Acórdão nº 287/03 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução29 de Maio de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 287/2003

Proc. nº 305/01

TC ? 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - A.. apresentou na secretaria do Tribunal Judicial de Braga requerimento de injunção contra B. destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária, no montante de 349.411$00, acrescido de 25.733$00 a título de juros de mora, relativa à prestação de serviço telefónico.

No respectivo requerimento, o requerente indicou como local para notificação do requerido a Avenida ---------------, -----------.

Procedeu-se depois à notificação do requerido para aquela morada, por carta registada com aviso de recepção, a qual veio devolvida ao remetente por não ter sido reclamada.

Os autos foram então remetidos para distribuição e o Réu citado para contestar a acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato com a A. .

A citação foi efectuada por carta simples para a referida morada, tendo a carta sido depositada no receptáculo postal domiciliário da mesma morada, tudo de acordo com o que ficou exarado no documento de fls. 8.

É, depois, proferido o seguinte despacho:

?Atento o disposto no artº 2º do Regime dos Procedimentos aprovados pelo DL nº 269/98, de 1/9, na falta de contestação e porque não se afigura ocorrer, de forma evidente, excepções dilatórias ou manifesta improcedência do pedido, confiro força executiva à petição?.

Notificado desta decisão, veio o referido B. arguir a nulidade de citação, alegando, em síntese, que a carta de citação por via postal simples (apesar de a carta de citação ter sido endereçada para a sua morada, como resulta de fls. 7 e 8 dos presentes autos) fora depositada no seu apartado ------- dos Correios de -----------, a que raramente tem acesso por residir no estrangeiro e que apenas está acessível em horas de expediente; requereu nova citação para a morada supra indicada.

Notificada para se pronunciar, a A. nada disse.

É então proferido o despacho ora recorrido que começa por dar como provados os factos alegados pelo requerente ?atenta a falta de oposição do requerente, ou seja, que a carta simples para citação do requerido foi depositada na sua caixa de correio e que este reside e trabalha no estrangeiro?.

Sobre o direito aplicável, diz-se, em síntese, no mesmo despacho que:

- o Decreto-Lei nº 183/2000 criou uma nova modalidade de citação pessoal ? a citação por via postal simples ? aplicável, a nível principal (como regra), nos termos do artigo 236º-A do CPC, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito e que se faz mediante o envio de carta simples remetida para o domicílio ou sede que tenha sido inscrito naquele contrato, excepto se houver sido expressamente convencionado um outro local para efeitos de realização da citação, e a nível residual, nos termos do artigo 238º-A do CPC, quando se frustre a citação por via postal registada, com aviso de recepção, cumprindo à secretaria, primeiro, obter informação sobre a residência, local de trabalho ou sobre a sede ou local onde funciona habitualmente a administração do citando nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção Geral dos Impostos e da Direcção Geral de Viação, devendo depois enviar a carta simples, se houver coincidência das informações, para o local respectivo, ou para todos os locais referidos se não ocorrer essa coincidência.

- de acordo com este regime, se poderia, no caso, considerar correcta a citação do réu.

- porém, a citação por via postal simples, quer a nível principal, quer a nível residual, ofende o princípio constitucional da proibição da indefesa consagrado no artigo 20º da CRP, tendo o legislador apenas pretendido tornar mais rápida a fase processual da citação, ficcionando em certos casos a citação do réu.

- esta forma de citação não dá a garantia mínima de que o réu foi intimado e advertido de que contra si foi instaurado um processo, ou mesmo que, tendo chegado ao seu conhecimento, tal ocorra em tempo útil para o réu exercer o seu direito de defesa.

- as normas que prevêem a citação por via postal simples devem ser desaplicadas por inconstitucionalidade material, implicando que a citação pessoal deva ser sempre feita por carta registada com aviso de recepção, nunca se podendo recorrer à carta simples.

- nos casos em que a citação dependa de despacho prévio, o juiz deverá desaplicar o artigo 236º-A ou o artigo 238º-A, ambos do CPC, impondo que a citação seja feita, conforme se mostrar mais célere, por via postal registada (carta registada com AR) ou por contacto pessoal do funcionário de justiça, pois que deve considerar-se a citação efectuada como citação feita sem as formalidades legais e ordenar a sua repetição, podendo, ainda o réu alegar a sua falta de citação, nos termos dos artigos 194º alínea a) ou 195º, alínea e) do CPC.

- aplicando o direito ao caso, o despacho recorrido considera que, tendo sido efectuada a citação por via postal simples, deveria ter sido considerada a citação como efectuada sem as formalidades legais e ordenada a citação por via postal registada ou através de contacto pessoal por funcionário judicial, por desaplicação do artigo 238º nº 2 do CPC.

O vício que o despacho dá por verificado é o de falta de citação pois que ?como resulta provado, o requerido, destinatário da citação, não teve conhecimento do acto, por facto a ele não imputável, a tempo de poder vir a exercer o seu direito de defesa, conclusão essa a que se chega pela desaplicação por inconstitucionalidade material (violação da proibição da indefesa ? artº 20º da CRP) do artº 238º nº 2 do CPC (que estabelece a citação por via postal simples, a nível residual), o que implica a nulidade de todo o processo posterior ao requerimento inicial, devendo realizar-se a citação do requerido por carta registada com A/R)?.

O despacho conclui, decidindo:

?- Desaplicar, por inconstitucionalidade material (violação do princípio da indefesa, consagrado no artº 20º da CRP o artigo 238º nº 2 do CPC);

- Julgar e declarar nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial e ordenar a citação do requerido, através de carta registada com A/R?.

2 ? É deste despacho que vem interposto recurso pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da LTC ?para apreciação da (in)constitucionalidade do artº 238º nº 2 do Cód. Proc. Civil, na redacção dada pelo D.L. nº 183/2000, de 10/8?.

Nas suas alegações, o Magistrado recorrente formula as seguintes conclusões:

?1 ? Apenas compete ao Tribunal Constitucional, no âmbito da fiscalização concreta, sindicar da conformidade à Constituição da interpretação normativa realizada pelo tribunal ?a quo?, tomando a ?norma? que é objecto do recurso ? tida como um ?dado? ? com o sentido específico que o tribunal recorrido lhe atribuiu ao dirimir certo caso concreto ? estando subtraído aos seus poderes cognitivos, quer a apreciação da correcção de tal interpretação judicial ao ordenamento jurídico ?objectivo? vigente, quer a valoração da constitucionalidade de outros segmentos ou dimensões normativas não efectivamente aplicados pelo juiz ?a quo?.

2 ? É inconstitucional, por violação dos princípios da ?proibição da indefesa e do ?processo equitativo?, afirmados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa do nº 2 do artigo 238º do Código de Processo Civil que se traduz em considerar que ? no âmbito da acção declarativa que se segue ao...

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