Acórdão nº 249/03 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Maio de 2003

Data20 Maio 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 249/2003

Processo n.º 783/02

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

O A., impugnou judicialmente, junto do Tribunal do Trabalho de Tomar, o despacho da Subdelegada do IDICT – Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, de 19 de Dezembro de 2001, que lhe aplicou a coima de 2 300 000$00, por, ao não registar correctamente as horas de início e termo do trabalho suplementar, ter infringido o disposto no artigo 4.º e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, com a nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, o que constitui “contra-ordenação muito grave”, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 421/83, na aludida redacção, punível, por negligência, por força da alínea d) do n.º 4 do artigo 7.º, conjugada com a alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, ambos da Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, com coima de 1 400 000$00 a 4 900 000$00, considerando que a arguida empregava 3818 trabalhadores (segundo o Mapa de Quadro de Pessoal de 1999) e apresentou, no ano de 1998, um volume de negócios de 266 223 029 000$00.

Por sentença de 15 de Abril de 2002 foi o recurso julgado improcedente e totalmente confirmada a decisão recorrida.

Dessa sentença interpôs o recorrente recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 30 de Outubro de 2002, negou provimento a esse recurso.

Deste acórdão interpôs o recorrente recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), com a indicação de que pretendia que fosse apreciada a inconstitucionalidade do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo, interpretado como aplicável ao processo contra-ordenacional, por pretensa violação dos artigos 32.º, n.º 10, e 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP), e dos artigos 4.º, n.º 2, alínea c), 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de Junho, “que estabelecem respectivamente a competência do Inspector-Geral do Trabalho para aplicar coimas correspondentes às contra-ordenações laborais e actividade sancionatória e inspectiva da Inspecção-Geral do Trabalho”, por pretensa violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da CRP.

Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

“1. O artigo 125.° do Código de Procedimento Administrativo é inconstitucional se interpretado no sentido de que a sua previsão inclui matéria contra-ordenacional. Naquela interpretação, o artigo 125,°, concebido ao abrigo de uma autorização legislativa que não abrange o artigo 165.°, n.° 1, alínea d), da CRP, viola-o, porquanto a autorização legislativa ao abrigo da qual foi feito não abrange a alínea d) do citado n.° l do artigo 165.°, mas sim a alínea u) do mesmo número e artigo da Lei Fundamental.

2. Só uma interpretação restritiva do artigo 125.° do CPA, no sentido de que o mesmo se não aplica em processo de contra-ordenação, está conforme com a Constituição. O mesmo é dizer que o artigo 125.° do CPA, interpretado no sentido da sua aplicação em processo de contra-ordenação, na medida em que viola o direito de defesa do arguido, garantido pelo artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, é materialmente inconstitucional.

3. O Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de Junho, é material, orgânica e formalmente inconstitucional na parte em que atribui ao Senhor Inspector-Geral do Trabalho competência para aplicação de coimas, cf. artigo 4.°, n.° 2, alínea c), e à Inspecção-Geral do Trabalho o desenvolvimento da acção sancionatória, cf. artigos 6.° a 13.° do citado diploma.

4. Tais inconstitucionalidades advêm do facto de a matéria neles vertida integrar regime geral de actos ilícitos de ordenação social e respectivo processo, sendo que por isso teria que ser objecto de Lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei do Governo se este para tal estivesse autorizado, conforme resulta da conjugação dos artigos 165.°, n.° 1, alínea d), e 198.°, ambos da CRP.”

O Ministério Público apresentou contra-alegações, concluindo:

“1 – A reserva de competência legislativa da Assembleia da República em sede de contra-ordenações apenas envolve a definição do «regime geral» vigente, não implicando a tipificação de cada infracção ou a definição de quais as entidades administrativas competentes para intervir no processo contra-ordenacional.

2 – Não implica qualquer violação dos direitos de audiência e defesa do arguido em processo contra-ordenacional a interpretação normativa que considera subsidiariamente aplicável à fundamentação da decisão da autoridade administrativa o preceituado no artigo 125.° do Código do Procedimento Administrativo, não havendo razão para considerar, do ponto de vista jurídico-constitucional, obrigatória a aplicação subsidiária da norma constante do artigo 374.° do Código de Processo Penal, relativo ao dever de fundamentação das decisões judiciais tomadas no âmbito penal.

3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

As normas cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada foram objecto de dois recentes acórdãos deste Tribunal Constitucional – Acórdão n.º 50/03, da 3.ª Secção (este relativo apenas à norma do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo; publicado no Diário da República, II Série, n.º 90, de 16 de Abril de 2003, pág. 5930), e Acórdão n.º 62/03, da 1.ª Secção –, tendo ambos concluído no sentido da não inconstitucionalidade, solução que – adiante-se desde já – também será aqui acolhida, tal como a fundamentação nesses arestos desenvolvida.

2.1. Quanto à norma do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro (doravante designado por CPA), o que o recorrente, em rigor, impugna é tão-só o segmento do seu n.º 1 (do seguinte teor: “1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”) que permite a fundamentação por remissão e na interpretação de que tal modo de fundamentação é aplicável às decisões sancionatórias no âmbito do ilícito de mera ordenação social.

Consome o recorrente grande parte das suas alegações com considerações sobre a natureza jurídica desse tipo de ilícito e com a sua proximidade com o direito penal, que justificaria, a seu ver, que a fundamentação das decisões que apliquem coimas por contra-ordenações, referidas no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, deveria seguir os requisitos do artigo 374.º do Código de Processo Penal, com postergação da fundamentação por remissão consentida pelo n.º 1 do artigo 125.º do CPA. Não foi esse o entendimento do tribunal recorrido, entendimento cuja correcção, na...

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