Acórdão nº 205/12 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 205/2012

Processo n.º 142/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 151/2012, que decidiu negar provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:

    (…)2. Por sentença do Tribunal Judicial da Sertã o recorrente, entre outros arguidos, foi condenado, como autor material, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p.e p. pelo artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 105.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, ambos do RGIT e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 290 dias de multa, à taxa diária de € 8, num total de € 2320 e no pedido de indemnização civil deduzido pelo IGFSS.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que o julgou improcedente, exceto no que respeita à alteração da redação do n.º 28 da matéria de facto provada, tendo ainda alterado a integração jurídico-criminal dos factos efetuada na sentença recorrida, condenando os arguidos como coautores de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao artigo 105.º, n.º 1, ambos do RGIT.

    Ainda inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o recurso sido admitido no respeitante à parte cível, mas já não no que concerne à parte criminal.

    O arguido reclamou da não admissão do recurso, tendo a reclamação sido indeferida por decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrida, com fundamento, além do mais, no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP.

    3. Apesar de o recorrente indicar as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP como suporte normativo da interpretação normativa questionada, a verdade é que apenas a referida alínea e) foi convocada pela decisão recorrida como fundamento de não admissão do recurso para o STJ. Na verdade, estamos perante um caso em que se pretendia recorrer de acórdão da Relação, proferido em recurso, que aplicou pena não privativa da liberdade. Pelo que o objeto do recurso se restringe à apreciação da inconstitucionalidade da norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, quando interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique pena não privativa da liberdade, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão.

    Questões idênticas a esta foram já apreciadas neste Tribunal Constitucional.

    Entre outros, cumpre lembrar o Acórdão n.º 390/2004, que decidiu não julgar inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na dimensão normativa traduzida na irrecorribilidade de acórdão condenatório da Relação, ainda que o fundamento desse recurso se traduza na respetiva nulidade.

    Mais recentemente, o Acórdão n.º 659/2011, proferido nesta 2.ª Secção, julgou não inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão.

    Os fundamentos deste último aresto são, em síntese, os seguintes:

    I - Sendo certo que o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

    II - Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional; e o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

    III - Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa, constituindo, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, não havendo que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

    IV - Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

    V - Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos, pelo que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição não violando a interpretação normativa objeto de fiscalização o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

    VI - A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impondo, no entanto, que no seu núcleo essencial os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

    VII - Na interpretação normativa sob fiscalização não estamos perante uma situação de negação de acesso aos tribunais, mas sim de restrição do acesso, em via de recurso, a um determinado tribunal - o Supremo Tribunal de Justiça; a arguição de nulidade do acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação não tem de ser superada pela abertura de nova via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo legítimo reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, tenha sido aplicada; por isso, o estabelecimento de um critério normativo que exclui o recurso nas aludidas situações, fundado em razões justificativas racionalmente inteligíveis, não contraria de forma alguma os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e de um processo equitativo; assim sendo, a interpretação normativa objeto de fiscalização também não viola o disposto no artigo 20.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional.

    Esta jurisprudência, que subscrevemos, é mutatis mutandis aplicável ao caso em apreço, até por argumento de maioria de razão, uma vez que está em causa a irrecorribilidade de decisão proferida em recurso que confirma condenação em pena não privativa da liberdade.

    Assim, não...

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