Acórdão nº 747/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução04 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 747/2022

Processo n.º 362/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2020, pedindo a fiscalização do disposto no artigo 1844.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil (CC), com fundamento em violação do direito a tutela judicial efetiva (artigo 20.,º da Constituição da República portuguesa), dos direitos à identidade pessoal e à identidade genética (artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa) e do direito a constituir família (artigo 36.º, da Constituição da República Portuguesa).

2. A. propôs ação declarativa (constitutiva-negativa) de impugnação da paternidade de B., presumida na pessoa de C., pai do Autor e decesso antes da instauração da instância.

A ação foi julgada totalmente improcedente em 1.ª instância, por operatividade de exceção (perentória) de caducidade, ex vi artigo 1844.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil (CC), decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência de recurso interposto pelo Autor.

Ainda inconformado, A. interpôs recurso de revista extraordinária para o Supremo Tribunal de Justiça, admitida, mas a que foi também negado provimento.

3. A. interpôs então recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, como acima relatado, mediante requerimento de interposição com o seguinte teor:

vem a V. Ex.ª expor e requerer o seguinte:

1.º Têm os presentes autos origem na decisão proferida pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Oliveira do Bairro que julgou totalmente procedente a exceção peremptória da caducidade do direito de ação do autor invocada pelas Ré e, consequentemente, absolveu-as do pedido;

2.º Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto;

3.º Admitido o recurso interposto foi o mesmo julgado improcedente, confirmando a decisão recorrida;

Assim

4.º E inconformado com esta decisão, o recorrente veio interpor revista a título excepcional, a qual foi considerada admissível,

5.º desde logo e imediatamente com o fundamento precisamente na inconstitucionalidade material da norma do artigo 1844.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil.

Contudo,

6.º o que é facto é que entendeu o Supremo Tribunal de Justiça manter a decisão do Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, não reconhecendo a existência da alegada inconstitucionalidade.

Por isso,

7.º e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de Novembro), e declarado até pelo Supremo Tribunal de Justiça,

8.º encontram-se já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários,

9.º que lhe possibilite, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão da aplicação da supra citada norma do Código Civil com a qual continua a não poder conformar-se,

10.º e de cuja inconstitucionalidade continua inabalavelmente persuadido.

Nestes termos,

11.º e porque, como referido, o recorrentes continua inconformado com a decisão proferida por esse Supremo Tribunal de Justiça que decidiu julgar conforme com o texto constitucional a norma constante do artigo 1844.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil,

12.º dela vem agora o recorrente, porque está em tempo e para tal têm legitimidade (Cfr. al. b) do nº 1 do art.º 72º da Lei do T. Constitucional),

interpor recurso para o Tribunal Constitucional

13.º o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).

De facto,

14.º e de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais,

15.º atento o disposto na alínea b), do nº 1 do artigo 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo da qual o presente recurso é interposto,

16.º e ainda atento o disposto no artigo 67º da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68º seguinte),

17.º designadamente a inconstitucionalidade da norma constante dos artigos 1844.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil.

18.º e também das normas que do todo coerente deste diploma legal lhes sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram.

19.º Tudo isto por manifesta violação do direito à tutela judicial efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, e por violação dos direitos à identidade pessoal e à identidade genética previstos no artigo 26.º da CRP e do direito a constituir família, previsto no artigo 36.º da CRP.

Na verdade,

20.º todas estas questões de inconstitucionalidade material constituem a base fundamental do inconformismo do recorrente com a decisão proferida pelo Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro - Juízo de Família e Menores e, depois, com as decisões jurisdicionais que se lhe seguiram,

21.º e, por isso mesmo, foram desde logo suscitadas quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal de 1ª instância (cfr. Artºs. 26.º e segs. das alegações) quer nas suas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Artºs. 20.º a 25.º, 40.º a 48.º das alegações).

Termos em que

observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal o recorrente tem legitimidade, está em tempo e está representada por advogado (cfr artºs 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional)

4. O Tribunal “a quo” admitiu o recurso, que foi também recebido no Tribunal Constitucional.

O recorrente apresentou alegações nos seguintes termos:

“Têm os presentes autos origem na decisão proferida pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Oliveira do Bairro que julgou totalmente procedente a exceção peremptória da caducidade do direito de ação do autor invocada pelas Ré e, consequentemente, absolveu-as do pedido;

Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto;

Admitido o recurso interposto foi o mesmo julgado improcedente, confirmando a decisão recorrida;

Assim, e inconformado com esta decisão, o recorrente veio interpor revista a título excepcional, a qual foi considerada admissível,

desde logo e imediatamente com o fundamento precisamente na inconstitucionalidade material da norma do artigo 1844.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil.

Contudo,

O que é facto é que entendeu o Supremo Tribunal de Justiça manter a decisão do Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, não reconhecendo a existência da alegada inconstitucionalidade.

Ora, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais da norma constante dos artigos 1844.º , n.º 2, alínea a) do Código Civil e também das normas que do todo coerente deste diploma legal lhes sejam direta ou indiretamente consequentes ou delas decorram.

Tudo isto por manifesta violação do direito à tutela judiciai efetiva, consagrado no artigo 20.º da CRP, e por violação dos direitos à identidade pessoal e à identidade genética previstos no artigo 26ºB da CRP e do direito a constituir família, previsto no artigo 36.º da CRP.

Na verdade,

Estabelece o artigo 1844.º do Código Civil que:

"1. Se o titular do direito de impugnar a paternidade falecer no decurso da ação, ou sem a haver intentado, mas antes de findar o prazo estabelecido nos artigos 1842.º e 1843.º, tem legitimidade para nela prosseguir ou para a intentar:

a) No caso de morte do presumido pai, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens que não seja a mãe do filho, os descendentes e ascendentes;

b) No caso de morte da mãe, os descendentes e ascendentes;

c) No caso de morte do filho, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os descendentes.

2. O direito de impugnação conferido às pessoas mencionadas no número anterior caduca se a ação não for proposta no prazo de noventa dias a contar:

a) Da morte do marido ou da mãe, ou do nascimento de filho póstumo, no caso das alíneas a) e b);

b) Da morte do filho, no caso da alínea c)."

É jurisprudência unânime que os prazos legalmente estabelecidos para efeitos de impugnação da paternidade são meramente indicativos, em face dos princípios que lhes estão subjacentes.

Neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.09.2010, disponível in www.dgsi.pt . cujo sumário se transcreve: "1. O direito ao conhecimento da filiação biológica (ou natural) é pessoalíssimo, incluindo o direito à identidade genética, sendo irrepetível e com dimensão permissiva alcançar a "história" e identidade próprias, já que aquele factor genético condiciona a personalidade. 2. Trata-se de um direito fundamental constitucionalmente consagrado como de identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) que adquire a dimensão de desenvolvimento da personalidade e um relevante valor social e moral. 3. O direito a investigar a paternidade é imprescritível sendo injustificada qualquer limitação...

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