Acórdão nº 123/13.6JAPRT.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, devidamente identificada nos autos, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, da decisão de primeira instância que a condenou nos autos em epígrafe. Aí se considerou que o incumprimento dos prazos dos nºs 3 e 4, do art. 188º, do CPP, constituía nulidade sanável, nos termos da al. c), do nº 3, do art. 120º, do mesmo Código. O recurso foi julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida, por acórdão de 10/9/2014, transitado em julgado a 21/10/2015.

É deste acórdão que agora a arguida vem interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o STJ, por considerar haver oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação do Porto, proferido a 23/2/2013 (Pº 1639/09.4JAPRT.P1, da 1ª Secção) transitado em julgado em 21/5/2014, que assim se considerou acórdão fundamento. A divergência em questão reporta-se ao facto de saber se a prova obtida através de interceções telefónicas, quando não é apresentada pelo Mº Pº ao juiz de instrução, no prazo de 48 horas, está ferida de nulidade insanável, não podendo ser utilizada por configurar um método proibido de prova, nos termos do art. 126.º, n.º 3, do CPP e tendo em conta o disposto no art.º 188º nº 4 do CPP. Ou então, se a preterição deste prazo se traduz numa mera nulidade sanável, e por isso sujeita a arguição nos termos e prazo do art. 120.º, n.º 3, al. c), do mesmo Código.

A – RECURSO I - Foram as seguintes as conclusões da motivação da recorrente: "1- No douto acórdão de que se recorre, decidiu-se que o incumprimento dos prazos estabelecidos nos nºs 3 e 4 do artigo 188.º do CPP configura uma nulidade sanável nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 120.º do C.P.P.

2- Esta decisão está em oposição com uma outra proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, na 1 Secção, processo nº 1639/09.4JAPRT.P1, de 23 de Fevereiro de 2013.

3- Neste douto aresto, agora fundamento, contrariamente, decidiu-se que o incumprimento dos prazos estabelecidos nos nºs 3 e 4 do artigo 188º do CPP configura uma proibição de prova nos termos do n.º 3 do artigo 126.º do CPP 4- Nestes dois doutos arestos decidiu-se a mesma questão fundamental de direito, sobre uma questão análoga de facto, sempre no âmbito da mesma legislação e assentando em soluções manifestamente opostas.

5- Saber se, a natureza da invalidade resultante da inobservância dos procedimento previstos no artigo 188º CPP configura uma nulidade sanável ou uma proibição de prova.

6- Entendemos que deve ser fixada jurisprudência com o sentido do acórdão fundamento deste recurso, ou seja, a natureza da invalidade resultante da inobservância dos procedimentos previstos no artigo 188.º do CPP configura a proibição de prova prevista no n.º 3 do artigo 126.º do CPP.

Violaram-se as seguintes disposições legais - Artigos 120.º, 126.º, 188.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal.

Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e em consequência fixar-se jurisprudência no sentido propugnado e de acordo com o acórdão fundamento." II – O Mº Pº, respondeu doutamente, considerando estarem preenchidos os pressupostos formais e substanciais de que depende a admissibilidade do presente recurso, à luz dos arts. 401º, nº 1, al. b) e 437º, do CPP, devendo os autos prosseguir, para que seja uniformizada jurisprudência, acolhendo-se a solução consagrada no acórdão recorrido. Colhidos os vistos os autos foram submetidos a conferência, e por acórdão de 23/3/2017, proferidos nestes autos ao abrigo do art. 440º, nº 4, do CPP, foi deliberado "estarem verificados os requisitos formais e substanciais previstos nos arts. 437.º e 438º do CPP, de que depende a continuação do presente recurso, por o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado assentarem em factos que se equivalem, havendo oposição de julgados quanto à mesma questão de direito, e daí que o presente recurso deva prosseguir, nos termos do nº 1 do art. 442º do CPP".

Só o Mº Pº alegou, de acordo com o art. 442º, nº 1, do CPP, defendendo que a preterição do prazo acima apontado se traduzia numa mera nulidade sanável, e concluiu assim: "7.1. A jurisprudência que uniformemente vinha sendo adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a propósito do regime de nulidades decorrente, consoante o caso, da violação dos pressupostos substanciais de admissão de escutas densificados no art. 187.º, ou da inobservância das formalidades processuais para a sua aquisição, estas contidas no art. 188.º, ambos do CPP, não caducou com a introdução, ex novo, da expressão "não podendo ser utilizadas", colocada, entre vírgulas, imediatamente a seguir ao segmento normativo "são igualmente nulas", na redação decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.

7.2. O aditamento, àquele nº 3, da sobredita expressão: "não podendo ser utilizadas", referindo-se às provas nulas, por serem obtidas mediante intromissão (...) nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular, não legitima que se fundamente o juízo de que a preterição do prazo de 48 horas estipulado no art. 188.º, nº 4, por remissão do art. 190.º, ambos do CPP, constitui nulidade insanável.

7.3. Com a introdução do segmento normativo em causa mais não fez, de resto, o legislador, do que consagrar, agora de forma expressa, o que estava implícito na redação anterior, cujo n.º 1 já previa, tal como agora, que «são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas [...]». A nova redação limitou-se, pois, a reproduzir, agora também no n.º 3 do preceito, a citada expressão, que manteve intocada no n.º 1. Ou, dito por outras palavras, quando na redação anterior do n.º 3 do art. 126.º se previa que, citamos, «são igualmente nulas as provas obtidas...», isso só poderia significar que elas eram nulas nos mesmos termos do n.º 1 do preceito, ou seja, «são nulas, não podendo ser utilizadas...». Só essa dimensão normativa é, com efeito, compatível com a expressão «são igualmente nulas», em vez de, apenas, «são nulas».

7.4. Ademais, sendo de presumir, desde logo à luz do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e conhecendo o mesmo legislador a interpretação que pacificamente vinha sendo acolhida, mormente pela jurisprudência do STJ, temos por certo que, se fosse outra a intenção da norma, pelo menos o advérbio" igualmente" não poderia ter deixado de ser eliminado do texto legal.

7.5. Verificados que estejam, pois, os requisitos de admissibilidade de interceções telefónicas, e uma vez obtida a sua prévia autorização judicial, a lei permite que seja validamente recolhida e utilizada a prova obtida, ainda que com sacrifício do direito ao sigilo das comunicações dos respetivos visados.

7.6. O direito ao sigilo dos meios de comunicação privada só pode ser restringido, como é sabido, nos termos constitucionalmente previstos e limitar-se ao necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos (art. 18.º n.ºs 1 e 2 da CRP).

7.7. Ora, no caso que nos ocupa, e perante o direito que se pretende salvaguardar, não pode deixar de reconhecer-se que a mera ultrapassagem do sobredito prazo de 48 horas não constitui qualquer interferência/intromissão nas telecomunicações. Verdadeiramente, essa interferência/intromissão ocorreu, isso sim, num momento anterior, aquele em que, em concreto, as interceções foram ordenadas, e autorizadas, por se considerarem verificados os requisitos e pressupostos da sua admissibilidade.

7.8. Daí que a preterição daquele prazo de 48 horas não possa ter a potencialidade de operar a transformação de uma prova validamente obtida, num método proibido de prova.

7.9. Tanto mais que aquela e as demais formalidades reguladas pelo art. 188.º do CPP se destinam a prosseguir finalidades de índole meramente procedimental, como a da eficácia do procedimento e sobretudo a garantia do controlo judicial, ao lado de um simples interesse de celeridade, finalidades que, de todo, não contendem com direitos fundamentais nem se prendem diretamente com a dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual o seu desrespeito só possa configurar nulidade sanável e, por isso, sujeita a arguição.

7.10. Esta é, aliás, a dimensão interpretativa que, mesmo já na vigência da mencionada reforma de 2007, vem sendo seguida, uniforme e pacificamente, pela jurisprudência do STJ, de que são exemplo os acórdãos de 03-11-2016, proferido no Processo n.º 63/10.0P6PRT.P1, e de 24-11-2016, proferido no Processo n. º 108/10.4PEPRT.P1.S1.

7.11. Sendo que já mereceu também o devido respaldo do Tribunal Constitucional onde, pelo acórdão n.º 476/2015, de 30-09-2015, se firmou jurisprudência no sentido de «não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 119.º, 120.º, 126.º, 188.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a preterição dos prazos referidos no artigo 188.º, n.ºs 3 e 4 do aludido Código se traduz numa nulidade sanável e por isso sujeita a arguição no prazo de 5 dias subsequentes à notificação do despacho que procedeu ao encerramento do inquérito».

*** Propõe-se pois, neste quadro, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação do Porto, de 10 de setembro de 2014, proferido no Processo n.º 123/13.6JAPRT.P1-A, e de 23 de fevereiro de 2013, proferido na mesma Relação no âmbito do Processo n.º 1639/09.4JAPRT.P1, seja resolvido nos seguintes termos: «I - A falta de apresentação das interceções telefónicas, ao juiz, no prazo de 48 horas, nos termos e para os efeitos do art.º 188º nº 4 do CPP, traduz-se numa nulidade sanável, sujeita a arguição nos termos e prazos do art. 120.º n.º 3 do CPP».

II - A prova obtida através daquelas interceções telefónicas não constitui um método proibido de prova

." Colhidos os vistos submeteram-se os autos a conferência do Pleno das Secções Criminais do STJ, cumprindo decidir.

B – APRECIAÇÃO 1 – A oposição de julgados.

Porque a decisão da conferência da 5ª Secção Criminal do STJ...

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