Acórdão nº 456/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Outubro de 2003

Data14 Outubro 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 456/2003

Proc. nº 193/2003

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Na acção comum de investigação de paternidade, que A. propõe contra B., a correr termos no Tribunal Judicial de ----------------, foi proferido o seguinte despacho saneador:

    * Caducidade do direito do Autor ?

    O Réu excepciona a caducidade do direito do Autor com fundamento no disposto no art. 1817°-1 CC (ex vi art. 1873°).

    O Autor replicou, pugnando pela improcedência da excepção.

    Apreciando.

    O art. 1817°-1 CC ( aplicável às acções de investigação de paternidade por força do 1873°) dispõe que ?A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação?.

    Trata-se de disposição que tem em vista, além do mais, razões de certeza, segurança e estímulo à real função ético social da paternidade (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. V, p.315).

    Do próprio texto constitucional, em particular dos arts. 25°-1 e 26°-1 CRP, extrai-se um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade, a qual representa, sem dúvida, uma referência essencial de cada indivíduo (parâmetro extrínseco) e um elemento determinante da própria capacidade de auto-identificação de cada um como pessoa (parâmetro intrínseco). O conhecimento da ascendência verdadeira (?direito à historicidade pessoal? para usar as palavras de G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., p.179) é, de facto, um aspecto ímpar da personalidade individual e uma condição de gozo pleno desses direitos fundamentais (G. Oliveira, Impugnação da Paternidade - BFDUC Suplemento XX, p.193).

    Daí que a constitucionalidade do art. 1817°-1 tenha já sido questionada com o pretexto de que a investigação da filiação, por respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, não devia ser limitada no tempo. O Tribunal Constitucional, contudo, sempre que chamado a pronunciar-se, decidiu invariavelmente pela respectiva conformidade da norma à Lei Fundamental (AcsTC 413/89, BMJ 387, p. 262, 451/89, BMJ 388 p. 561, 311/95, inédito, e 506/99, DR II de 17Mar00).

    Este abundante quadro jurisprudencial - quer com ele se concorde, quer dele se discorde (como o fez o AcSTJ 25Jun98, BMJ 478, p.293, na sequência do qual, aliás, foi proferido o último dos citados arestos) -, leva a que não se questione agora, uma vez mais, a harmonia constitucional da norma em causa (para uma apreciação global da limitação no tempo do direito de investigar, vd. G. Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, pp. 460 ss, P. Lima e A. Varela, ob. cit., pp.81-83 e A. Pereira, A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade - alguns problemas, ROA 48°, p.121).

    Assim, no caso concreto, é manifesto que, em face do nº 1 do art. 1817°, o direito do Autor caducou (art. 298°-2, excepção que, aliás, é de conhecimento oficioso, segundo o art.333°-1 CC).

    *

    A verdade é que o citado art. 1817° estabelece no seu nº 2 (de igual forma válido para as acções de investigação de paternidade, art. 1873° CC) que ?Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815º, a acção pode ser proposta no ano seguinte à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo estabelecido no número anterior, se para tal o investigante tiver legitimidade?. Aquele art. 1815° prescreve, por seu turno, que ?Não é admissível o reconhecimento de maternidade em contrário da que conste do registo do nascimento?.

    Ou seja, a inscrição ou registo constitui impedimento à propositura da acção de investigação, que deve ser removido pelo investigante enquanto for menor ou nos dois anos seguintes à maioridade.

    Ao que se saiba, a adequação deste nº 2 do art. 1817° à Constituição nunca foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. E, sem negar que as razões que estão na origem do julgamento de constitucionalidade dos nºs 1, 3 e 4 (além da já mencionada apreciação constitucional do nº1, o TC analisou já também a destes nºs 3 e 4 nos Acs TC 99/88, BMJ 376, p. 308, 413/89, BMJ 387, p. 262, e 370/91, BMJ 409, p. 314) possam também servir, em parte e em casos contados, para o nº 2, já nos parece que elas não são válidas para as situações em que a rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório tenham sido promovidos, e conseguidos, não pelo investigante, mas por terceiros.

    E é essa justamente uma dessas que temos agora em mãos!

    Em tais casos, parece óbvio que a condição imposta pela norma (remoção da inscrição ou registo pelo investigante até aos seus 20 anos) agrava inexplicavelmente a posição do filho-investigante e pode levar a situações de profunda injustiça.

    Não se discute que é constitucionalmente legítima a fixação pela lei de prazos de caducidade do direito de acção de investigação da paternidade. Mas, em...

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