Acórdão nº 529/03 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução31 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 529/03 Proc. n.º 667/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I ? Relatório

  1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de -----------, de 7 de Fevereiro de 2002, foi a ora recorrente, A., condenada, como co-autora de:

    ?- um crime de associação de auxílio à emigração ilegal, p.p. art. 135°, nos 1 e 2, do Dec.-Lei n° 244/98, de 08/08 três (3) anos de prisão;

    - um crime do art.134º, nos 1 e 2, do mesmo diploma preceitos a que correspondem os arts.135°,nos 1 e 2, e 134°, nos 1 e 2, do Dec.-Lei n°4/2001, de 10/01: quinze meses de prisão;

    - um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158°, n° I do C. Penal, treze meses de prisão;

    - um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154°, n° 1: doze meses de prisão.

    No cúmulo jurídico: quatro anos de prisão.?

  2. Inconformada com esta decisão a arguida recorreu dela para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo mantido igualmente interesse na apreciação de um recurso, entretanto interposto, respeitante à busca que fora efectuada em sua casa. Concluíra, então, a sua alegação, no que se refere à busca domiciliária, dizendo o seguinte:

    ?[...]

    I - A contagem do prazo para arguição de nulidade conta-se a partir do momento em que ao arguente tenham sido concedidas condições por ele requeridas que lhe possibilitem verificar e conhecer a invalidade, nomeadamente, pelo acesso a peças processuais que integram o inquérito e a quem tem direito a consultar.

    II ? Está maculada de nulidade insanável a busca domiciliária que não seja presidida pelo juiz que a ordenou ou autorizou, salvo se existir comprovada razão que impossibilite a sua presença

    III - A razão da impossibilidade de presidência à diligência de busca domiciliária pelo juiz que a ordenou deve constar por escrito dos autos, em momento anterior IV ? O acto de busca domiciliária comprime e limita os direitos fundamentais de reserva à intimidade da vida privada, inviolabilidade de domicílio e da dignidade da pessoa humana;

    V - Impondo que seja o juiz a presidir àquela diligência, o legislador introduziu um elemento de garantia e fiscalização de que tais direitos apenas serão limitados na medida do estritamente necessário à satisfação dos valores e interesse jurídicos de superior ou idêntica valia que justificam tal compressão.

    VI ? Está também viciada de nulidade a busca domiciliária efectuada sem que à pessoa que tem a disponibilidade do domicílio e que aí tem residência fixada, previamente lhe seja entregue cópia do despacho que determinou a busca por forma a que quem a recebe compreenda o seu teor, razão, finalidade e limitações da busca ordenada.

    VII- Tal entrega visa dar conhecimento à pessoa que a recebe da diligência a realizar, seus fins, limitações e entidade que a ordena, bem como do direito de se assistir à realização da busca fazendo-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança, que se apresente sem delonga.

    VIII- Não cumpre aquela obrigação de comunicação a entrega à pessoa que tem a disponibilidade do domicílio, aí residindo, mas e que é cidadão estrangeiro, sem que compreenda a língua portuguesa, de cópia do despacho aludido escrito em português, sem que quem faça a entrega cuide de lhe explicar, por forma a que tal cidadão o compreenda, do teor do documento entregue, seu fim, finalidades e limitações do acto, bem como da entidade que o ordenou e do direito que lhe assiste de se substituir ou fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, que se apresente sem delonga.

    IX- Se o cidadão estrangeiro não percebe português, nem os agentes que realizaram a busca falam a sua língua e se limitam a entregar-lhe cópia daquele despacho, verifica-se o incumprimento da obrigação imposta no art.176º, nº1 do C. P. Penal.

    X- Tanto este incumprimento como a falta da presença do juiz no acto da busca domiciliária determinam que este acto constitua intromissão abusiva na vida privada e no domicílio da recorrente.

    XI ? A douta decisão em crise fez interpretação das normas dos arts. 174º, n.º 3, 177º, n.º 1 e 119º, al. b do C. P. Penal no sentido de que tratando-se de busca domiciliária, pode o juiz não estar presente na sua realização, quando deveria ter interpretado tais normas no sentido de que a presença do juiz que ordenou tal acto é obrigatória, salvo ocorrendo razão que impossibilite tal presença e que deverá estar documentada nos autos e que tal ausência macula de nulidade insanável aquele acto;

    XII- É inconstitucional a interpretação assim adoptada pelo douto despacho recorrido por desrespeitar os direitos de reserva da intimidade da vida privada, inviolabilidade do domicílio e da dignidade da pessoa humana consagrados nos arts. 26º, n° 1, 3 e 4 e 34°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.

    XIII - A douta decisão em crise interpretou a norma do art. 176º, n.º 1 do C. P. Penal no sentido de que previamente à busca domiciliária é suficiente a entrega de cópia do despacho à pessoa que tem a disponibilidade do local, ainda que o não compreenda, quando deveria interpretá-la no sentido de que a obrigação ali imposta apenas é cumprida quando, previamente à busca é entregue àquela pessoa a dita cópia, por forma a que a mesma compreenda o seu conteúdo, o acto que ali ordenado, a sua finalidade, limitações e entidade que o ordenou e ainda de que tem o direito a fazer-se substituir ou acompanhar de pessoa da sua confiança na assistência a realização da busca.[...]?.

    Por seu turno, já no que se refere ao recurso da decisão de 7 de Fevereiro de 2002, após 36 páginas em que discute a matéria de facto e 6 em que, ?por mera cautela de patrocínio?, discute a matéria de direito, concluiu assim a recorrente a sua alegação:

    ?I - A matéria de facto descrita na douta acusação pública sob o número um é conclusiva, reportando-se a conceitos e não a factos concretos da vida real, pelo que [] tal matéria não é subsumível à previsão da norma incriminadora de nenhum dos tipos legais de crimes por que a recorrente[] foi condenada.

    II - A matéria de facto tida como provada no douto acórdão recorrido sob o número um do elenco da factualidade assim julgada, é conclusiva, reportando-se a conceitos, cláusulas gerais ou conclusões e não a factos concretos da vida real cuja autoria seja imputada concretamente aos arguidos, pelo que [] tal matéria não é subsumível à previsão da norma incriminadora de nenhum dos tipos legais de crimes por que a recorrente[] foi condenada.

    III - Atenta a fundamentação em que assentou a convicção do Tribunal recorrido, deveriam ter sido julgados não provados os factos descritos sob o número dois do elenco da factualidade julgada provada naquele douto aresto, na parte em que assenta que:

    "onde sabiam encontrar-se a trabalhar B., melhor identificado a fls. 112 dos autos"; " a fim de cobrarem importância por aquele devida a título de pagamento pela colocação laboral"; "à resistência por aquele oposta ao pagamento, os arguidos dali o levaram contra sua vontade, para o efeito utilizando a força física e fazendo-lhe crer que o molestariam fisicamente, conduzindo-o à "Pensão C.", na cidade de ------------------, onde foi obrigado a permanecer por uma noite, vigiado pelo D., que o impediu de dali se ausentar"; No dia seguinte, foi pelos mesmos arguidos colocado a trabalhar em local indeterminado, entre -------------- e --------------, desempenhando actividade relacionada com a colocação de saneamento básico, onde permaneceu apenas alguns dias, após o que se ausentou".

    IV - Atenta a fundamentação invocada pelo Tribunal recorrido, deveria ter sido julgado não provado o facto identificado com o número quatro na parte em que descreve que "Porém. a partir de então passaram a ser abordados por indivíduos que lhes referiram poderem ambos vir a sofrer actos contra a sua integridade física?.

    V - relativamente ao facto ali indicado como número cinco, atenta a fundamentação em que se alicerçou a convicção do Tribunal recorrido, deveria ter sido julgado não provado que " A agência russa, a qual tem por objecto a colocação de trabalhadores no estrangeiro" e ainda a parte em que refere "para onde foram levados pela A. e pelo E.".

    VI - Os factos julgados provados sob os números seis, sete e oito respeitando ao elemento subjectivo dos tipos de crime por que foram condenados, deverão ser julgados não provados por acessório aos relativos aos correspondentes elementos objectivos, pelas razões já ditas.

    VII - No elenco dos factos que a decisão impugnada fixou por verdadeiros, designadamente os ali indicados sob o números quatro e cinco, nada referem quanto à irregularidade da entrada dos cidadãos estrangeiros em Portugal;

    VIII - Foi nos factos indicados sob aqueles números quatro e cinco que a decisão fundou a sua convicção no preenchimento do tipo de crime de auxílio à imigração ilegal, com o que não deveria ter proferido decisão no sentido da condenação, nessa parte, por nada se ter julgado provado quanto a um dos elementos objectivos do tipo criminal em causa: a entrada irregular de cidadão estrangeiro em Portugal.

    IX- A acusação deve conter como elemento integrante os factos, enquanto ocorrências concretas da vida real, que sendo imputadas ao arguido, sejam adequadas ao preenchimento da previsão do tipo legal de crime: é com fundamento nestes factos que o julgador deverá, se caso disso for, decidir-se pela aplicação de uma pena ou medida de segurança.

    Não sendo alegados ou tidos como provados tais tipos de factos, não há lugar ao preenchimento da previsão de qualquer norma tipificadora de crime.

    X - A douta decisão em crise não julgou como provados quaisquer factos, actos ou omissões, imputáveis aos arguidos, que concretamente sejam subsumíveis à previsão do tipo de crime de associação criminosa para auxílio à imigração ilegal.

    XI- Quanto ao tipo legal de crime de auxilio à imigração ilegal, pelo douto acórdão em crise não foi julgado provado qualquer facto subsumível ao elemento objectivo do tipo correspondente à entrada ilegal de estrangeiros no nosso país.

    XII- Ainda...

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