100$00, sendo Esc: 14.905.200$00 relativos à desvalorização das partes sobrantes.

    Inconformada, com esta decisão, a expropriante veio interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto e concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

    "1ª- A parcela expropriada fazia parte de um prédio rústico, afecto à exploração agrícola e florestal, denominado ‘ Q’;

  2. - Este prédio situa-se numa zona rural, onde existem construções dispersas, como é próprio das zonas rurais do Alto Minho;

  3. - A parte agrícola do prédio estava ocupada com vinha, encontrando-se o prédio explorado em regime de arrendamento;

  4. - A parcela expropriada confrontava com caminho público em terra batida, com cerca de 2,20m de largura, e não dispunha das necessárias infra-estruturas urbanísticas para poder ser classificada como solo apto para a construção;

  5. - Além disso, o prédio de que faz parte a parcela estava inserido em zona classificada como Reserva Agrícola Nacional, de acordo com o PDM;

  6. - A parcela expropriada só podia ser classificada e avaliada como solo apto para outros fins que não a construção;

  7. - De acordo com a maioria dos peritos, ou seja, os três peritos nomeados pelo Tribunal, o valor da parcela expropriada, não sendo considerada a sua aptidão construtiva, é de Esc: 27.959.900$00;

  8. - A douta sentença recorrida não teve na devida conta a real situação da parcela expropriada e o que seria o seu valor real e corrente para um comprador normal, tendo em consideração as condições de facto e as circunstâncias existentes à data da declaração de utilidade pública.

  9. - Deve ser revogada a sentença recorrida e proferido acórdão a fixar a indemnização devida aos expropriados em 27.959.900$00."

    Contra- alegando, os expropriados pugnaram pela manutenção da sentença recorrida invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97 (publicado no Diário da República [DR], II série, de 21 de Maio de 1997), que julgou inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ os solos integrados na R.A..N. expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola".

    1. Por Acórdão de 6 de Novembro de 2000, o Tribunal da Relação do Porto considerou, designadamente:

      "As conclusões da recorrente delimitam, objectivamente, o recurso (arts. 660º, n.º2, 684º, n.º e 690º, n.º 1, todos do CPC) (...)

      E só se deve tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões (...)

      Assim, a única (mas melindrosa) questão suscitada pela apelante e que deverá ser apreciada por este Tribunal de recurso é a da classificação da parcela expropriada, com vista à fixação da indemnização devida pela respectiva expropriação, como ‘solo apto para construção’, ou como ‘solo para outros fins’, como pretende a expropriante, em discordância com o decidido e o propugnado pelos expropriados".

      Vejamos:

      4-I- O regime legal aplicável à expropriação por utilidade pública é o vigente à data da respectiva declaração. (...)

      Tendo a declaração de utilidade pública da expropriação a que se referem os autos a data de 09.04.96, os critérios legais a ter em conta na fixação da indemnização respectiva são os estabelecidos na Constituição da República Portuguesa(CRP) e no Código das Expropriações aprovado pelo DL n° 438/91, de 09.11.

      De acordo com o disposto no art. 62°, n° 2, da CRP, a expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização. O mesmo princípio constava do art. 27°, n° 1, do Cód. as Exp. de 1976 e consta do art. 22° do Cód. das Expropriações, na sobredita versão de 1991 (de ora em diante, abreviadamente, C. E.).

      Segundo sustenta Fernando Alves Correia (in ‘A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999’ – RLJ Ano 132°/231 e segs.), que iremos seguir de perto, o conceito constitucional de ‘justa indemnização’ leva implicado três ideias: a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação.

      Perante o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.

      Como elemento normativo inderrogável, o princípio da igualdade desdobra-se em duas dimensões ou em dois níveis fundamentais de comparação: no âmbito da relação interna (não permitindo que particulares colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem alguns expropriados mais favoravelmente do que outros grupos de expropriados) e no domínio da relação externa da expropriação (impondo que a expropriação seja acompanhada de uma indemnização integral ou de uma compensação total do dano infligido ao expropriado, com ‘carácter reequilibrador’ em benefício do sujeito expropriado, o que só será atingido se a indemnização se traduzir numa ‘compensação séria e adequada’, seja, numa compensação integral do dano suportado pelo particular, em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor). Sendo que o critério mais adequado para alcançar uma tal compensação é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido em sentido normativo, ou seja, não especulativo e sujeito frequentes vezes, a correcções ditadas por exigências de justiça. Com efeito, por vezes a ponderação do interesse público que a expropriação serve impõe reduções àquele valor, enquanto que, noutros casos, a natureza dos danos provocados pelo acto expropriativo conduz a correspondentes majorações.

      II—Debruçando-se sobre a aplicação prática dos princípios expostos a dois casos concretos e que o quotidiano forense com frequência reproduz, proferiu o Tribunal Constitucional os Acs. n.ºs 267/97 (DR, II Série, de 21.05.97) e 20/00 (DR, II Série, de 28.04.00), consagrando orientações algo diversas e que, por interferentes com as possíveis abordagens do caso dos autos, se trazem à colação.

      Assim, enquanto que, naquele, se entendeu que a norma do n° 5 do art. 24° do C. E.(que determina que ‘é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção’) é inconstitucional (por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, implicados no princípio da justa indemnização, quando interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na RAN que, depois de desafectados desta reserva, foram expropriados com a finalidade de neles se edificar, isto é, para fins diferentes dos de utilidade pública agrícola, no último dos citados arestos, diferentemente (ainda que salientando a natureza diversa dos casos em presença), decidiu-se não julgar inconstitucional a mesma norma, interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» solos integrados na RAN expropriados para construção de vias de comunicação e não já para neles se edificar.

      Conforme sustenta F. Alves Correia (local e obra citados), o sentido profundo daquela primeira decisão ‘é o de impedir que a Administração, depois de ter integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal proibição é uma mera consequência da vinculação...

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