Acórdão nº 553/03 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução12 de Novembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 553/2003

Proc. n.º 268/01

  1. Secção

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

  1. A., com os demais sinais dos autos, foi condenado pelo Tribunal Colectivo da Comarca ---------- como autor de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. nos termos dos artigos 16º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e 26º, n.º 7, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, em concurso com um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. nos termos dos artigos 2º e 17º da mesma Lei n.º 34/87, e 4º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 371/83, de 6 de Novembro, em cúmulo jurídico, na pena única de seis (6) anos de prisão e cento e cinquenta (150) dias de multa à taxa diária de 7.500$00, dos quais lhe foram perdoados, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, alíneas b) e d), da Lei n.º 15/94, um ano de prisão e toda a pena de multa.

  2. Realizada a audiência de discussão e julgamento - e no decurso da produção da prova -, foi ditado para a acta um despacho do Juiz Presidente, segundo o qual tinham sido indiciados factos que podiam configurar uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia.

    E face a essa verificação, notificou dessa alteração o arguido ?tudo conforme artigos 1.º, al. f), ?a contrario?, e 358.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, concedendo-se-lhe, se o desejar, o prazo de 10 dias para a preparação da defesa? (fls. 3256).

  3. De tal despacho logo o arguido interpôs recurso, sem prescindir do prazo concedido para a referida preparação, por entender que a factualidade indiciada importava uma alteração substancial da pronúncia, sendo certo que tais factos haviam sido objecto de apreciação e de arquivamento por parte do Ministério Público e, por isso, não eram novos.

    Assim, tal factualidade não podia ser tomada em conta no processo em curso, nem sequer valer como denúncia ao Ministério Público.

  4. Admitido o recurso, a subir com o que viesse a ser interposto de decisão final, veio a ser designado novo dia para julgamento, após o qual foi o arguido condenado pelos crimes por que se encontrava pronunciado.

  5. Não se conformando com a decisão proferida, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo na sua motivação suscitado várias questões de inconstitucionalidade, entre elas a dos artigos 410º, n.º 2, 432º, al. e), e 433º do Código de Processo Penal (CPP), por entender ter direito a um segundo grau de jurisdição que essas normas acabam por cercear-lhe.

    Tal recurso foi devolvido pelo Supremo Tribunal de Justiça à Relação d- ----------, por esta ser o competente para se pronunciar sobre o mesmo.

  6. O Tribunal da Relação d- ------------ veio, então, a confirmar a decisão da 1ª Instância, incluindo a decisão interlocutória, e não admitiu o recurso para o STJ com base no entendimento de que no caso ?vertente não está preenchida a condição (pena de prisão superior a 8 anos) imposta pela referida alínea f) do art.º 400º do CPP?.

    Desta decisão reclamou para o Presidente daquele Supremo Tribunal que, por sua vez, desatendeu a reclamação com base em que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações que confirmem a decisão da 1ª Instância em processo por crime a que não seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções (fls. 3466, in fine).

  7. Recorre, agora, o arguido para este Tribunal Constitucional contra o aludido acórdão do Tribunal da Relação, refutando o decidido com base nas razões que expôs ao longo das respectivas alegações e que sintetizou nas seguintes conclusões:

    7.1.

    I. A norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) retirada da conjugação dos art.os 327º, n.º 2, 355º, n.º 1, 360º, n.º 2, e 371º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a norma que estatui que, tornando-se necessária a produção de prova suplementar sobre aspectos atinentes à condição económica do arguido, a mesma pode ser feita após o encerramento da audiência, sem que se faculte à parte, ao Ministério Público e aos outros intervenientes processuais, a produção de alegações orais perante o tribunal colectivo, se não houver oposição expressa destes, por não ser absoluta a proibição constante no art.º 355º daquele diploma.

    II. A norma complexa, com a interpretação acolhida na decisão impugnada, viola o disposto nos n.os 1 e 5 do art.º 32º da Constituição (violação do princípio do contraditório e das mais elementares garantias de defesa do arguido).

    III. ?O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.?

    Ora, estando, no caso sub judicio, ultrapassada a fase instrutória, a garantia do contraditório há-de cobrir toda a audiência de julgamento, sendo irrelevante qualquer atitude processual do arguido de dispensa ou de renúncia a esta imposição constitucional.

    IV. O caminho percorrido, desde o texto constitucional, passando pelos entendimentos doutrinais e pela disciplina positiva constante do Código de Processo Penal, permitem detectar que a norma aplicada pelo Tribunal da Relação d- -------------- e que atrás foi identificada está afectada de inconstitucionalidade material.

    De facto, numa primeira linha de argumentação, o douto acórdão recorrido faz tábua rasa do enquadramento constitucional dos princípios do contraditório e acusatório e limita-se a admitir que o art.º 355º, n.º 1, do CPP, prescreve o procedimento seguido no Tribunal de 1ª Instância.

    Mas, logo em seguida, considera que a falta de oposição do arguido, sanou de imediato a possível nulidade, para deixar de poder ser invocada.

    Sem razão, porém.

    De facto, o arguido foi notificado da junção de documentos aos autos por actuação oficiosa do tribunal e, no exercício dos seus poderes-deveres de cooperação, pronunciou-se sobre o respectivo teor, nada mais dizendo porquanto nada mais era exigível que dissesse, atendendo à sua estratégia processual de se pronunciar em audiência de julgamento, para o efeito a reabrir, em alegações, após as alegações do Ministério Público.

    V. Não lhe tendo sido, inconstitucionalmente, facultada a possibilidade de alegação oral e de exame contraditório dessas provas, foi confrontado com a prolação do acórdão condenatório.

    Nem se diga que o juízo do Tribunal da Relação d-- ---------- não pode ser sindicado pelo Tribunal Constitucional, porquanto a este último cabe, de facto, a última palavra sobre se a suscitação da questão de constitucionalidade foi atempada. E este Órgão Supremo da Jurisdição Constitucional irá certamente considerar que, só no momento da notificação do acórdão condenatório, é que se consumou a impossibilidade de contraditório presencial sobre a última prova carreada para os autos sobre a condição económica do arguido e dos seus familiares e da alegação em último lugar sobre o valor dessa prova.

    VI. Conclui-se, assim, que viola frontalmente os n.os 1 e 5 do art.º 32º da Constituição a norma acima identificada, na interpretação acolhida no douto acórdão recorrido

    .

    7.2.

    VII - As normas (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada) dos art.os 1º, alínea f), e 359º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida no acórdão recorrido, ou seja, a de que não constitui alteração substancial dos factos descritos na pronúncia o aditamento a esta, durante a audiência, de novos factos criminosos, que haviam sido objecto de inquérito pelo Ministério Público (o qual fora arquivado), factos susceptíveis de preencher dois tipos diversos de crime ( no caso, a corrupção passiva para acto lícito e o crime de extorsão, previstos nos art.os 422º e 317º, n.º 1, c), ambos do Código Penal de 1982, na versão originária, respectivamente), não obstante os respectivos tipos protegerem bens jurídicos diversos, desde que, no caso concreto, não tenha havido agravamento dos limites das sanções aplicadas.

    VIII - A longa transcrição retirada do acórdão recorrido demonstra à saciedade o entendimento acolhido de que o Tribunal pode incluir na pronúncia factos relativamente aos quais o Mº Pº se absteve de acusar por falta de indícios.

    IX - Mas será constitucionalmente admissível este entendimento interpretativo (já que, legalmente, foi tido por incensurável)?

    Veja-se:

    O art.º 1º, alínea f), do CPP dá a seguinte definição de alteração substancial dos factos: ?aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis?.

    Esta definição aponta desde logo ? no seu sentido literal ? para que os factos devam constar da acusação. Ne procedeat iudex ex officio!

    Por seu turno, o art.º 358º do CPP, ao falar de ?alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia? pressupõe, claro, que os factos devam constar da ACUSAÇÃO ou da PRONÚNCIA.

    Não foi, porém, o que sucedeu manifestamente no caso sub judicio: OS FACTOS ADITADOS À PRONÚNCIA DURANTE O JULGAMENTO HAVIAM SIDO INVESTIGADOS PELO M.º P.º, ENTIDADE QUE SE ABSTIVERA DE ACUSAR O ARGUIDO POR FALTA DE INDÍCIOS, DETERMINANDO O ARQUIVAMENTO DOS AUTOS.

    E

    Note-se que o n.º 1 do art.º do 358º CPP fala de uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, não do aditamento de factos respeitantes a documentos juntos aos autos sem relevância na acusação ou na pronúncia!!!

    E

    Por seu turno, o art.º 359º, n.º 1, estabelece que a alteração substancial ? sempre dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ? não pode ser tomada em conta pelo tribunal, implicando a comunicação dos mesmos ao M.º P.º.

    X - No Ac. do TC n.º 674/99 (DR, II Série, n.º 47 de 25/02/2000), o TC julgou ?inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º do CPP, quando interpretadas no sentido de se não entender como alteração dos factos ? substancial ou não substancial ? a consideração, na...

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