Acórdão nº 65/14.8T8FAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, casada, e BB, casada, residentes na Rua ..., propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC, pedindo que, na sua procedência, se declare que o réu é o pai biológico das autoras [a], que o réu seja condenado a reconhecer as autoras como suas filhas [b], que seja ordenado o averbamento, nos assentos de nascimento das autoras, da sua paternidade, nos termos da lei civil [c], alegando, para tanto, no essencial, que das relações sexuais mantidas entre a mãe das autoras, DD, e o réu, em consequência de uma relação amorosa que estabeleceram, durante cerca de sete anos, resultaram para aquela gravidezes e o nascimento das autoras, bem como de outro filho, entretanto, falecido.

Tendo as autoras sempre questionado sua mãe sobre a identidade de seu pai, esta sempre deu respostas vagas, sendo certo que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, telefona-lhe e pede-lhe que estabeleça a sua filiação, mas este recusa os seus apelos.

Na contestação, o réu excecionou a caducidade do direito das autoras instaurarem a presente ação, atento o disposto nos artigos 1873º e 1817º, ambos do Código Civil, impugnando ainda a factualidade alegada pelas mesmas, relativamente ao conhecimento transmitido pela mãe sobre a identidade de seu pai e bem assim como que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, lhe telefone e peça que estabeleça a sua filiação, e que este recuse os seus apelos.

Na sua resposta, as autoras limitaram-se a rebater a exceção da caducidade, que se não verifica, porque a ação de investigação de paternidade não está sujeita a prazo de caducidade, alegando ainda que o artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, publicado no DR, de 8 de fevereiro de 2006, concluindo pela sua improcedência, mas sem qualquer referência factual quanto à extensão do prazo de propositura da ação, não invocando o circunstancionalismo superveniente justificativo da aplicação do estatuído pelo artigo 1817, nº 3, b), do Código Civil, que, no articulado inicial, imperfeitamente, alegaram.

No despacho saneador, julgou-se verificada e procedente a invocada exceção perentória de caducidade e, em consequência, declarou-se a caducidade do direito de investigação de paternidade exercido pelas autoras com a presente ação, deste modo se absolvendo o réu do pedido.

Deste saneador-sentença, as autoras interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação acordado “julgar o recurso de apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida”.

Do acórdão da Relação de Guimarães, as autoras interpuseram agora recurso de revista, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja revogado e substituído por outro que contemple as conclusões «infra» elencadas, que, na parte útil ao objeto da revista, se transcrevem: ……………………………………………………………………………………………………………………..

9ª – É inconstitucional o prazo de caducidade previsto no n° 1 do art.º 1817° do Código Civil, na redação dada pela Lei n° 14/2009 de 1 de Abril, aplicável à investigação de paternidade por remissão do art.º 1873° do mesmo código, porquanto a limitação temporal ao direito de intentar acção de investigação de paternidade constitui afronta ao consagrado constitucionalmente, relativamente a Direitos, Liberdades e Garantias; 10ª - A limitação temporal ao direito de investigação da paternidade é violadora dos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2, 26, n.ºs 1 e 3 e 36°, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa; 11ª - O direito de investigação de paternidade não caduca, porque se trata do direito fundamental ao conhecimento da identidade pessoal, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. Trata-se, pois de direito pessoal, intangível e imprescritível, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente do investigado, que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei; 12ª - A fixação de um prazo não resulta num justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e sua família e do interesse público da estabilidade das relações jurídicas; 13ª - O direito do investigante ao estabelecimento da sua paternidade e identidade pessoal é um direito mais forte, é um direito constitucionalmente garantido, é um direito que prevalece sobre o direito do investigado e da sua família bem como sobre o interesse público da estabilidade das relações jurídicas (art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa); 14ª - O art.º 26° da Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano; 15ª - A ação de investigação de paternidade é também um mecanismo criado pelo Estado que permite o exercício de outro direito constitucional, para além do da identidade pessoal, que é o “direito de constituir família”, previsto no n° 1 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa; 16ª - A caducidade do direito de ação de investigação da paternidade viola o disposto no n° 4 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa que proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento; 17ª - A superioridade dos interesses do investigante não se compadece com qualquer limitação dos seus direitos fundamentais; 18ª - As considerações de segurança jurídica, pessoal e familiar do investigado têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito do investigante, têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito à identidade pessoal, protegido nos art.º 18°. n.s 1 e 2 e 26°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, e que tem maior densidade constitucional; 19ª - No confronto entre o direito ao conhecimento e estabelecimento da ascendência e à verdade biológica, com a confiança, a segurança e a reserva do investigado pai ou dos seus herdeiros, obviamente que deve prevalecer o primeiro, por ser um direito socialmente mais importante, correspondendo à tutela da personalidade, sendo por isso indisponível, absoluto e imprescritível; 20ª - Os danos eventualmente causados ao pretenso pai, com a acção de investigação de paternidade, não são superiores aos sofridos pelo pretenso filho, caso a completa filiação do mesmo se mantivesse por estabelecer, nem aqueles seriam agravados pelo decurso do tempo; 21ª - O direito do investigante à sua identidade, direito fundamental no qual se integra o direito a conhecer a identidade dos progenitores não pode ser, portanto, impedido por limitações temporais, por afrontar o disposto nos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa; 22ª - A mais recente doutrina e jurisprudência vai no sentido da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade precisamente porque há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal, um princípio de verdade pessoal; 23ª - No âmbito do exercício do direito de ação de investigação de paternidade o interesse do investigante prevalece sobre os demais — interesse do investigado e sua família e interesse público da estabilidade das relações jurídicas; 24ª - Tem o investigante direito à identidade pessoal. Trata-se de um direito constitucionalmente garantido (art.º 26° da Constituição da República Portuguesa); 25ª - Ao colocar-se no mesmo patamar o interesse do investigante e o interesse do investigado, está apenas a proteger-se um progenitor relapso, desinteressado, que não acautela os interesses dos seus filhos. Um pai que não integra o conceito do bonus pater familiae; 26ª - Um progenitor responsável e consciente não carece que o condenem a reconhecer um filho como seu, um progenitor responsável chama a si o exercício da responsabilidade parental; 27ª - Ao ser o filho a desencadear a ação de investigação de paternidade está a imputar-se-lhe um “ónus” que deveria ser do investigado, pois este espontaneamente deveria reconhecer a paternidade dos filhos que concebeu ou tendo dúvidas sobre a titularidade da mesma dispor-se a esclarecê-la; 28ª - Com a limitação temporal o investigante é prejudicado e o investigado, que por uma questão moral, de honra e carácter deveria reconhecer os filhos que concebe, é premiado, pois a lei não deixa que essa responsabilidade lhe seja atribuída; 29ª - As consequências da caducidade da acção de investigação da paternidade são desproporcionadas do ponto de vista do investigante e do investigado. O prejuízo do investigante com a caducidade da acção de investigação da paternidade é superior ao prejuízo que para o investigado resulta da procedência da acção, que será a de ser condenado a reconhecer a paternidade. Ora, qual é a penalização se de facto é o progenitor? Apenas se está a condenar a fazer o que deveria ter feito ou que não fez por desconhecimento. Reconhecer o filho que concebeu; 30ª - Ao investigante falta uma parte da sua identidade, relativa ao progenitor e à família deste. O investigado só quer que não o perturbem, que não afectem a sua tranquilidade; 31ª - Os progenitores conscientes reconhecem os seus filhos. Os interesses e o bem estar dos filhos são sempre postos à frente dos seus. E isso o que se espera e faz o homem médio; 32ª - Ainda que aos 28 anos, objectivamente, se considere haver maturidade que permita intentar acção para a investigação da paternidade, subjectivamente, pode não ser assim. Pode não haver capacidade mental para enfrentar a discussão da paternidade, sabendo-se de antemão que se continuará a ser rejeitado, que o investigado tudo fará para que a paternidade não seja reconhecida e estabelecida; 33ª - Os argumentos apontados pela doutrina e pela jurisprudência defensoras da constitucionalidade do prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade, relativos ao “envelhecimento” ou perecimento...

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