Acórdão nº 528/03 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução31 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 528/03 Proc. n.º 597/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão (Cons. Bravo Serra)

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, e em que figura como recorrente, A. e, como recorrido, o Ministério Público, o relator, em 15 de Setembro de 2003, proferiu despacho limitador do objecto do recurso, notificando as «partes» para, com essa limitação, produzirem, em vinte dias, as suas alegações.

      Tal despacho tem o seguinte teor:

      ?1. Não se conformando com a decisão instrutória proferida em 29 de Maio de 2002 pelo Juiz de instrução criminal do Funchal na parte em que indeferiu a pretensão do arguido A. no sentido de ser declarada a nulidade das intercepções das comunicações telefónicas efectuadas por via de determinados «cartões» de telefones móveis, recorreu tal arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, na motivação que apresentou, formulado as seguintes «conclusões»:

      ?1º Os despachos a ordenar as escutas não estão fundamentados, nem de facto, nem de Direito, tal como é exigido, nem referindo o prazo pelo qual se deve autorizar a escuta.

      O M. Juiz ao não ter fundamentado nos despachos, fez errada interpretação das normas contidas no artº 97º nº 4 e 187º nº 1 do C.P.P., por violação do dever de fundamentação - artº 205º nº 1 e direito ao recurso, artº 32º nº 1 da C.R.P., pelo que nos termos supra referidos e do artº 189º são nulos, sendo consequentemente as escutas dependentes desses despachos.

    2. Não houve supervisão jurisdicional das escutas realizadas a partir dos postos de escuta, na medida em que se não mostra ter sido ouvida pelo M. Jic qualquer cassete contendo elementos de prova recolhidos a partir da audição das fitas magnéticas com as conversações interceptadas.

    3. Atendendo a que o M. Juiz se limitou a ordenar a junção nos termos sugeridos pelos Senhores Inspectores da Polícia Judiciária unicamente obedeceu ao critério escolhido pela entidade policial, não tendo sido respeitado o nº 3 do artº 188º, nem o prazo consignado no nº 1 daquele artigo.

    4. Não houve supervisão jurisdicional atempada das escutas telefónicas, constatando-se que toda a iniciativa e verificação do interesse de matéria interceptada ficou a cargo dos elementos da Polícia Judiciária, o que não se coaduna com o vertido no artº 188º nº 1-3 do C.P.P..

    5. Não resultaram pois as transcrições da selecção feita pelo M. Jic, mas sim pela Polícia Judiciária, pelo que se está perante acto jurisdicional levado a cabo por quem não está investido desse poder, pelo que tal acto terá de ser considerado inexistente.

    6. Consequentemente não deverão as gravações dessas cassetes referentes aos registos magnéticos ser valoradas pelo Tribunal.

    7. Assim sendo, considerando que todo a iniciativa e verificação do interesse da matéria interceptada ficou a cargo exclusivo dos elementos da Polícia Judiciária, até fls. as quais não foram de imediato apresentadas ao M. Juiz, entende-se que as escutas realizadas aos postos telefónicos são nulas e consequentemente nulo o valor das provas obtidas mediante o recurso às mesmas, nos termos dos artigos 34º, 32º- 18 da C.R.P. e 189º e 126º do C.P.P.

    8. A não se entender desta forma, deve considerar-se inconstitucional por violação das disposições conjugadas dos arts. 32º - 8, 34 - 1- 4 e 18º da C.R.P., a norma constante do artº 188º nº 1 do C.P.P., quando interpretada no sentido de não impor que o auto de gravação de conversações telefónicas, seja de imediato lavrado e levado ao conhecimento do Juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por certo período, seja concedida autorização para a sua continuação, sem que o Juiz tome conhecimento do resultado anterior.

      Neste sentido Ac. do Trib. Constitucional 10/01, 1ª Secção, Proc. 299/01.

    9. Devem julgar-se juridicamente inexistentes os autos de transcrição das gravações telefónicas, não podendo ser valoradas como elemento de prova.

    10. A não se entender desta forma, o Tribunal fez errada interpretação do artº 189º por não cumprimento do artº 187º e 188º do C.P.P., sendo violados os princípios consignados nos arts. 26º, nº 1 e 32º, nº 6, da C.R.P..?.

      Por acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2002 pelo Tribunal colectivo do Tribunal de comarca do Funchal, foi o indicado arguido, por entre outros, condenado na pena de nove anos de prisão pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 26º, nº 1, do Código Penal, e 21º e 24º, alíneas b), c) e j), estes do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

      Desse aresto recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, com tal recurso vindo, conforme foi decidido pelo acórdão, prolatado pelo mencionado Tribunal de 2ª Instância em 23 de Agosto de 2003, a ser julgado o recurso interposto da decisão instrutória.

      O dito Tribunal da Relação, por acórdão de 10 de Julho de 2003, concedeu parcial provimento ao recurso do arguido A., condenando-o, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punível pelo artº 21º do Decreto-Lei nº 15/93, na pena de seis anos de prisão.

      Nesse acórdão de 10 de Julho de 2003, tocantemente ao arguido ora recorrente e pelo que respeita à impugnação da decisão instrutória, na parte em que não declarou a nulidade da intercepção das comunicações telefónicas, discreteou-se assim, para o que ora releva:

      ?........................................................................................................................................................................................................................................................................................

      A questão a analisar consiste, pois, em saber se, por um lado, os despachos a ordenar as escutas não estão fundamentados e se, por outro, se verifica a invocada nulidade, por o Juiz de Instrução Criminal não ter controlado adequadamente todas as operações de escuta e transcrição.

      Vejamos:

      Na redacção dos arts. 187° e 188° do CPP (redacção anterior ao D.L.. 320 C/2000), dispunha-se o seguinte:

      Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação.

      Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova fá-los juntar ao processo: caso contrário ordena a sua destruição ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente àquilo a que tenham tomado conhecimento

      No tocante às operações de gravação das conversas telefónicas, as mesmas, uma vez efectuada a intercepção do telefone, passam a ser efectuadas automaticamente através de um sistema informático centralizado existente na Polícia Judiciária, sendo tal gravação feita em «disco rígido» de grande capacidade, suporte informático este que congrega, em simultâneo, inúmeras gravações de chamadas telefónicas respeitantes a múltiplos processos de inquérito em investigação.

      Todas as intercepções telefónicas e consequentes gravações de conversas ficam documentadas no «auto» de inquérito e o órgão de policia criminal apresenta ao juiz competente as gravações das conversas telefónicas.

      Porém, como a audição pelo juiz do conteúdo dos registos de sons implicaria longo trabalho daquele magistrado em funções executivas de recolha de prova, em prejuízo do exercício de outras funções que lhe são próprias, entendeu o legislador de 1987 que o mencionado auto deveria incluir a transcrição integral ou sumária do conteúdo das comunicações interceptadas.

      Na verdade, não só a proposta de Lei de autorização legislativa para a aprovação do CPP de 1987 falava na transcrição das conversações interceptadas, como o n.º 3, do art.º 188° do CPP, pressupunha claramente que aquele auto continha tais transcrições, pois só assim se compreenderia a possibilidade do arguido e do assistente poderem verificar a conformidade das gravações com o conteúdo do referido auto.

      E o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 407/97 decidiu que seria inconstitucional uma interpretação que não impusesse que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a escuta efectuada e levado ao conhecimento do juiz, com a necessária transcrição das conversações efectuadas.

      A justificação para a imediação na apresentação das escutas ao juiz, consagrada pelo legislador e defendida pelo Tribunal Constitucional é a de que o juiz possa controlar atempadamente a necessidade do prosseguimento das escutas por si determinadas.

      Porém, nada, na lei, ou na Constituição, impõe um prazo de 30 dias para que o órgão de polícia criminal apresente as gravações ao juiz competente com a documentação, no inquérito, da intercepção e da gravação.

      Não havendo prazo legal estabelecido, só caso a caso é que se poderá aferir o momento próprio para o órgão de polícia criminal proceder a tal apresentação.

      Após decorrido o período da intercepção telefónica, o órgão de polícia Criminal deverá, com a brevidade possível, tendo sempre presente a complexidade das investigações e a extensão das gravações, apresentar tais elementos ao juiz de instrução competente, para os efeitos do disposto no art.º 188, nº 3 do CPP, a fim de este controlar as gravações, no tocante à autorização prévia da escuta, à sua localização temporal no período judicialmente autorizado e à sua relevância ou irrelevância para a prova, determinando a sua transcrição e/ou destruição, dessa forma restringindo a invasão da intimidade da vida privada das pessoas.

      Pretender defender-se que o juiz de instrução é obrigado a controlar permanentemente a evolução das escutas telefónicas é utópico, irrealista e impraticável: sendo conhecida a modéstia dos meios técnicos e humanos da PJ para procedem à gravação das escutas telefónicas e à transcrição das respectivas conversações, a mencionada limitação imposta peto Tribunal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
12 temas prácticos
  • Acórdão nº 1/13.9YGLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2015
    • Portugal
    • 17 de abril de 2015
    ...direitos fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas sob tortura ou coacção (nulidade e não mera irregularidade. Cfr. AcTC n.º 528/03) obtidas com ofensa da integridade pessoal, da reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência ou das......
  • Acórdão nº 4/06 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Janeiro de 2006
    • Portugal
    • 3 de janeiro de 2006
    ...no despacho recorrido e a que a recorrente respondeu na motivação do recurso, a fls. 132, invocando em seu favor o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 528/2003, de 31 de Outubro de 2003), nomeadamente junto das operadoras de telecomunicações. Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 18......
  • Acórdão nº 123/13.6JAPRT.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017
    • Portugal
    • 30 de novembro de 2017
    ...do Tribunal Constitucional em Matéria de Escutas Telefónicas. Anotação aos Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, 374/01, 411/02 e 528/03, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Jan./Março 2004, págs. 55-56), que segue na esteira da posição defendida por Teresa Pizarro Beleza, Aponta......
  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2018
    • Portugal
    • Supremo Tribunal de Justiça
    • Invalid date
    ...do Tribunal Constitucional em Matéria de Escutas Telefónicas. Anotação aos Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, 374/01, 411/02 e 528/03, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Jan./Março 2004, págs. 55-56), que segue na esteira da posição defendida por Teresa Pizarro Beleza, Aponta......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
11 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT