Acórdão nº 80/06 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução31 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 80/2006

Processo n.º 881/05 2.ª Secção

Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Por acórdão datado de 22 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou procedente o recurso interposto por A., L.dª da decisão do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda de 29 de Outubro de 2003, que, no âmbito da acção de expropriação por utilidade pública intentada contra ela por E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E. (à altura designado por ICOR – Instituto para a Conservação Rodoviária), com vista à expropriação das parcelas designadas por … e …, com 4190 m2 e 338 m2, respectivamente (a destacar do prédio rústico situado na freguesia de São Vicente, concelho da Guarda, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º …/……., com vista à futura construção da obra VICEG – 2.ª Fase – Galegos/S. Domingos), julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada do acórdão arbitral, que havia fixado a justa indemnização no montante de € 25 204,26, fixando o montante dessa indemnização em € 40 432,50.

    Consequentemente, a sentença recorrida foi revogada, e o valor da indemnização foi fixado em € 1 210 250, “actualizável de acordo com a evolução do índice dos preços do consumidor com exclusão da habitação, publicado no INE relativamente ao local da situação dos bens desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão”.

    Pode ler-se nesse aresto:

    (…)

    2.2. O Direito.

    Nos termos do preceituado nos art.ºs 660.°, n.º 2, 684.°, n.º 3, e 690.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    - A Justa Indemnização na expropriação por utilidade pública como postulado do Estado de Direito.

    - Características dos prédios expropriados.

    - Os critérios da sentença apelada face à evolução da lei aplicável e jurisprudência.

    - Reflexos a nível do valor expropriativo da inclusão do terreno na RAN e REN.

    2.2.1. A Justa Indemnização na expropriação por utilidade pública como postulado do Estado de Direito.

    A expropriação por utilidade pública pode definir-se como “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”.

    À semelhança do que antes sucedia no anterior Código das Expropriações – DL n.º 438/91, de 9 de Novembro – lê-se no artigo 1.° do actual Código, aprovado pelo DL n.º 168/99, de 18 de Setembro – que “os bens imóveis e direitos a ele inerentes, podem ser expropriados por causa de utilidade pública, compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização”.

    Constituem princípios da legitimidade do direito de expropriação, os princípios da legalidade, utilidade pública, proporcionalidade e da justa indemnização.

    O caso vertente prende-se, no fundo, com o último princípio ora enumerado, o da “justa indemnização” com foros de garantia constitucional no artigo 62.° da Lei Fundamental ao referir que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com lei e mediante o pagamento de justa indemnização”. Como bem refere Alves Correia, a justa indemnização, sendo pressuposto do exercício do direito do expropriante, é “elemento integrante do próprio conceito de expropriação”. No conceito de justa indemnização deverão incluir-se o princípio da contemporaneidade da indemnização e uma justa compensação quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados, tendo em linha de conta os factores que em tal se repercutem, como sejam os rendimentos, as culturas, os acessos, localização e encargos do prédio. Trata-se no fundo de harmonizar dois imperativos constitucionais: por um lado a salvaguarda do direito à propriedade e por outro a sujeição do mesmo ao interesse público – art.º 62.º da CRP.

    Mas se o artigo 62.° da Constituição e a lei ordinária apontam para uma justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, o escopo em vista só pode ser alcançado através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram, sendo certo que apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente técnico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elementos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal fundamentação do escopo final do processo, a fixação da indemnização global que não representa senão o segundo termo do “sinalagma expropriativo” desapossamento/indemnização objecto do processo em análise. Ao arbitrar a indemnização, cumpre também o Juiz um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse momento que o expropriado, que havia com desapossamento começado por ser colocado numa posição de desigualdade perante os outros concidadãos, recupera, através da indemnização pecuniária, a paridade que o desfalque patrimonial lhe havia retirado.

    2.2.2. Características do prédio expropriado.

    O artigo 25.°, n.º 1, do Código das Expropriações – diploma a que doravante pertencerão os restantes normativos citados sem menção de origem – classifica para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação o solo em duas categorias: a) solo apto para construção; e b) solo para outros fins; o n.º 2 menciona os requisitos que aquele deverá preencher para que possa ser considerado como solo apto para construção. Por seu turno o n.º 3 é peremptório em referir que “considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior”.

    Perante os factos provados importa aquilatar à partida se as parcelas expropriadas integram, face à lei os requisitos positivos susceptíveis de lhes conferir viabilidade edificativa.

    Prova-se sob este aspecto essencialmente o seguinte:

    1) As parcelas expropriadas situam-se dentro da freguesia de S. Vicente que é uma das freguesias integrantes da cidade da Guarda;

    2) A parcela n.º … confronta com a Avenida Cidade de Salamanca, que é pavimentada com betuminoso, e a parcela n.º … confronta com esta avenida e com o acesso (também pavimentado com betuminoso) o Itinerário Principal n.º 5;

    3) Possuíam bons acessos às referidas vias de comunicação;

    4) Não possuíam no seu interior qualquer infra-estrutura urbanística;

    5) Na Avenida Cidade de Salamanca, nas imediações das parcelas, existiam, no entanto, as seguintes infra-estruturas:

    - rede de abastecimento de água;

    - rede de saneamento básico, em ligação com a estação depuradora;

    - rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão;

    - rede telefónica;

    6) Possuíam uma razoável qualidade ambiental;

    7) São vizinhas da Escola C + S de S. Miguel;

    8) Situa-se na periferia de uma área urbanizada, junto de uma área de comércio e de indústria, onde se encontram expostos muitos equipamentos;

    9) A cércea ou altura dos prédios existentes num raio de 300 metros é de 1 a 4 pisos, os quais possuem, regra geral, caves destinadas a arrumos e garagens, rés-do-chão para fins comerciais e os demais pisos para habitação;

    10) O COS (coeficiente de ocupação do solo) é de 1,28 m2/m2;

    11) O valor comercial ou de mercado do terreno na zona, para terrenos com as mesmas características, é de 67,50;

    12) O valor de mercado da venda de apartamentos por m2 de área útil na zona é de € 600,00;

    13) O rendimento fundiário potencial bruto de um terreno com as características idênticas ao expropriado é 60,75 m2/ano.

    Perante estes factos não se nos suscitam dúvidas quanto à integração das parcelas expropriadas na previsão do artigo 25.°, n.º 1, alínea a). Para esta conclusão deverá ainda considerar-se que para que um solo possa ser classificado como apto para construção, não é necessário que coexistam todas as infra-estruturas a que se reporta o mencionado Diploma Legal. Refere-se no citado Parecer junto, na sequência aliás da obra publicada pelo respectivo Autor que “a classificação do solo como apto para construção não depende da existência de todas as infra-estruturas referidas na alínea a) do n.º 2 do artigo 24.° do CE, sendo relevante apenas a existência ou previsão da existência de um acesso rodoviário mesmo sem pavimento em calçada betuminoso ou equivalente. É o que resulta da conjugação daquela alínea com o disposto nos art.ºs 2.º e 3.º do artigo 25.° do CE. A existência das demais infra-estruturas releva apenas para efeitos do cálculo do valor do solo apto para a construção. Refira-se também que não é o facto de as infra-estruturas não se encontrarem in casu nas próprias parcelas que impede que as mesmas sejam classificadas como terrenos para construção; também aqui entendemos que “as infra-estruturas legalmente exigidas para qualificar um terreno expropriado como para construção não necessitam de se situar nesse terreno e precisam apenas de servir o aglomerado em que ele se situa por forma a poderem ser utilizadas ou aproveitadas por ele”. O que se compreende; na verdade, o que releva são as potencialidades do prédio para preencher determinados requisitos de acordo com as exigências urbanísticas, sendo em princípio indiferente a fonte daquele preenchimento.

    2.2.3. Os critérios da sentença apelada face à evolução da lei aplicável e jurisprudência.

    Reflexos a nível do valor expropriativo da inclusão do terreno na RAN e REN.

    Apurados os factores positivos com vista à classificação das parcelas em causa como solo para construção, nos termos da alínea a) do n.º 2...

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